sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Crítica - Boa sorte, meu amor

Ambição e diapasão

Que o cinema pernambucano é o principal cartão postal do cinema brasileiro já se sabe, mas é interessante observar a unidade estética e narrativa que essa nova geração de cineastas do Estado apresentam. Boa sorte, meu amor, filme que marca a estreia de Daniel Aragão como cineasta, dialoga intimamente com O som ao redor. Não só por emprestar deste uma atriz emblemática (Maeve Jinkings), mas por ter na complexa e delicada relação entre classes sociais tensionadas em uma Recife desproporcional, o eixo central de sua dramaturgia. Aragão que foi produtor de elenco do filme de Kleber Mendonça Filho apresenta um filme mais senhor de suas complexidades e fidedigno aos personagens que retrata. Nesse sentido, agiganta-se. Ainda que não se compare à ambição temática, no tocante à pluralidade com que tangencia a tensão entre diferentes classes sociais, de O som ao redor.
Em Boa sorte, meu amor, Aragão mostra a história de amor de Maria (Christiana Ubach) e Dirceu (Vinicius Zinn). Ela pobre, migrante de uma cidadezinha interiorana castigada pela seca e miséria. Ele, de classe média alta e naquela fase de choque com seu pai. A aproximação e subsequente distanciamento entre os dois é o fio condutor de uma história que ambiciona exibir as contradições e tensões entre as classes sociais e as cicatrizes que o crescimento econômico deixa nessas relações (sociais, amorosas e/ou pessoais).  É, enfim, um cinema de signos sobre símbolos.
Aragão abre seu filme com Dirceu, entre sombras, ouvindo uma história de seu pai. Eles estão sentados à mesa, aquela larga de madeira que não se vê mais hoje em dia, em lados opostos. A câmara se aproxima do rosto do pai de Dirceu à medida que ele se aproxima do clímax de sua história. Um conto que começa com os barões estuprando as indiazinhas de 11 anos e, como método contraceptivo, as enforcando em seguida e termina com uma dessas indiazinhas deitando-se à cama oficial do tetravô de Dirceu. Nesse poderoso prólogo, que integra o primeiro dos três capítulos que constituem o filme, nomeado “Você é o que você perde”, o filme já capitaliza toda a sua força. Se fosse um curta-metragem, seria um curta-metragem esplêndido em técnica e narrativa.
O rigor técnico a serviço de uma narrativa que busca iluminar conflitos adormecidos ou sombreados, aliás, é outra forte referência do filme.
O seu grande atrativo é, também, seu calcanhar de Aquiles enquanto cinema. Tal qual O som ao redor, Boa sorte, meu amor é um filme para críticos. Não que o público comum não seja capaz de capturar a essência do que ambiciona Aragão com seu filme, mas essa absorção jamais será completa. Essa vaidade do “eu sei fazer cinema” talvez esteja relacionada a uma fase de afirmação desses cineastas de inegável talento e com muito a dizer. Boa sorte, meu amor, de certa maneira, já é mais coeso narrativamente do que o era O som ao redor, para nos atermos à comparação motriz dessa crítica.
Nesse jogo de ambição e diapasão, o cinema brasileiro sai ganhando; ainda que seu público não perceba de pronto.  

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