quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Especial O lobo de Wall Street - Crítica


Teu ódio será minha herança!


É raro quando as luzes do cinema se ascendem e você se dá conta de que acabou de testemunhar um daqueles momentos únicos do cinema: o nascimento de uma obra-prima. No caso de O lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, EUA 2013) o sentimento é imediato. A imagem dos cordeiros olhando fixamente o lobo que os hipnotiza com charme, beleza e altivez encerra um filme apoteótico, sarcástico (como poucas vezes Scorsese se permitiu ser), vibrante, nervoso e profundamente reflexivo não só daquele microcosmo de loucura, devassidão e ganância que tem em Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio) sua principal bússola, mas também do público que reage ao que se vê na tela de maneira diversa. Jaz nessa receptividade conflituosa e tergiversada o grande ás desse filme pensativo e provocador. Ao convidar o espectador para vislumbrar o desbunde de uma vida sem regras, sem limites e por vezes chocante, mas sempre entorpecente, Scorsese ativa a bússola moral do espectador e o desafia a fazer um julgamento que o próprio Scorsese posterga, para finalmente completá-lo de maneira sutil, silenciosa e deliciosamente debochada.
Em O lobo de Wall Street, baseado nas memórias do próprio Belfort, testemunhamos a ascensão de um homem que como tantos outros chegou a Wall Street com tesão por ganhar dinheiro, fácil, de preferência. E a ascensão de Belfort foi meteórica. Dono da própria empresa e faturando cerca de U$ 50 milhões no ano de seu 26º aniversário, o mundo parecia seu quintal e Belfort e seus amigos agiam de acordo com essa impressão.
Estamos no terreno dos personagens que sempre querem mais. “Você precisa botar a necessidade na mesa”, diz o mentor de Belfot, vivido com energia absurda por um assombroso Matthew McConaughey. A necessidade, no entanto, elabora Scorsese, é uma moeda de duas faces e manobras ilegais logo se tornam um elemento básico do negócio.  

O pulmão do filme: a cena em que o personagem de McConaughey explica Wall Street para o personagem de DiCaprio dá o tom do filme e se caracteriza como um dos grandes momentos do cinema neste ano

Não é um conto moral o que tece o cineasta de Os bons companheiros e essa é a principal divergência entre este filme e produções como Wall Street (1987) e Margin Call – o dia antes do fim (2011). Aliás, esse filme guarda similaridades entusiasmantes com Os bons companheiros. A perversidade, a total falta de escrúpulos e a percepção de se estar acima do bem e do mal alinham os personagens de ambos os filmes. Scorsese sabe disso e, tal como em Os bons companheiros, observa esses personagens interagirem em seu habitat com o cinismo que merecem.
Se não é um conto moral, o que move O lobo de Wall Street? A psicopatia. Scorsese sabe como poucos, analisar o ser humano em seu estado mais corrompido, mais falimentar. Não há interesse em justificar o comportamento de Jordan e seus comparsas, apenas observá-los confinados a essa amoral e perigosa torre de babel.
Do roteiro de Terrence Winter à fotografia de Rodrigo Prieto, passando pela montagem, pela trilha sonora, pela direção de arte e finalmente culminado nas esplendidas atuações, O lobo de Wall Street é cinema de verve. Cascudo, inteligente, irrepreensível.
Leonardo DiCaprio na pele do voraz e cativante Belfort atinge o pico de uma carreira já estabelecida nas mais altas notas. A insanidade de Belfort, seja nos seus discursos megalomaníacos ou depois de tomar pílulas e cheirar carreiras de cocaína, é adensada por um Leonardo DiCaprio inimaginável, fogoso, raivoso e absoluto. Jonah Hill, como seu fiel escudeiro, não fica atrás. Dos olhos gulosos aos dentões brancos expostos, passando pela homossexualidade sugerida, sua atuação é adrenalina pura.
Martin Scorsese faz um retrato fiel de Wall Street? Se você faz essa pergunta é porque não entendeu o filme. O retrato fiel em questão é do colapso do espírito humano. Daquele tipo de gente que se perde em si mesmo e não necessariamente faz qualquer esforço para se achar. É aquele universo dos tipos que se julgam os donos do mundo. É esse o retrato fiel, sem concessões e eufemismos, pintado por um cineasta no auge de sua forma. 

5 comentários:

  1. A cada nova crítica que leio, mais cresce a vontade de assistir a "O Lobo de Wall Street". Perdi as pré-estreias, mas estarei neste final de semana para prestigiar a estreia definitiva deste longa do grande Martin Scorsese.

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  2. Realmente um filme intenso. Brilhante trabalho do Scorsese, que só peca pelo excesso de tempo. Di Caprio está insano e Jonah Hill é a grande surpresa do longa. Também escrevi sobre o filme, depois dê uma conferida. Abs.

    www.cinemaniac2008.blogspot.com

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  3. Assisto a "O Lobo de Wall Street" amanhã e estou bastante ansiosa para ver o que acharei do filme. Espero gostar tanto quanto os meus amigos blogueiros cinéfilos.

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  4. É mesmo uma obra intensa, com várias nuanças que também me encantou. A cena final com aqueles olhares ansiosos querendo aprender a "fórmula" é incrível, assim como a conversa dele com Matthew McConaughey. Assusta ver que muita gente não entendeu e até distorceu o sentido de tudo.

    bjs

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  5. Kamila: Gostou. Não gostou? Desde já o filme do ano!
    abs

    ThiCarvalho: Eu não achei o filme longo. Acho tudo muito bem editado e as três horas, necessárias na minha avaliação, passam voando. Mas sua queixa encontra empatia em muita gente.
    Abs

    Amanda: Ignorância é algo que, infelizmente, sobrevive em muitas classes sociais. O ataque ao filme é um sintoma disso.
    Bjs

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