domingo, 9 de janeiro de 2011

OSCAR WATCH 2011 - Insight

 O dono da rede (e a questão da autoria no cinema)

Aaron Sorkin, ao fundo de braços abertos, e o diretor David Fincher de óculos: Quem é o autor de um dos grandes clássicos contemporâneos do cinema?


Todo mundo concorda que um dos maiores trunfos de A rede social é o roteiro. Mais do que o brilhantismo do texto, o que mais chama a atenção na peça é a fluidez dos diálogos e o dinamismo das cenas. Quem assume a autoria desse verdadeiro oásis de criatividade moderna é Aaron Sorkin. Um americano que completará 50 anos em 2011, mas que escreve com o frescor de um universitário e com o vaticínio de um centenário. Sorkin é a principal mente criativa por trás da premiada série de TV The West wing e da incompreendida Studio 60 on the sunset strip. No cinema, afora Malícia (um roteiro primoroso, diga-se), sempre pôs sua pena a disposição de histórias que circundam o poder. São seus os roteiros dos filmes Questão de honra (1992), Meu querido presidente (1995) e Jogos do poder (2007). Contudo, A rede social, além de possivelmente lhe render o Oscar, será o principal pico de sua carreira.
Isso se deve porque o filme traz avante uma questão que vira e mexe acomete os observadores da indústria. Acerca da autoria de um filme. Quem deve ser creditado como autor da fita? O diretor ou o roteirista? Desde a Nouvelle Vague francesa, popularizou-se teoria (e a crítica de cinema a abraçou fervorosamente) de que o diretor é o autor maior de um filme. Nos últimos anos, alguns escribas como Charlie Kaufman puseram esta diretriz em cheque. Filmes como Brilho eterno de uma mente sem lembranças e Adaptação pareciam mais de Kaufman (e ele reclamava esse direito) do que dos cineastas Michel Gondry e Spike Jonze. A medida que diretores que são, antes disso roteiristas de seus próprios filmes, como Woody Allen, Quentin Tarantino e Sofia Coppola também se servem a nebular a questão da autoria no cinema. Pois é sabido que o primor de Allen, por exemplo, reside em seus textos, já que a direção não excede os limites do burocrático. Embora Sofia e Tarantino sejam visualmente mais inventivos, sem a primazia de seus roteiros, seus filmes certamente não renderiam tanto.
Em A rede social, David Fincher vem sendo louvado justamente por não ceder a intervencionices visuais e permitir que o texto de Sorkin flua livremente. Não é o melhor dos elogios que Fincher já amealhou como cineasta.

1- Charlie Kaufman posa com o diretorMichel Gondry e a atriz Kate Winslet que o ajudaram a faturar o Oscar pelo roteiro de Brilho eterno de uma mente sem lembranças; 2 -Sofia Coppola orienta Bill Murray nos sets de Encontros e desencontros, filme que lhe valeu uma indicação ao Oscar como diretora e o prêmio de roteiro original; 3-Woody Allen faz pose de quem já tem 8 indicações ao Oscar como roteirista


Essa discussão, na verdade, não é nova. Dentro da própria Nouvelle vague havia discordâncias. Elas podiam ser sentidas vivamente nas diferenças de estilos entre Godard e Truffaut. Mas não há como se chegar a um parecer definitivo a respeito. É lógico que roteiristas desempenham uma função muito mais importante do que estúdios, espectadores e mesmo críticos lhes dão crédito, mas no limiar, compete ao diretor sublinhar o texto com imagens. Gondry aproveitou os escritos de Kaufman melhor do que o próprio (Kaufman debutou na direção em Sinédoque Nova Iorque) e os textos de Tarantino renderam melhor sob seu olhar do que aos de outros diretores como Tony Scott e Oliver Stone. Será que alguém teria a sensibilidade de evocar feminilidades em imagens, sons e sensações aventados por Sofia melhor que ela? Enfim, o diretor pode ser generoso e colocar o roteirista no mesmo patamar que ele. Mas se o roteirista obtiver esse ganho, como ocorre com Sorkin este ano, o mérito também precisa ser dividido com o cineasta. Afinal, compete ao diretor eliminar gorduras, potencializar diálogos inventivos e cristalizar cenas memoráveis. Cinema é trabalho em equipe e, além do mais, quantos filmes não foram salvos por atores?

8 comentários:

  1. Se a gente for pensar bem, na verdade, os dois grandes filmes do ano são de cineastas autores (Fincher e Nolan), pessoas que imprimem mesmo suas marcas aos trabalhos que fazem. E ainda temos o "Cisne Negro" de Aronofsky, outro cineasta autor.

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  2. É, a discussão é antiga e acho que nunca terá fim. O pessoal da Nouvelle vague que defendia o diretor autor também defendia que o diretor deveria roteirizar seus filmes. Eu acredito que o cinema é mesmo coletivo e cada um acrescenta um pouco, mas dentro da indústria, alguns tem poder maior de decisão e isso acaba tornando-os autores do produto final.


    Ah, só para explicar a moderação no blog. Tive que fazer isso porque um engraçadinho anônimo estava esculhambando no post de Enterrado Vivo. Ele contou o final em um comentário, eu apaguei justificando o spoiler e aí ele voltou comentando várias vezes para contar o final. Coisas da internet livre. Uma pena.

    bjs

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  3. Um bom roteiro é fundamental, mas cabe ao diretor potencializar todas as suas qualidades. Lendo o texto lembrei da polêmica entre Guillermo Arriaga e Iñarritu, dupla responsável pelos excelentes "Amores Brutos", "21 Gramas" e "Babel". Arriaga (roteirista) começou a reclamar q ele era o verdadeiro autor dos filmes, e os dois anunciaram seu rompimento em público.

    Ano passado Arriaga dirigiu de forma burocrática o regular "Vidas que Se Cruzam", agora quero ver como Iñarritu se saiu em "Biutiful", que dirigiu e escreveu. Aposto que será melhor.

    Abs

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  4. Há! Excelente texto, Reinaldo. Muito bem pontuado, conciso, direto ao ponto e que levanta um assunto que é um verdadeiro tabu no cinema. Amarrou perfeitamente o final "quantos filmes não foram salvos por atores?" R.: Milhares!

    A discussão não é nova mesmo, vire e mexe aparece para "atazanar" rs. Eu nunca gostei dos créditos iniciais aquela coisa "a film by FULANO". Como tu disse, cinema é trabalho de equipe, é sinergia pura, é complementação, um maestro não rege a orquestra sozinha, enfim. Acho pretensão, mas não condeno os créditos da obra serem inteiros para o diretor, como qdo Tarantino lançou "Kill Bill" e aquele marketing que parecia ressaltar mais que o filme "O 4º FILME DE QUENTIN TARANTINO". Acho muita auto indulgência, pois pode-se evitar essa propaganda desgastada...


    abs!

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  5. Kamila: Cineastas autores é uma outra discussão Ka. Concordo pelnamente com sua intervenção. Nolan, Aronofsky e Fincher compõem muito bem esse perfil.Mas aqui o interesse era resgatar uma discussão prévia a essa. Beijos

    Amanda: Eu sou do time que acho que o diretor é o autor supremo de um filme. O que não quer dizer que seja o único a concebê-lo enquanto obra. A crítica de cinema, por exemplo, com o passar dos anos eleva certos filmes a um status que eles não teriam sem o exercício da crítica. Bjs

    Diego: Perfeito comentário Diego e ótima lembrança sobre o perrengue entre Arriaga e Iñrritu. Aliás outro roteiro de Arriaga foi muito bem aproveitado por Tommy Lee Jones em sua estréia na direção (Os três enterros de Melquiades Estrada), mas um bom roteiro só é depurado como tal se nas mãos de um bom diretor. Logo... abs

    Elton: Vc não sabe como eu fiquei feliz de ler teu comentário cara! Obrigado pelos elogios e por ter capturado vivamente o espírito do texto. o deslocamento que ele propõe das instituições que nós cinéfilos e as próprias pessoas que fazem cinema tem. Vc deve se lembrar do conjunto de textos que coloquei aqui mesmo na seção Insight em que relativizava essa questão autoral. Enfim, A rede social valeu voltar ao tema que, ainda bem, não se esgota.
    Aquele abraço!

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  6. Gostei muito do texto, estou sempre atrás de entender como funciona esse mundo coletivo do cinema. Também adorei sua consideração final "quantos atores não salvaram um filme?"

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  7. Ótimo texto. Adoro a abertura de TÁ CHOVENDO HAMBÚRGUER, em que aparece "Um filme de... Muita Gente", ressaltando a importância que cada membro de equipe e elenco exerce. Claro que todos estão sob os cuidados do diretor (que, por sua vez, pode estar abaixo dos produtores), que tem a tarefa mais difícil, de juntar todos os trabalhos coletivos e fazer o seu, na verdade, o "nosso". "Quantos filmes não foram salvos por atores?", excelente.

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  8. Aline: Obrigado Aline. O cinema é um processo seletivo, mas digamos que quem finaliza a capa é o diretor e, bem sabemos, que muita gente julga um livro pela capa né? Bjs

    Mateus Denardin: Obrigado Mateus. Muito me alegra o fato do artigo tê-lo agradado dessa maneira. Um leitor sempre bem informado e com opiniões fortes, ressonantes e bem estabelecidas. Um aspecto do seu comentário me chamou a atenção e renderá uma seção Insight em breve: A disparidade do que chamamos filme de produtor do que chamamos de filme de diretor...
    Aguarde!
    Grande abraço!

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