domingo, 27 de junho de 2010

Insight

Por que Jim Carrey não é levado a sério?




Existem lugares comuns ou o que chamamos de “convencionices” em todo lugar e no cinema não poderia ser diferentes. Algumas dessas “convencionices” são: “o cinema americano é pura indústria”, “Angelina Jolie é puro mau humor”, “David Fincher faz filmes sobre psicopatas como ninguém” e “Jim Carrey nunca ganhará um Oscar”. Essa “convencionice” deriva, na verdade, do fato de que o ator canadense e exímio comediante é visto “apenas” como um comediante. E como um comediante, cuja expressão de humor já foi superada. O forte de Jim Carrey, revelado no histriônico Ace ventura – um detetive diferente (1994) é uma comédia física que remete diretamente a Jerry Lewis. Seu forte não é um humor cerebral como o de Jon Stewart ou pelo constrangimento como o de Chris Rock. Figuras que abraçam o papel de comediantes mais do que o de atores. Jim Carrey foi mais comediante do que ator nos filmes que ajudaram a consolidá-lo em Hollywood. O máskara, Ace ventura 2, O pentelho e Eu, eu mesmo e Irene são filmes que valorizam o comediante mais do que o ator. Mas Carrey começou a emitir sinais de que não estava confortável nesta carapuça. Ambicionava mais. O próprio O pentelho já era um filme mais sombrio em que compunha um tipo mais tridimensional, em que a caricatura não era exagerada. Era pensada. Não à toa, o público rejeitou a fita.



Cartaz de O mentiroso que destaca um slogan que o ator Carrey grifa a toda nova incursão dramática


Carrey lançou em seguida, ironicamente, o filme que estabeleceria de uma vez por todas sua identidade em Hollywood. O mentiroso foi um sucesso retumbante. A atuação de Carrey é primorosa e ter mostrado o grande comediante que era em um sucesso mundial pode ter sido a chave para uma das mais curiosas maldições cinematográficas dos nossos tempos. No ano seguinte Carrey ganhou o Globo de ouro de melhor ator dramático por seu papel em O show de truman. Uma atuação das mais contidas e enérgicas daquele ano. Carrey estava arrasador. O filme chegou ao Oscar. Teve indicações nas categorias de direção, roteiro original, ator coadjuvante (Ed Harris) e atriz coadjuvante (Laura Linney), mas Carrey ficou de fora. Muito se especulou à época acerca da razão da exclusão de Carrey que havia apresentado uma atuação excepcional em um ano especialmente fraco no que toca o desempenho dos atores. A teoria mais aceita foi de que a academia o havia rejeitado porque ele seria um “comediante”, não um “ator”. Carrey potencializou esta repercussão ao faturar seu segundo globo de ouro (de forma consecutiva) pelo papel dramático em O mundo de Andy (1999) e novamente ficar de fora da lista da Academia. O burburinho foi alto e o próprio Carrey soube rir da situação. Convidado para apresentar um prêmio durante a cerimônia ele fez piada sobre o assunto. Carrey, com bom humor, demonstrou que sabia que a academia não o levaria a sério porque o público não o levava a sério. Seus dois filmes “sérios” foram fracassos de bilheteria e suas atuações não chegaram a ser nenhuma unanimidade. Contudo, Carrey provara seu ponto de vista. Antes de ser um comediante de mão cheia, é um ator com mais recursos do que se podia intuir.

Jim Carrey no pôster de O mundo de Andy: um Jim Carrey que desafia convenções de gênero



O ator empunha um de seus dois globos de ouro


Dali em diante Carrey sabia que teria de nadar contra a maré. Para se exercitar como ator e desafiar-se dramaticamente (o que move todo ator que está no cinema pela paixão de atuar) teria de dar o que o povo queria. Então, enquanto participava de produções como Cine Majestic (2000) de Frank Darabont, Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004), de Michel Gondry e Número 23 (2007) de Joel Schumacher, Carrey podia ser visto sendo “Carrey” em Todo poderoso (2003), As loucuras de Dick e Jane (2005) e Sim senhor (2008). Nem todas as incursões dramáticas de Carrey são notáveis, o mesmo ocorre com sua contraparte cômica. Mas esse equilíbrio ajudou a dar serenidade a Carrey. Afastando-se dos sucessos de bilheteria, além do fato do humor praticado por Carrey já não encantar as novas gerações, o ator pôde se experimentar. Talvez seu trabalho mais ousado até hoje seja, justamente, o último que lançou. Em O golpista do ano, péssimo título nacional para I love you Phillip Morris, o ator vive um homem extremamente ressentido de si mesmo. Antes de continuar, é preciso pontuar que a escolha do débil título nacional só ratifica a desviada percepção que o público tem do ator. Já que O golpista do ano em momento algum se apresenta como comédia. No máximo, uma comédia dramática por força da necessidade de se rotular algo.


Com Ewan McGregor no inrotulável O golpista do ano


Na fita, é a primeira vez que Carrey tem a oportunidade de convergir alguns cacoetes de comediante com seu repertório dramático. Não é uma tarefa fácil. As armadilhas são muitas e capciosas. Carrey, no entanto, sai-se muito bem da enrascada. Mas, novamente, não há respaldo público. O filme que estreou há algumas semanas no Brasil, tem sua estréia nos EUA adiada repetidas vezes. A fita independente, uma co-produção entre EUA, Inglaterra e França, penou para arranjar distribuidor. O drama de Carrey acentua-se cada vez mais. Agora, receosos da má recepção a um Carrey “fora da fôrma”, distribuidores e estúdios se ressentem de apostar no “ator” Carrey. O sucesso nunca teve um gosto de fracasso tão grande quanto o que o ex-astro que queria (e merecia) um Oscar está tendo.

9 comentários:

  1. Reinaldo ótimo texto. Também acho ridículo o padrão hollywood de ser e pensar, Carrey é um excelente ator e merecia ao menos uma indicação por Show do Truman, por exemplo.
    Acho que está na hora da Academia acabar com esse 'padrão' e enxergar os excelentes atores que tem a sua volta, afinal comediante tbm é ator.

    ResponderExcluir
  2. É o mau do rótulo... Bela análise, acho Carrey um excelente ator, mas suas caras e bocas de comédia acabam deixando ele caricato. Adoro ele em Show de Truman, Brilho Eterno e Número 23.

    abraços

    ResponderExcluir
  3. Excelente texto, Reinaldo. As always! \o/
    Compartilhamos as mesmas observações de Carrey, que eu considero um ator de muito talento, mas que, infelizmente, não conseguiu equilibrar o apreço do público com a crítica.

    Confesso que sou um grande fã de Jim Carrey, acho o cara não apenas puro talento cômico, mas dramático também. Ainda não conferi "O Golpista do Ano" - pretendo nessa semana - mas já vi todos os seus filmes anteriores e o ator destrona em cena. Capacidade de criar personagens contidos e introspectivos com muita verve e dedicação, sem sair pragmático.

    E ainda que, como tu citou, filmes como "Ace Ventura" (nao gosto rs), "O Pentelho", "Eu, Eu Mesmo e Irene" e "O Máskara" fossem filmes mais para comediante que para ator, tinha alguém ali interpretando e dando vida aos personagens de maneira convincente e divertida. Adam Sandler, por exempo, não tem timing cômico algum. Sempre interpreta o cara que faz piada com as desventuras alheias porque o desgraçado é incapaz de fazer a plateia rir se nao for rindo dos demais personagens... enfim. A comparação é até injusta rs.

    Só uma pequena correção: "O Show de Truman" só teve 3 indicações ao Oscar. Laura Linney, embora merecesse, não figurou entre as 5 indicadas a Atriz Coadjuvante daquele ano =)

    Acho que me prolonguei um pouco rs, mas parabéns pelo texto, Reinaldo. A comparação com o lendário Jerry Lewis só comprova seu amplo conhecimento de cinema e sua interpretação sobre o fracasso de "O Pentelho" e a tradução brasileira para "I Love You, Philip Morris" foram certeiras (Y)


    grande abraço!

    ResponderExcluir
  4. Acho que o Carrey não se leva a sério porque ele mesmo não se leva a sério. E, quando deveria, ficou todo afetado - como quando aconteceu quando ele foi esnobado pela Academia, injustamente, pela performance em "The Truman Show". Neste caso, ele não deveria ter levado tudo pro lado pessoal. A AMPAS tem problemas com comediantes, em geral... Poucos conseguiram transpor essa barreira.

    ResponderExcluir
  5. Alan: Existem sim alguns preconceitos Alan, mas a implicância com Carrey ganhou notoriedade mais do que com qualquer outro comediante, pq Carrey comprou a briga. Ele falou: Ok não vão me reconhecer em comédias, vou parti para os dramas então. O cara mandou bem e continuou sendo ignorado. Foi aí que, como destaco no texto, ele percebeu que o público precisaria aceitar essa mudança. Coisa que não ocorreu. abs

    Amanda: Pois é, os rótulos as vezes atrapalham né? Mas as vezes ajudam. Santa indefinição Batman... rsrs. bjs

    Kamila:Bem, Ka, não sei s entendi direito o seu raciocínio aqui, mas não creio que Carrey tenha levado para o lado pessoal. Ficou bem claro que era pessoal. Há, ainda hoje, uma enorme dificuldade em enxergar em Carrey um ator capaz de ir além das caretas. E não é só a acadêmia, a míope nessa história. bjs

    S.: Vc assina onde quiser mon ami. bjs

    ResponderExcluir
  6. Grande Elton! Obrigado pela pontual correção. Realmente me equivoquei quanto a indicação de Laura Linney. A primeira indicação dela viria dois anos depois por Conte comigo. Fui traído por minha memória. Obrigado pelas sempre certeiras e bem vindas ponderações.
    Concordamos sobre Adam Sandler em gênero, número e grau. Um comediante pobre e que sai perdendo ante qualquer outro em evidência na comédia americana atual.
    aquele abraço!

    ResponderExcluir
  7. Só pra registrar: considero "O Pentelho" um filme muito bom, se levarmos em conta a proposta de um humor mais ácido e crítico que ele faz.

    Jim Carrey é meu ator preferido, e foi realmente um crime sua não indicação pelo "Show de Truman".

    ResponderExcluir
  8. Grande Diego! A quanto tempo! Concordo com vc nas duas ponderações. Abs

    ResponderExcluir