domingo, 18 de outubro de 2009

Insight

Nosso olhar sobre nós mesmos

Um sub gênero caro ao cinema é o chamado biopic, ou como chamamos aqui no Brasil, biografias. Retratar trajetórias de vida vitoriosas ou de proeminentes seres humanos que marcaram a história é uma característica itinerante do cinema, em particular do cinema americano. É compreensível, em um sociedade que aprendeu a valorizar a ambição e os desdobramentos dela, o fascínio por vidas que desconhecem limites ou que os subjugam com determinação e afinco vorazes.
O retrato que o cinema constrói de celebridades, políticos, grandes personalidades e ou gente que fez a diferença em níveis menos estratosféricos, geralmente é lisonjeiro. Há sempre uma preocupação vaticinante em homenagear o biografado, quando vivo, e de honrá-lo e reverência-lo, quando morto.

Cena de Jogos do poder em que Tom Hanks vive o congressista Charles Wilson: Não é uma biografia convencional, mas mostra muito sobre a vida e o jeito de ser do personagem

Esse é um dos cânones desses sub gênero. Há, no entanto, exceções. Cineastas que procuram a verdade, nem sempre abrasadora, sobre seus biografados. Há também biografias que se confundem com o registro de um período histórico, o que municia o cineasta com uma perspectiva diferente. Já que o olhar sobre o personagem parte de um outro referencial.
São muitas, não restam dúvidas, as formas e estruturas de elaborar uma biopic. O cinema americano é, por razões óbvias, o mais fértil na produção dessa ficção - verdade. Existem alguns filmes exemplares que se confundem com o que de melhor foi produzido por Hollywood. Recentemente tivemos filmes como O aviador de Martin Scorsese (sobre a vida do excêntrico Howard Hughes), Ray de Taylor Hackford (sobre a vida do cantor Ray Charles), Milk de Gus Vant Sant (sobre a vida do primeiro político americano assumidamente homossexual eleito Harvey Milk), W de Oliver Stone ( sobre o ex-presidente George W. Bush), 8 Mile (sobre o rapper Eminem), Uma mente brilhante (sobre o matemático John Nash) e O vigarista do ano ( sobre, bem, o trambiqueiro profissional Clifford Irving).

Leonardo Di Caprio como Howard Hughes: Um estudo elaborado de uma vida que desconheceu limites

Há ainda exemplos de filmes que mostram muito sobre uma personalidade a partir de um recorte específico. Ao invés de focar toda a sua vida, focam um evento importante que resume ou ilustra precisamente a vida dessas personalidades. Como o fazem Capote , de Bennet Miller (sobre o escritor e jornalista Truman Capote), Jogos do poder de Mike Nichols (sobre o congressista Charles Wilson ), Treze dias que abalaram o mundo de Roger Donaldson (sobre John Kennedy), Hollywoodland ( sobre o ator George Reeves) e o recente, em cartaz nas telas brasileiras, O desinformante de Steve Sodebergh (sobre um executivo em busca de notoriedade).
Pessoas comuns com histórias extraordinárias também são objeto de biografias. E não só hollywoodianas. O espanhol Ramón Sampedro que tetraplégico lutou bravamente para ter o direito de dar fim a sua vida, teve seu livro adaptado para os cinemas. Mar adentro foi um grande sucesso de público e critica do cinema espanhol.
Portanto, hoje as biografias se dividem, mesmo que em um movimento involuntário, em duas frentes. Aquelas que são biografias assumidas, tratadas com a pompa e, frequentemente, com a reverência características e aquelas que partem do minimalismo de um acontecimento ou momento específico para tecer um comentário maior. São essas as mais impiedosas, ou menos reverentes, com seus biografados.



Damon e Sodebergh no set de O desinformante: Crônica de um mentiroso compulsivo

Independentemente de reverências, agendas políticas, gostos e afinidades, as biografias são, em suma, uma aposta segura. Tanto para produtores, diretores e atores (é um produto de inegável prestígio acadêmico), para o biografado (o filme pode, muitas da vezes, ser redentor), quanto para o público ( na pior das hipóteses é uma aula de história regular, na melhor, cultura em sua melhor embalagem).
Biografias são por excelência sobre a vida de pessoas. Todd Haynes, porém, revolucionou essa percepção. Não estou lá é um filme sobre a vida da obra de Bob Dylan. Como se vê, se uma vida não tem limites, também não terá sua retratação em celulóide.
Portanto, há de se reconhecer a fluência e renovação do sub gênero que talvez seja, o que mais aproxima o homem de sua essência. Seja por seu acertos, por seus erros, por suas omissões ou por seus devaneios. É o homem se vendo pelo cinema.



Josh Brolin como o Bush de Oliver Stone: Um retrato meio desfocado da vida do então integrante da Casa Branca

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