segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Causos de cinema - Noite de Oscar


Existia uma tradição na família de Antônia. Que para muitos conhecidos era excêntrica. Assistir reunidos a noite do Oscar. Era algo realmente familiar. Mais excitante do que noite de natal e mais badalado do que desfile de carnaval. Todos os anos reuniam-se mais de 20 membros da família de Antônia. Revezavam-se os anfitriões e os pratos da noite, preservava-se o amor incondicional pelo cinema e aquela “obsessão do bem” pelas celebridades da sétima arte.

Em 2001, Antônia resolveu participar de uma promoção de uma marca de esponja de aço. O prêmio era a passagem, com direito a acompanhante, para o tapete vermelho do Oscar. Começou então um novo concurso, no âmbito familiar, para ver qual seria o acompanhante de Antônia na surreal viagem. A disputa foi intensa. Organizaram-se critérios de avaliação, situações passíveis de recurso e muitos outros pontos que legitimavam aquele certame. Era oficial, embora a viagem ainda não fosse.
Convencionou-se que o vencedor da vaga de acompanhante na noite do Oscar teria que ser conhecido antes da divulgação do resultado oficial da promoção da esponja de aço. Depois de quatro fases, a prima Gabriela sagrou-se vencedora.
Foi mesmo Gabriela quem acompanhou Antônia às intermediações do teatro Kodak.Toda a comoção por visto no passaporte, saque das economias e pedido de demissão (no caso de Gabriela) haveriam de valer a pena.
Era tarde em Los Angeles. O calor era desleal. Mas o ânimo de Antônia e Gabriela contagiava a galera que com elas pacientemente esperava a chegada da primeira limusine. Para surpresa de Antônia havia muitos latinos. Todos, naturalmente, falavam espanhol. Ela até procurou por algum brasileiro, mas não achou. Intimamente se sentiu ainda mais especial.
Elas já estavam hás seis horas em pé, sob sol escaldante, com algumas garrafinhas de água retornáveis que Gabriela tanto insistiu que levassem, quando o empurra empurra começou. Os seguranças, armários rochosos  quase impenetráveis para as vistas daquelas baixinhas do sul brasileiro – há de ponderar que para todo golpe de sorte, há um atentado do azar, pois o sul produz as mulheres mais altas da nação e a falta de altura de Antônia e Gabriela nunca havia sido tão dramática. Mas Antônia não havia ganho uma promoção com mais de 3 milhões de inscritos, desapontado alguns familiares tão cinéfilos quanto ela e se desfeito de suas economias para fitar um Armani de gravata amarela. Agarrou Gabriela e pôs-se a se debater ferozmente por seu objetivo. A muvuca chamou a atenção de alguém que passava no tapete vermelho. Era alguém emburrado. Era Russell Crowe, ator que concorria ao Oscar naquela noite pelo papel em Gladiador. Crowe aproximou-se de um segurança, que também vestia Armani, mas não usava gravata amarela, apontou para Antonia e cochichou alguma coisa. O segurança anuiu com a cabeça, Russell Crowe sorriu e seguiu adiante. Quando parou para conversar com um repórter, o ator voltou a olhar para a ala dos fãs exaltados atrás daquele cordão humano e viu que Antônia e Gabriela tinham espaço para observar o tapete vermelho. Antônia juntou as mãos em um gesto de agradecimento. Crowe sorriu como quem consentia. Voltou-se para o repórter e a noite seguiu seu rumo.  


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Causos de cinema é um conto ficcional e tem periodicidade mensal em Claquete. Sempre brincando com personalidades do cinema, grandes filmes,curiosidades cinéfilas e afins. Deixe sua opinião e sugestões!

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