domingo, 21 de novembro de 2010

Claquete documenta - Senna



É até um pouco niilista classificar Senna (ING 2010) como um documentário. Na verdade, a produção assinada pelo indiano Asif Kapadia é um híbrido de ficção com documentário. Essa realidade traz vantagens e desvantagens. Certamente do ponto de vista do marketing é uma peça valiosa, já que se pode reclamar a primazia em abordar a trajetória de um ídolo das massas em uma narrativa convencional e ajustada aos padrões hollywoodianos de grandes heróis sem abdicar da sobriedade do gênero documental. Por outro lado, reforça a sensação de que o filme sobre o piloto brasileiro não é o filme sobre aquele homem e sim o filme que sua família gostaria que fosse feito.
Vale lembrar que por muito tempo um longa sobre Ayrton Senna foi negociado em Hollywood, mas a família Senna não abria mão do controle criativo sobre a obra. Surgia assim esse documentário que é constituído basicamente por imagens de arquivo (algumas inéditas conseguidas junto a Federação internacional de automobilismo). Em Senna, há um cuidado rigoroso com a imagem do piloto, morto em um acidente no circuito de Ímola em 1994. Senna, o documentário, versa sobre a trajetória de Senna na Fórmula 1 e só. Nada que quem já não esteja familiarizado com a história do piloto já não conheça. Não existe o interesse por parte da realização de investigar o homem por trás do mito, pelo contrário, a intenção é de realçar esse mito em uma potência ainda maior. Para isso alguns subterfúgios narrativos são empregados. O primeiro deles é criar um vilão para o herói Senna. E a figura antipática de Alain Prost, que rivalizou arduamente com Senna nas pistas e nos bastidores da F1, é primordial nesse sentido. Prost ganha tintas pouco lisonjeiras no filme que nos créditos faz uma mea culpa obsoleta ao lembrar que o tetra campeão mundial contribui assiduamente para o instituto Ayrton Senna.
Há pouco espaço para o Senna de fora das pistas no filme. O foco é a competição e seu legado na fórmula 1. Não havia porque supor que o filme não fosse celebrar a figura de Senna, mas em momento algum se articula ir além da simples idolatria.
Senna não é um filme ruim, mas fica aquém de produções mais sérias e comprometidas exibidas diretamente na TV em canais como Biography Channel e Discovery Channel. É lógico que o apelo midiático da figura se impõe. O diálogo que a fita estabelece com quem vivenciou o reinado de Senna na F1 ou sua trágica morte é irreproduzível e, em si, definitivo. É justamente aí que reside a razão de ser deste filme. Reascender a chama que vela por Senna. Quinze anos após sua morte, toda uma geração não reverbera o piloto em sua memória. Esse é o maior pecado de Senna enquanto cinema. O filme não será emocionante, muito menos marcante, para quem não tiver mais de 20 anos. Não é o filme que emociona. É a lembrança que ele provoca. Para um documentário que se alimenta desavergonhadamente de recursos da ficção para propalar uma figura já icônica não deixa de ser um resultado frustrante.

4 comentários:

  1. Bem chapa branca, como você disse. Enfim, é um doc. para quem gosta de esporte ou pelo menos admira o homem que Senna foi.

    ResponderExcluir
  2. Fiquei curioso quando vi o cartaz no cinema e agora com seu apontamento sobre o filme, estou mais ainda! Embora algumas de suas frustrações quanto a ele. Está ótimo seu texto e foi bom saber que o filme é uma fronteira entre documentário e ficção. Particularmente adoro isso neste formato que tem a facilidade de ficar chato se não for um assunto que o indivíduo aprecia muito.

    E como não sou tão apreciador de esporte, tampouco F1, mas que gosto da figura e do homem que Senna foi, creio que vou gostar e ainda mais sabendo desta hibridização documental.

    E o longa metragem/cinebiografia que o Antonio Banderas queria fazer. Soube dessa?

    Queria muito um filme completo sobre ele!

    Abs.
    Rodrigo

    ResponderExcluir
  3. Pena que o filme pareça pecar tanto em sua construção, Senna já era mito suficiente, não precisa ser "purificado" para ficar maior. Os grandes deuses, que o digam os gregos e romanos, não são seres unidimensionais e justamente por isso a identificação do povo com eles é tão intensa.
    Família Senna, leiam por favor "O poder do mito", e depois a gente conversa, rsrsrs Ah, tem em dvd, se preferirem :P

    Rodrigo, pelo que entendi, o texto fala que o filme com Banderas não rolou pelo fato de a família do Senna não abrir mão de controlar o "conteúdo", digamos assim.

    ResponderExcluir
  4. Luis Galvão: acho que vc resumiu bem para quem o filme é indicado. Abs

    Rodrigo:Tb acho positivo produções que se alimenta desse hibridismo.Mas Senna, mesmo com esse subterfúgio, apresenta problemas. E muitos. O filme com o Banderas, como aponto no texto, não rolou pq a família Senna vivia criando empecilhos. Alguns produtores interessados em um longa ficcional se retiraram e Banderas cansou-se de ficar à disposição. Ainda acredito que teremos um filme ficcional (assumido) sobre Senna. Mas não será tão cedo. Abs

    Aline:Obrigado pelo comentário e pela percepção sempre aguçada.Pois é, mais uma vez seu comentário foi direto ao ponto. E que ponto. Bjs

    ResponderExcluir