A superficialidade asfixiante da vida
A estréia na direção do estilista Tom Ford é das coisas mais surpreendentes dos últimos anos no cinema. Direito de amar (A single man, EUA 2009) é, nas palavras de seu próprio diretor, fruto de uma angústia sua. É senso comum na produção cultural que os grandes artistas criam a partir de aflições e inquietações dessa ordem.
Ford, que também escreveu o roteiro do filme, mostra sensibilidade autoral e técnica impensada para um estreante. Belos planos, a confiança na habilidade dos atores de contar a história, a boa administração da composição técnica (música, fotografia, figurinos e direção de arte) e, mais do que isso, profundo esmero narrativo. Ford soube como contar sua história de maneira minimalista e ritmada.
George Falconer (Colin Firth) é um professor universitário que não consegue se recuperar da morte do parceiro. Acompanhamos Falconer no dia em que decide tirar sua própria vida. Através de suas lembranças, que pontuam esse dia, percebemos como ele chegou àquela profunda tristeza e o porquê se sente desmotivado em divorciar-se dela.
Quando acordar dói: George é um homem em busca de sentido na vida
Em Direito de amar, Ford não faz nenhum tipo de militância. Embora seja homossexual assumido e aborde um universo homossexual, o diretor não o faz com complexo de minoria. A história de amor, e a relação de George com Jim (Mathew Goodie), são vívidas e inspiradoras. Em uma explanação sobre um livro que George dá a uma audiência de estudantes, Ford permite-se sublinhar a incompreensão que gravita o tema e mesmo assim o faz com elegância. Direito de amar, por tudo que representa e evoca, é um filme sobre a superficialidade. Sobre os excessos. Do desejo à falta dele. Muitos criticaram o apuro do filme. A perfeição dos cenários, o corte impecável do terno de George, os cabelos maravilhosamente penteados, o voyeurismo de Ford em algumas cenas, entre outras coisas. A bem da verdade, Ford se excede em um ou outro momento, mas isso não pode ser tomado como algo involuntário ou inerente ao ofício de estilista. Sabe-se vestir bem, mas de que isso adianta? Pergunta Ford. Tanto Charlotte (Julianne Moore, em participação marcante), grande amiga de George, tanto quanto o próprio George e os demais personagens que dão as caras em Direito de amar parecem modelos, dada a perfeição da postura e o alinhamento das roupas. Mas são todos desajustados. De uma forma ou de outra.
A fotografia do filme, nesse sentido, é de uma sutileza extraordinária. Ford e seu fotógrafo, Eduard Grau, acinzentam a imagem sempre que George aparece em um momento de introspecção doída. As cores voltam com brilho quando ele, de alguma forma, sente-se amado. A vida não deixa de ser assim. Maquiamos-nos e enfeitamos-nos todos para disfarçar ou ocultar nossos medos. Medos que geram angústias. E como sair delas? Tom Ford fez esse belo filme sobre como tentar.
Julianne Moore e Colin Firth em uma das grandes cenas do filme: Dois atores em estado de graça
Vale destacar também a excepcional trilha sonora de Abel Korzeniowski. Que ajuda a imprimir o tom do relato. Sem essa trilha, Ford não conseguiria alcançar o coração do espectador. Mas o grande trunfo de Direito de amar, que assegura o sucesso do filme, é Colin Firth. O ator entrega a performance de sua vida. Uma atuação sem vaidades (em um belo exercício de paradoxo, já que seu personagem é vaidoso) e que reveste o filme de Ford de sentimento. No mundo esterilizado em que não há sentido se você não for capaz de se conectar com outro ser humano, é Firth quem se conecta com a platéia.
Belo texto. Estou bastante curioso para vê essa estréia de Tom atrás das câmeras. E, tamanho todos os elogios, não decepciona.
ResponderExcluirObrigado Luis. O filme é muito bom msm. Impressiona, principalmente, por ser o primeiro trabalho de um cara que a gnt nunca imaginaria ter tino para a coisa. De fato, um artista completo!
ResponderExcluirABS
"Direito de Amar" é, possivelmente, a estreia mais impressionante dos últimos tempos. Tom Ford apresenta uma habilidade absurda atrás das câmeras. O conteúdo, o visual, a parte técnica, as atuações. Tudo é maravilhoso!
ResponderExcluirConcordo contigo! O filme é bonito, bem contado, excessos em alguns momentos sim, mas não chega a comprometer todo o trabalho de Ford. O que mais me chamou a atenção do filme foi a fotografia e é claro, o figurino... Aquela cena da menina vestida de xadrez dançando em smotion pra mim já vale o filme todo. Deu uma pegada cult muuuito bacana...
ResponderExcluirMatheus: Que saudade de te ver aqui rapaz!Concordo plenamente com vc. A estréia dele me arrebatou. Hoje, mais a tarde, a seção contexto aqui do blog irá aprofundar um pouco mais um dos temas de Direito de amar.Conto com sua opinião.ABS
ResponderExcluirFernando:Que bom que concordamos. De fato, Ford sai-se muito bem nessa estréia. E como vc bem observou, há cenas belíssimas.Elas dão uma pegada cult ao filme. Ford sempre quis ser cult.Conseguiu!ABS