terça-feira, 30 de novembro de 2010

Contexto

Painéis irresolutos

A vida durante a guerra é um drama que objetiva expor e discutir algumas fragilidades humanas. A necessidade por perdão é um tema central da nova fita de Todd Solondz, mas ela não é a única questão proposta no painel do cineasta. Há o desamor crescente e patológico em uma sociedade que se caracteriza primordialmente pelo egoísmo com que cada indivíduo trata suas relações sociais. E esse é justamente o ponto gravitacional de A vida durante a guerra, como era também o de Felicidade (1998), filme ao qual Solondz revisita com o novo lançamento. Ao retomar os mesmos personagens e seus dilemas congelados no tempo, Solondz tenta avançar nas proposições do filme dos anos 90. No entanto, o eco que se ouve aqui não se mostra muito profundo.

Cena de A vida durante a guerra: personagens sofrem para
explicar o conceito de terrorismo para uma criança

É contumaz do cinema se prestar a construir painéis como o que se vê nos dois filmes de Solondz. A prerrogativa de explicar o mundo através de esquematizações amplificadas é tentadora. Paul Haggis tentou pelo viés do preconceito racial em Crash – no limite, Fernando Meirelles se apropriou de Saramago e apresentou uma mescla de pessimismo com esperança sobre os rumos da civilização em Ensaio sobre a cegueira e Tomas Vinterberg articulou, em uma reunião familiar, uma dinâmica bem parecida com a empregada em todos os filmes citados anteriormente no histórico Festa de família.
Em comum, esses dramas têm a proposta de a partir de painéis, ainda que irresolutos e inconclusivos, esmiuçar os intestinos das relações humanas.
Não se chega sempre aos mesmos resultados. Nem em termos cinematográficos, muito menos em parâmetros sociológicos. A dramaturgia de Solondz, por exemplo, é muito mais rasa do que a de Saramago brilhantemente transposta para o cinema pelo diretor brasileiro.
Nem que os realizadores quisessem esses painéis poderiam ser resolvidos. Já que ainda estamos contando nossa própria história. Essa, no final das contas, é a graça de produções como Crash- no limite a A vida durante a guerra. Mesmo que por graça aí, entendamos sina.



Se você gostou do tema abordado nesta seção Contexto e pretende repercuti-lo sob esse e outros pontos de vista, Claquete recomenda:

Felicidade (Happiness, EUA 1998), de Todd Solondz
Festa de família (Festen, DIN 1998), de Tomas Vinterberg
Magnólia (Magnólia, EUA 1999), de Paul T. Anderson
Crash - no limite (Crash, EUA 2005), de Paul Haggis
Ensaio sobre a cegueira (Blindness, CAN/JAP/BRA 2008), de Fernando Meirelles

4 comentários:

  1. Eu não sou muito acostumada com o cinema do Todd Solondz, mas quero e pretendo dar uma chance a este novo filme dele.

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  2. Ka: Veja os outros primeiros, este é o piorzinho dele...
    Bjs

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  3. Está aí um diretor que não conheço. Por favor, Reinaldo, indique-me o seu melhor exemplar.

    E não acho Ensaio Sobre a Cegueira "brilhantemente transposta para o cinema", mas reconheço: adoro ambas as obras - o livro e o filme. Contudo, Meirelles não transpôs o que há de mais belo na prosa saramaguiana - a sua poesia.

    Abs

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  4. Grande Cássio! Olha, Solondz não é um grande diretor. Acho que para conhecer seu cinema uma boa introdução é mesmo Felicidade. Seu melhor filme, ainda que irregular em alguns momentos. Tb destaco Histórias proibidas e Bem vindo a casa das bonecas (seu primeiro filme).
    Abs

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