terça-feira, 7 de maio de 2013

Crítica - O abismo prateado


... e ela dançou como jamais havia dançado antes

Fazer um filme inspirado por uma canção que fala sobre amor e abandono não é fácil, mas se há um cineasta capaz de fazê-lo com identidade própria é Karim Aïnouz. O abismo prateado, é fruto de inspiração em “Olhos nos olhos” de Chico Buarque, e encontra na música – essa e outras ao longo de sua curta projeção de aproximadamente 80 minutos – um sentido que foge à narrativa audiovisual. Esse mérito é algo perseguido por Aïnouz com seu cinema e que em O abismo prateado (Brasil 2011) surge multifacetado em um filme de muitos silêncios, um conflito abstrato e na força de uma atriz.
Alessandra Negrini vive Violeta, uma dentista de classe média carioca que celebra o fato de ter recentemente se mudado com sua família – constituída pelo marido Djalma (Otto Jr.) e pelo filho João – para um novo apartamento. Mas antes de Violeta surge o mar, em toda a sua imensidão e com suas ondas insinuantes que revelam Djalma – o homem está aflito, arisco e depois do banho de mar o flagramos no ato sexual com sua mulher – aí então conhecemos Violeta. O sexo é intenso, mas enquanto a mulher busca compartilhar o gozo, o homem busca ar. Ela busca os olhos dele, ele os cerra enquanto a penetra mais forte; para no fim soltar um grunhido que poderia ser de relaxamento, mas também de enfado. Aïnouz explica toda a relação deles, que depois descobriremos ser de 14 anos, nessa cena poética e cujo silêncio só é rompido por esses sons e gemidos. Os sons, aliás, são coadjuvantes poderosos na lógica narrativa de O abismo prateado, pois são a melhor testemunha da passagem do tempo – subjetivo e objetivo – que marca as quase 24 horas que o filme acompanha da vida de Violeta.

Alessandra Negrini na pista de dança: um filme que busca nas sensações a cumplicidade da audiência

Na manhã seguinte a noite de banho de mar e sexo, Djalma viaja a trabalho e deixa uma mensagem no celular de violeta dizendo que não vai voltar. Que não a ama mais. Violeta então se põe a tentar entender o que aquilo significa para ela. A lidar com o abandono e com essa violência impelida por alguém que ama.
O abismo prateado, no entanto, propõe uma experiência mais hermética a quem se predispuser assisti-lo. Mais sensorial. Aïnouz filma Alessandra Negrini com tristeza, com zelo, mas também conta com a expressividade de seu rosto, do fluxo de seu olhar, do minimalismo de seus gestos...
Algumas soluções são muito interessantes. Uma, por exemplo, enquanto espera por uma amiga para falar sobre seu desespero, Violeta entra e sai do quadro – a câmera permanece imóvel – e anda ansiosamente pelos limites do enquadramento até posicionar-se quase que completamente fora dele. Essa liberdade no enquadramento de sua protagonista mostra que o filme pretende ser menos objetivo e mais intertextual.
Há, ainda, a cena em que ela resolve ir para uma danceteria no meio da madrugada e em que as luzes da balada propõem uma experiência catártica que, na verdade, ainda não aconteceu. Ao som de “Maniac”, Violeta se relativiza na pista de dança.
Por fim, Aïnouz propõe um encontro de perdidos na noite, figuras abandonadas em relevos e contextos diferentes que confabulam sobre o abandono usufruindo da companhia alheia em um aeroporto deserto. Há, nesse jogo de signos, um valor narrativo que poucos filmes contemporâneos são capazes de articular. Aïnouz fecha seu filme, ao som de “Olhos nos olhos” na voz de Barbara Eugênia, sem que o ciclo dramático de sua protagonista tenha se encerrado. O pior talvez ainda estivesse por vir, mas o norte havia se aclarado para ela.
O abismo prateado é um filme, que como uma música, tira sua beleza das extremidades da intimidade. Seja da audiência ou dessa insurreição de sua protagonista.

3 comentários:

  1. "Olhos nos Olhos" é uma das músicas do Chico Buarque que eu mais adoro! Fiquei curiosíssima em relação à "O Abismo Prateado" justamente após saber que o roteiro se baseia nessa música. Além disso, é um filme de Karim Ainouz, com Alessandra Negrini, uma das atrizes mais interessantes do nosso cinema/tv. Espero que estreie na minha cidade!

    ResponderExcluir
  2. O filme é ótimo Ka. Tomara que vc possa vê-lo o quanto antes.
    Bjs

    ResponderExcluir
  3. Adorei o filme, uma ótima transposição da música do Chico Buarque e ainda mostra o amanhecer em Copacabana! Tem uma crítica em www.artigosdecinema.blogspot.com/2013/05/o-abismo-prateado.html

    ResponderExcluir