quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Crítica - Pelos olhos de Maisie

Um novo olhar

Filmes que abordam o impacto de um ambiente familiar desestruturado em uma criança existem em quantidade considerável, mas o olhar que Pelos olhos de Maisie (What Maisie knew, EUA 2012) propõe foi muito pouco experimentado pelo cinema. Adaptado do romance de Henry James, o filme de Scott McGehee e David Siegel empresta de sua matriz literária a sutileza na arquitetura do registro e a calma na condução da narrativa.
Susanna (Julianne Moore) é uma mulher que parece entorpecida pela existência. Sem muita segurança emocional afasta-se da filha Maisie à medida que a liberdade propiciada pelo divórcio do pai da menina, Beale (Steve Coogan), lhe dá essa abertura. Tampouco o pai parece comprometido com a ideia de fazer da filha uma prioridade. Mas essa conclusão, o espectador terá que peneirar porque um dos acertos desse belo filme independente americano é montar sua história toda na perspectiva de Maisie (a impressionante Onata Aprile), a dócil, esperta e cativante filha que padece da indisponibilidade emocional de seus pais. Aos poucos ela vai se ambientando com a presença e o carinho de Margo (Joanna Vanderham), sua babá que passa a ser sua madrasta, e Lincoln (Alexander Skarsgard), um bartender camarada com quem sua mãe se casa na expectativa de reaver judicialmente a guarda da menina.
A dramaturgia de Pelos olhos de Maisie se ergue toda na órbita da observação da menina do mundo ao seu redor. Do receio de Margo e Lincoln até a total entrega a esses dois estranhos que se apresentam mais interessados nela do que seus próprios pais.
O filme, contudo, evita maiores julgamentos. Em momento algum, Susanna, outro belo trabalho de Moore, e Beale são apresentados como figuras desviadas ou defenestráveis. O julgamento é todo do espectador. O filme se limita a divagar a respeito de nossas indisponibilidades. De como nos distanciamos daquilo que desejamos e de quem imaginamos ser. A docilidade de Maisie contrasta com a negligência que a vitima quando da separação litigiosa de seus pais e ela encontra abrigo emocional onde menos se espera. Essa capacidade do ser humano de renunciar à paternidade, e às responsabilidades, encontra analogia inversamente proporcional na capacidade do ser humano de abraçar a paternidade, e as responsabilidades, em face da necessidade litigante.
É esse o grande achado de Pelos olhos de Maisie. Filtrar o amor da dor. A esperança do desamparo em uma pequena crônica familiar sensível ao que o ser humano tem de mais egoísta, mas também ao que tem de mais encantador. Pelos olhos de Maisie é, enfim, um filme suscetível a emoção. Do público e de seus personagens.


4 comentários:

  1. Esse filme parece ter passado completamente despercebido, mas me parece uma obra tão simpática, do pouco que tenho lido sobre o longa.

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  2. Olá Reinaldo. Faço coro a Kamila quanto ao filme. Curioso. Procurar conferi-lo. Desculpe a minha ausência, mas estou numa fase desanimada de blog. Espero ter mais ânimo e retornar com novas postagens.

    Procurei ler seus posts anteriores. Adorei o Oscar Watch e a matéria sobre o DiCpario. O que foi aquela atuação em "O Lobo de Wall Streett"? Sensacional. E Scorsese chutando bundas.

    Estou conferindo os filmes desta temporada Oscar. Além de "Lobo", ontem pude assistir "Ela". Genial. Spike Jonze voltando com tudo e acho que Phoenix tb foi esnobado. Vou continuar com "12 Anos de Escravidão"... já vi tb "Álbum de Família" que só ganha pelo seu maravilhoso elenco.

    Parabéns pelas matérias!

    Abração.

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  3. Kamila: É simpático sim Ka. Diria que é até um pouco mais do que simpático.
    Bjs

    Rodrigo: Ô meu amigo e eu bem sei como é esse desânimo que bate de frente e sem dó. Obrigado pelos elogios, pela consideração de continuar vindo aqui em face desse desencanto. Espero que retome seu fôlego blogueiro logo, porque sei, e me conforta seu depoimento atestando isso, que a paixão pelo cinema sege irretocável. Nós cinéfilos somos, graças a Deus, irreparáveis e irrepreensíveis nesse tópico. E ainda temos Scorsese chutando bundas para nos animar.
    Aquele abraço!

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  4. Nossa, fiquei com vontade de ver agora que li sua resenha, mas, para não perder o costume, vou procurar ler o livro primeiro, rsrsrs Depois vou ver se lembro se vir aqui dar meus pitacos ;)

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