quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Crítica - Sem dor, sem ganho


O lado negro do sonho americano

O sonho americano já rendeu incríveis fábulas no cinema em filmes frequentemente solenes, no tom ou na ambição; mas jamais surgiu em estado tão bruto, brutal e cínico como em Sem dor, sem ganho (Pain & gain, EUA 2013), novo petardo do diretor Michael Bay no cinema.  
Sem dor, sem ganho é o filme independente de Michael Bay, categoria que só existe no universo particular do diretor. Não é bem um filme de ação, mas consumiu pouco mais de U$ 20 milhões (orçamento comum a produções independentes de grande projeção nos EUA); tem viés de drama, mas encontra morada na comédia de humor negro; tem lógica narrativa de thriller e cacoete de filme policial. Essa miscelânea não faz de Sem dor, sem ganho um filme ruim, mas contribui em parte para sua irregularidade e vaticina o filme como aquele mais incompreendido da temporada.
A trama, inspirada em inacreditável história real, mostra uma quadrilha de marombeiros - aquele tipo de homem que se enfurna na academia e só sabe falar sobre músculos e coisas do gênero – que resolve sequestrar um empresário milionário e torturá-lo até que ele transfira a propriedade de todos os seus bens para seus sequestradores. O plano, obviamente, não deu certo e esses “bandidos de mentira” foram presos e, no caso de alguns, condenados à pena de morte.
Sem dor, sem ganho se fia no absurdo da história. Bay não está interessado em analisar os meandros dos planos da trupe, até porque essa análise jamais seria séria dada às circunstâncias. Acertadamente, Bay frisa na estupidez daqueles que quiseram criar atalhos para o sonho americano. Acharam que poderiam simplesmente capturá-lo. “Eu vi muito filmes, eu sei o que estou fazendo”, diz Daniel Lugo (Mark Wahlberg) na tentativa de convencer seu comparsa (Dwayne “The Rock” Johnson) a embarcar no plano de sequestrar o empresário vivido por Tony Shalhoub .

Os bregas anos 90: Michael Bay revive a ansiedade do fim do milênio com invejável humor negro

A vocação para a autoparódia que Bay revela aqui é outra diversão e tanto para quem acompanha sua carreira. Assim como em Ted, outro filme estrelado por Wahlberg, a sátira ao público cativo desse tipo de produção é delirante. Esse é um bônus que esse subestimado filme de Bay oferece a quem se predispuser a vê-lo sem preconceitos.
Mas não há só pontos positivos. Michael Bay, que sempre se destacou pela excelente noção de espetáculo, não precisava fazer um filme tão espetaculoso. A fita é maior do que o necessário e alguns recursos vão perdendo a eficiência à medida que o filme avança. Mesmo assim, Bay se destaca e quando The Rock faz churrasco com quatro mãos amputadas de vítimas da trupe á vista de qualquer transeunte, o diretor insere uma legenda com o lembrete: “essa ainda é uma história real”.

Nessa distorção do que é possível, seja na lógica de um filme, seja na lógica desses personagens tão inverossímeis quanto verdadeiros, reside a força do filme. Ao sublinhar que o sonho americano também tem seu lado negro, que também é passível de subversão – por ignorância, malevolência ou quaisquer outras razões – Sem dor, sem ganho se subscreve como um dos filmes mais significativos do ano. Não é pouca coisa.

2 comentários:

  1. É isso, é tudo tão absurdo e ele brinca de uma forma tão divertida que a gente acaba se divertindo junto. Um filme que me surpreendeu.

    bjs

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  2. Eu já sabia que ia gostar,mas não esperava que fosse tão bom.
    bjs

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