sábado, 18 de janeiro de 2014

Oscar Watch 2014 - Primeiras impressões sob as indicações para a 86ª edição do Oscar


Não houve o espanto geral da edição de 2013, quando Ben Affleck ficou de fora da lista dos diretores, uma garota de nove anos foi indicada ao Oscar de melhor atriz e o pesado, triste e estrangeiro Amor foi celebrado entre os melhores filmes do ano.  Prevaleceu a sobriedade nas escolhas da Academia. Sobriedade esta, que não desponta sozinha. Há um franco processo, já destacado em outros anos, de rejuvenescimento do colegiado que compõem a instituição. Em 2014, com hits indies como Clube de Compras Dallas, que angariou inimagináveis seis indicações, e Ela, outro com cinco nomeações, e a exclusão de fitas mais tradicionais e engessadas como Walt nos bastidores de Mary Poppins, essa tendência ganha cristalização maior. Os indicados a melhor canção e trilha sonora original, com representantes indies como o grupo canadense Arcade Fire, também são um termômetro dessa mudança gradual no corpo da Academia.
Outro aspecto que salta aos olhos é a diminuição da influência dos sindicatos. Especialmente dos atores, outrora tão festejado por seu alto índice de preconização dos indicados ao Oscar. Isso acontece não porque a composição majoritária da academia deixou de ser dos atores, mas em virtude do aperto no calendário pré-indicações ao Oscar imposto pela academia no ano passado.  Das 20 atuações indicadas, cinco são distintas das lembradas pelo SAG. É a maior discrepância em anos. O que mostra, por consequência, que a mudança no calendário que fez com que todos os outros prêmios fossem trombando e se reajustando, do ponto de vista da Academia, foi ótimo negócio.
Trapaça, inegavelmente, assume a dianteira na corrida pelo Oscar. A ideia já estava solta no ar há algumas semanas, mas as indicações consolidaram esse status. Gravidade, que divide com o filme de David O. Russell, o recorde de indicações no ano (ambos com 10) é ficção científica, gênero que tradicionalmente encontra resistência nos porões da Academia e a referida mudança aventada acima ainda não chegou tão longe. Trapaça é um filme feito por um diretor que acumula prestígio ano após ano, filme após filme e com elenco estelar. O tema, política, show business, cafajestagem e camaradagem com os anos 70 como pano de fundo rendeu a Argo o Oscar no ano passado. A questão que se coloca é se a Academia premiará um filme que aborda, de maneira dura e crua, um período vergonhoso da história americana (12 anos de escravidão) ou se premiará o filme mais confortável apresentado por um grupo de artistas queridos e em alta? Amistaad (1997) e Lincoln (2012), para ficarmos em exemplos Spielbergianos eram filmes muito menos insidiosos da desumanidade da escravidão e foram ladeados.  Gravidade, por seu turno, como já abordado aqui em Claquete, é demasiadamente pipoca e pouco contundente em matéria de reflexão. O Oscar gosta de premiar causas nobres. Não há nada em Gravidade que favoreça essa percepção.
Outro aspecto curioso foi a ausência de dois dos documentários mais elogiados, comentados e premiados do ano Blackfish e Stories we tell que ficaram de fora. Em comum, ambos são dirigidos por mulheres. Não que haja uma conspiração do clube do bolinha aí, mas que é estranho e propício à controvérsias, é inegável.
Curiosamente, ainda que a lista pareça mais internacionalizada – há até um somali indicado entre os coadjuvantes, houve uma diminuição da presença de estrangeiros entre os concorrentes ao Oscar. Descontando-se os ingleses e galeses (Christian Bale, Chiwetel Ejiofor e Judi Dench) há uma australiana (Cate Blanchett, outra que poderia ser descontada), uma queniana (Lupita Nyong´o), um alemão (Michael Fassbender) e um somali (Barkhad Abi).
A questão racial, sempre introduzida no debate, volta ao eixo central nesta edição do Oscar. Há atores negros indicados em todas as categorias, com exceção de atriz, e o terceiro diretor negro nomeado ao Oscar de direção. Steve McQueen, no entanto, é o primeiro negro estrangeiro indicado; ele é inglês. Não obstante, 12 anos de escravidão que despontou como virtual vencedor do Oscar lá atrás em setembro, quando foi exibido no festival de Toronto, foi perdendo fôlego e hoje representa uma opção à esquerda do favorito consolidado Trapaça. O ímpeto revoltoso de alguns pode atribuir a esse descenso um valor racial que, a primazia, é apenas intriga. 

5 comentários:

  1. Como assim Gravidade não passa reflexão?! Acho que vocÊ não viu o mesmo filme que eu e os críticos, pois o filme não é apenas um apuro técnico e sim também uma REFLEXÃO sobre a vida e por sua sobrevivência. Alfonso Cuaron é FAVORITO para melhor diretor, ele está ganhando tudo, está a frente de David e Steve.
    Acho que vocÊ não está acompanhando as críticas e as premiações, está muito mal informado, não sabe o que está falando em certas coisas...

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  2. Oi Danny, tudo bem? Acho que vc não me entendeu bem e eu esqueci de linkar o texto sobre as chances de Gravidade no Oscar ao qual me referi no artigo acima. Aqui está o link: http://claquetecultural.blogspot.com.br/2013/12/oscar-watch-2014-quais-as-reais-chances.html

    Bem, não acho que "Gravidade", como citei, ofereça uma "reflexão contundente". Seus predicados se concentram, inegavelmente, nos avanços técnicos. Concordo que Cuarón tem chances no Oscar de direção. Mas seria uma grande surpresa para mim se o filme vencesse como melhor filme..
    Abs

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  3. Concordo com o Reinaldo, "Gravidade" pode ser uma realização técnica incrível, mas é só isso na minha opinião. Não me despertou tantas reflexões, só me impressionou pelo visual. Achei o roteiro muito raso (um exagero das premiações que o indicaram).

    Parece que Alfonso Cuaron está garantido como melhor diretor, mas será que a Academia vai divorciar o prêmio de melhor filme e direção pelo segundo ano consecutivo? E ainda tem a questão racial de poderem premiar pela primeira vez um diretor negro. Temos que esperar o resultado do DGA para uma conclusão mais definitiva.

    Esse ano, a antecipação da cerimônia do SAG aliada ao adiamento do Oscar fez com que houvesse um hiato maior entre o fim do prazo para indicarem em cada prêmio. Acho que isso fez que com que eles pudessem considerar outros candidatos como o Christian Bale, a Amy Adams. o Leonardo DiCaprio e o Jonah Hill. Acho que quando os prazos são muito próximos, eles acabam repetindo automaticamente os indicados.

    Continuo aqui acompanhando a corrida através do blog. Abraço!

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  4. Não vejo Trapaça como o favorito...

    Não acho que a liderança nas indicações o tornem favorito. Olhe Lincoln no ano passado, ou O Aviador, ou Bravura Indômita... As indicações em todas as categorias de atuação também não consolidam muita coisa, já que O Lado bom da vida em 2013 estava nas mesmas condições e isso não terminou em vitória.

    A prova disso é a vitória de 12 Anos de Escravidão e Gravidade no PGA, mostrando que o duelo é entre os dois, como era no início da corrida e como deve ser. Mas concordo contigo que a Academia dificilmente irá premiar uma ficção científica, logo, acredito que o prêmio vá para o filme de McQueen.

    Enfim, um belo texto, como sempre...

    Abraço!

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  5. Anônimo: O DGA irá, inegavelmente, apontar um caminho. Uma vez q é o sindicato que melhor acerta tanto em sua categoria no Oscar como na categoria de melhor filme. Lembre-se que Ben Affleck ganhou o DGA no ano passado, não estava concorrendo como diretor, mas "Argo" venceu como melhor filme. No entanto, não cravo ainda Cuarón como favorito em direção. Ainda que admita que ele tem grandes chances. A corrida pelo Oscar neste ano é bem longa e os favoritos de momento podem chegar ao fim da corrida já sem muito fôlego. É o que pode acontecer, infelizmente, com Cate Blanchett e , até mesmo, Trapaça. Vamos observar.

    Matt: Obrigado pelo comentário. Sempre contumaz em suas observações. Vejo Trapaça como favorito nem tanto pelo número de indicações, mas pelo momentum do filme de Russell em Hollywood.O empate no PGA, prévio à feitura desse texto, não habilita esses dois filmes na ponta da corrida, mas reforça a sensação de um ano equilibrado e com três, e não dois, filmes polarizando. Mas concordo que 12 anos de escravidão é quem mais se ajusta às alternativas clássicas da academia. Mas há muitas restrições aí. Vamos acompanhando!
    Abs

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