domingo, 13 de fevereiro de 2011

Oscar watch 2011 - Insight

As reminiscências de Cisne negro



O novo filme de Darren Aronofsky tem dividido a crítica, principalmente, brasileira. Há quem enxergue no filme um vigoroso exercício de estilo em uma apropriação muscular do cinema como ferramenta narrativa. Por outro lado, há quem veja um cineasta inseguro que mastiga todo o filme em redundâncias visuais. Estão mesmo nas imagens, e no poder alienatório delas, a grande questão de Cisne negro em matéria de cinema. Darren Aronofsky é um cineasta inquieto. Foram cortes multiplicados em Réquiem para um sonho (2000), estética inovadora em Pi (1998), registro semidocumental em O lutador (2008) e em Cisne negro, de alguma maneira, se presencia a decupagem desse estilo de forma acentuada. Aronosky filma com alguns simbolismos. Seus personagens estão sempre em frangalho emocional e em busca de algum sentido existencial.
Essa preocupação do cineasta pode ser observada de maneira mais cristalina ao juntar seus dois últimos filmes: O lutador e Cisne negro. Tanto lá como cá, estamos as voltas com personagens que exploram os limites de seus corpos. Em O lutador, Aronofsky se apropria do corpo e da história de vida de Mickey Rourke para sedimentar um personagem em busca de redenção (o próprio cineasta se encontrava nesse pathos já que fracassara em sua pretensão mais comercial, Fonte da vida). Em Cisne negro, assim como sua personagem principal precisa encontrar seu lado negro (sensual, descontrolado), o diretor exige o mesmo de sua intérprete, Natalie Portman. É com Aronosky que Natalie se entrega despudorada e apaixonadamente a um papel que, em suas nuanças, é de uma riqueza crepuscular. E Natalie Portman, em sua exploração particular, entrega uma performance irretocável.
Os simbolismos não param aí. Aronofsky disse em entrevista em Veneza que entende que os dois filmes são complementares. Não é mero jogo de palavras. Tanto lá como cá se tem acesso aos bastidores de atividades que angariam admiradores, mas que são parcialmente desconhecidas do grande público. Tanto lá como cá se testemunha devoção inconteste a um sonho (obsessão?) e a um modo de vida que pressupõe fortes interjeições emocionais.


Autor e co-autora: Aronofsky instrui sua estrela nos sets de Cisne negro; um caso de simbiose artística 



Perfeição para que te quero? Cisne negro é uma fábula de horror e um drama de beleza e técnica ímpares



Aronofsky une os dois filmes de vez ao aplicar o mesmo final para ambos. A resolução que se propõe, portanto, se configura como um diálogo de ênfase simbólica dentro da filmografia do diretor. O salto final que se vislumbra em ambos os filmes, talvez diga mais sobre esses personagens do que qualquer solução realista. É da trincheira entre surrealismo, naturalismo e realismo que Aronofsky compõe seu cinema. Em Cisne negro é adotado, também, o expressionismo como linguagem. Os espelhos, o jogo dos duplos (brilhantemente encenado durante a apresentação do lago dos Cisnes) e o frenesi pretendido por alucinações que se confundem com a realidade representam essa poderosa dinâmica que tão bem se comunica com o público e que tanto tem incomodado críticos entusiastas de um método de direção mais sutil.
Essa dicotomia está no âmago do filme. Cisne negro foi concebido com paixão e devoção (mais um símbolo inerente à obra). E como todo objeto de paixão que também se interessa em provocá-las, incitará reações adversas. É preciso reconhecer, porém, o acerto de Aronofsky em manter-se coerente (e itinerante) a sua obra e de realizar um filme tão polarizante. É inegável que Cisne negro tem muitas qualidades. A maior delas, talvez seja essa de sintetizar um cineasta experimental e provocador em uma obra tão lisérgica quanto acessível.

6 comentários:

  1. Bela análise, concordo plenamente. É paixão mesmo. Eu confesso que estou apaixonada pelo filme. hehe. Talvez, como toda paixão, passe logo. Mas, por enquanto, é ele.

    bjs

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  2. Perfeita sua análise, Reinaldo. Assino embaixo! Sem tirar nem por. Você realmente conseguiu trazer a essência do que fez com que a crítica ficasse tão dividida qto ao novo Aronofsky, que considero até pouco valorizado pela crítica especializada. O diretor possui fãs calorosos, mas não enxergo a mesma admiração pelos profissionais, o que é uma pena. Acho uma das mentes mais criativas de Hollywood hoje em dia, que já provou não apenas tocar obras lisérgicas, exageradas e talz, mas filmes delicados, emocionantes e reais. O belo "O Lutador" como exemplo e "Fonte da Vida", em menor grau =)


    abs! o/

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  3. Adoro falar mais e mais De Cisne Negro, mais uma belo discurso seu aqui no blog Reinaldo.

    Como você encerra o seu texto, Aronofsky é o único cineasta da atualidade que faz uma "droga de filme" no sentido alucinógeno. Para alguns pode até ser não muito convidativo, só sei te dizer que eu mergulho profundamente no filme (exceto em Fonte Da Vida - que não achei muito envolvente).

    Você disse tudo quando compara as personagens de O Lutador e Cisne Negro e toda a destruição corporal etc. Até na forma de captar e fotografar, ambos os filmes tem muitos elementos parecidos, Cisne é um pouco documental também, apesar de prezar a fantasia.

    Abs.
    Rodrigo

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  4. Amanda: Obrigado. Então espero vc desapaixonar-se... rsrs bjs

    Elton: Poxa, valeu pelos efusivos elogios e o reconhecimento. Fonte da vida é realmente o menor grau de Aronofsky - que vai melhorando a cada trabalho. Abs

    Rodrigo: Valeu Rodrigo. Obrigado mesmo pelo sempre importante, cativante e honesto feedback. Concordamos maciçamente em relação a Cisne negro... abs

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  5. Nossa, gostei muito do filme. Já tinha lido sua crítica, mas resolvi, só comentar depois de ter visto. Estava com amigos e achamos o filme cheio de simbolismos, que renderem altos papos após a sessão, rsrsrs
    E, claro, a Natalie Portman está incrível, espero que leve o Oscar.
    Uma coisa que pouca gente comentou é a presença da Mila Kunis como alívio cômico, ela está ótima. Acho que vale a pena prestar um pouco mais de atenção à moça daqui pra frente.

    Beijos

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  6. Aline: Pois é, é mesmo um filme cheio de simbolismos e, como atento no artigo, inclusive dentro da filmografia de aronofsky...
    E Mila Kunis está muito bem msm...
    bjs

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