O filme proibido, ecos de censura e banalidades cinematográficas
Chamou à atenção da crônica cultural essa semana um filme de terror obscuro sérvio. Primeiro por sua exibição programada para o Riofan, festival de cinema fantástico realizado no Rio de Janeiro com patrocínio da Caixa Econômica Federal. Depois pelo veto ao filme instituído pela própria patrocinadora do evento. A serbian film – terror sem limites, de Srdjan Spasojevic já foi proibido em muitos outros países europeus como Inglaterra, Alemanha, França (onde os distribuidores foram até processados), Itália e Portugal. No entanto, o filme já foi exibido em alguns festivais realizados na Espanha, Portugal e no próprio Brasil, em um festival internacional de cinema em São Luís (MA) .
O motivo de tanta polêmica é por que a produção mostra, entre outras coisas, cenas de estupro de um recém-nascido, cenas de pedofilia e necrofilia, e situações em que um pênis é uma arma.
Spasojevic reage à truculência de seus censores dizendo que o filme é uma alegoria política da Sérvia em que cresceu. Vale lembrar que a Sérvia, parte da antiga Iugoslávia, ainda é marcada por conflitos étnicos, militares e civis.
Os críticos que já assistiram ao filme, de importantes veículos como The guardian, New York Times e Empire não endossam o argumento do diretor sérvio. Para eles, a trama de extremo mau gosto, virulenta e fetichista não permite nenhuma associação de cunho político, Spasojevic estaria tentando justificar seu filme por esse viés, agregando o referido valor político.
A serbian film não é o primeiro a provocar um debate tão inflamado sobre os limites de um cinema provocativo. A estética de produções como Os idiotas, de Lars Von Trier, em que atores interpretavam doentes mentais em uma leitura debochada, foi muito questionada no festival de Cannes de 1998. O mesmo ocorreu com outro filme a debutar naquele festival. O francês Irreversível (2002) chegou a causar desmaios durante uma demorada cena de estupro.
Cena de A serbian film, produção que já figura como das mais censuradas da história do cinema
Projetos como A serbian film são calculados para a polêmica. Existe toda uma alquimia para exceder limites do bom senso e provocar reações destemperadas dos interlocutores. No entanto, nada justifica uma censura prévia ao filme como fez, por exemplo, a Caixa Econômica Federal ao vetar sua exibição no evento que patrocina. Gestos como esse acabam por reforçar o interesse em uma fita que, em si, não se sustenta. Por isso a necessidade de chocar se impõe tão veementemente.
A proibição à A Serbian film denuncia que a sociedade ainda não superou determinados estigmas. O mau gosto da fita, e precisar se ela faz ou não apologia a crimes como pedofilia flerta com subjetividades, vai ao encontro de outra questão que já foi discutida aqui no blog: o conceito de arte e seus limites.
Spasojevic busca legitimidade como artista. Justifica seu filme como um manifesto e, até o momento, só o exibiu em festivais. Colheu reações adversas por onde passou, como acolheram cineastas polêmicos como Von Trier, Gaspar Noé e John Cameron Mitchell.
Cena de Os idiotas, de Lars Von Trier: estética discutida por ferir os parametros do bom senso
Seu filme fala majoritariamente de perversidades sexuais e bem sabemos que elas existem. Estão a confrontar-nos diariamente no noticiário. As mais perversas, do tipo que Spasojevic ilumina, escondem-se nos subterrâneos das cidades. Mas bem sabe o leitor que elas estão lá. À espreita. Trazê-las à luz de maneira indiscriminada mais do que chocar, assusta. Essa é uma constatação que, embora negligenciada pelos alvoroços em torno da censura à obra, merece atenção e desenvolvimento.
O cinema, mesmo o de mau gosto, tem se mostrado um instrumento valioso em pautar a sociedade. O cinema iraniano sempre foi muito ativo politicamente, ainda que de maneira mais elegante do que Spasojevic pretende se mostrar.
Portanto, ater-se à questão da censura, além da repetição, limita um debate muito mais rico à sua superfície.
Eu não tinha lido nada sobre essa produção, mas, desde já, me parece polêmica! E nem sei se, confesso, gostarei desse tipo de abordagem...
ResponderExcluirabs
Muita gente falou q esse filme não é de nada. Só serve para chocar...sei lá, nem devo ver, filmes assim as vezes me irritam, mas seu texto está otimo, como sempre...hehehe...grande abraço.
ResponderExcluirO.O
ResponderExcluirCaramba! É difícil julgar antes de ver, mas pelo que li (principalmente o lance do recém-nascido) acho desnecessário e absurdo. Caramba! Enfim, é um filme que eu quero ver para confirmar suspeitas, mas acho que já sei o que vou ver. Mas é complicado.
Parabéns pelo post e por levantar esse assunto polêmico por aqui. Eu acho lamentável a censura a esse filme. Ela é polêmica, sim, mas acho que proibir é pior. Só faz criar mais vontade de assistir ao filme e mais polêmica em torno dele.
ResponderExcluirCristiano: Acho que é difícil gostar desse tipo de abordagem Cris...
ResponderExcluirabs
Celo Silva: Obrigado Celo. Pois é, existem filmes que só querem chocar... esse, provavelmente, é um deles...
abs
Luiz Santiago: Acho que tudo mundo que se predispuser a ver esse filme Luiz, será para confirmar suspeitas...
Abs
Kamila: Sinceramente Ka, acho a censura -embora equivocada - o assunto menos pertinente do debate. Conforme levantei no parágrafo que encarra o artigo, perde-se de vista uma discussão muito mais rica e oportuna acerca do poder do cinema em pautar a sociedade...
Bjs