quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Crítica - Azul é a cor mais quente

Em busca do arrebatamento


Há muitas histórias de amor no cinema, mas são raros os filmes que fazem dessas histórias verdadeiros desbravamentos de personagens. Esse é o principal mérito de Azul é a cor mais quente (La vie d´Adèle, 1 & 2, FRA 2013), premiado filme de Abdellatif Kechiche que causa comoção por apresentar cenas de sexo lésbico que beiram o pornográfico.
O filme é maior do que as referidas cenas, mas a opção por elas merece uma análise à parte dos objetivos do cinema autoral em tempos modernos. O que Kechiche deseja com seu filme é exteriorizar a busca por sentido próprio de Adèle (Adèle Exarchopoulos). Em suas três horas de duração, o filme acompanha de muito perto a jornada de Adèle na busca por si mesma e essa busca, obviamente, resvala na descoberta de sua sexualidade. Descoberta esta estremecida pela insurreição de um desejo fora dos padrões familiares e sociais e temperada por uma paixão avassaladora que desestabiliza Adèle tão logo ela a percebe. A energia que flui de Emma (Léa Seydoux) e tanto mexe com Adéle é muito bem capturada por Kechiche.
Essa busca por identidade é a principal linha motriz de Azul é a cor mais quente e ela promove bifurcações interessantes como a necessidade humana de controlar a vida dos outros. Esse arco ganha força tanto no desejo explícito de Emma em controlar as aspirações profissionais de Adèle como no interesse invasivo das colegas de escola de Adèle por sua vida sexual.
Outro ponto interessante deflagrado a partir da evolução da narrativa é como as relações pessoais exercem função fundamental na formação do indivíduo. Adèle se busca em Emma e quando esta  lhe falta, se desorienta e precisa aprender a sentir e a viver por si mesma. É um processo de redescoberta; do tipo que somente aqueles que vivenciam grandes histórias de amor são submetidos.
É essa busca pelo arrebatamento, no foro íntimo, mas também na cumplicidade da cama e da vida conjugal, que justifica as cenas de sexo altamente erotizadas e ousadas, concebidas para caracterizar essa sinergia carnal, premente, idílica e tesuda que afeta e une essas duas mulheres.  Sob essa perspectiva, a opção de Kechiche surte efeitos pontuais. Como recorte meramente erótico, como a extensa cobertura midiática que o filme recebe, os efeitos são mais perenes e inconclusivos.
Kechiche é um cineasta agressivo, mas que filma sua protagonista com admiração e carinho. Isso não quer dizer que a poupe de um pathos doloroso. Nesse sentido, o trabalho da atriz Adèle Exarchopoulos ganha dimensão. A despeito das diretrizes do cineasta franco-tunisiano, Exarchopoulos revela as entranhas de sua personagem com gestos delicados e olhares obtusos. A exposição física de sua personagem se confunde com a exposição sem concessões da intérprete e confirmam a noção de que sem uma entrega deste nível de Exarchopoulos, mas também de Seydoux, seria impossível Azul é a cor mais quente atingir o pico de passionalidade que ostenta em sua atmosfera.
O final é um pouco arrastado pela opção de Kechiche em reafirmar a abertura para o amadurecimento de Adèle, algo que já havia sido ensejado quando do reencontro das personagens. Não é algo, porém, a depor contra o filme que se não faz jus integralmente à Palma de Ouro recebida em Cannes, tampouco a desmerece.

3 comentários:

  1. Belíssimos comentários Reinaldo. Eu adorei o filme. Um tanto incômodo assisti-lo numa sessão lotada na sala da Augusta...cenas explícitas, temperadas, tesudas e lindamente encenadas e dirigidas. Os closes de Kechiche é outro detalhe importante para a narração de seu filme. Das macarronadas aos escargots e as lambidas nojentas de Adèle com seu apetite voraz! hahaha. Ele atinge o público mesmo! Ame ou odeie...ah, mas ninguém é capaz de abandonar a sessão. Três horas que passaram voando, mas confesso que pertinho do final deu um cansaço.

    Veremos os próximos papeis da novata Adèle Exarchopoulos. Seus olhares desconfiados é o ponto alto do filme. Quanto a Léa Seydoux, gosto dela desde aquela pontinha muda em "Bastardos Inglórios", não a toa Tarantino faz um belo close na francesa. Que linda, não? Até aqui, com seu jeito rebelde, lésbico e que para os homens, à primeira vista, possa ser um desinteresse...até no momento em que ela tira a roupa! Lindas mulheres. Filmaço.
    Fiquei de conferir ainda "Um Estranho no Lago" , que dizem ser "Azul é a Cor Mais Quente gay masculino"!

    Abraços e desejo um ótimo Natal e virada de ano. Que 2014 a gente consiga muitos méritos!!!!

    ResponderExcluir
  2. Ótimo texto, Reinaldo. Realmente é um filme de descobertas, mais do que um filme "gay" como muitos falam. Acho, no entanto, que ele se estende demais nas cenas, parece não saber a hora de cortar. Ainda assim, é um bom filme, como você disse "se não faz jus integralmente à Palma de Ouro recebida em Cannes, tampouco a desmerece".

    bjs

    ResponderExcluir
  3. Obrigado Rodrigo. A crítica de "Um estranho no lago" será publicada no início de janeiro aqui no blog. Filmaço tb!
    Me encantei por Adèle. que energia! de Léa já era fã...
    Feliz ano novo para vc tb meu querido!
    Abs

    Amanda: Obrigado Amanda.Vai entrar na minha lista de melhores do ano, mas não na posição que anda frequentando listas por aí...
    bjs

    ResponderExcluir