quarta-feira, 27 de julho de 2011

Questões Cinematográficas - A exuberância da saga Harry Potter

A saga Harry Potter, cujo último episódio movimenta as bilheterias mundiais, conciliou brilhantemente duas árduas tarefas ao longo da década em que arrastou pais e filhos aos cinemas do mundo todo. A primeira delas foi adaptar, de maneira criteriosa e fiel, uma obra tão plural, vasta e específica quanto a de J.K.Rowling. E fazer isto preservando intacto o espírito da obra. A segunda diz respeito ao equilíbrio narrativo. Não é fácil administrar uma máquina como Harry Potter que move paixões, bilhões de dólares e interesses difusos como os do estúdio, os da autora, os dos fãs e os da equipe criativa. O produtor David Heyman, quem controlou os rumos da série por mais de uma década, tem todas as razões para se sentir aliviado após o lançamento do oitavo filme.
A primeira tarefa foi cumprida, mesmo que com uma chiadeira aqui e outro aculá, com extrema eficiência. A segunda, até os dois últimos filmes, primava por uma excelência inapelável. Mas, mesmo com os desvios das duas partes de As relíquias da morte, a série ainda se sustenta com incrível altivez narrativa.


David Yates orienta seus atores em cena de O enigma do príncipe: primor narrativo conquistado com unidade criativa


Um primeiro aparte é necessário sobre a divisão do último livro em dois filmes. Heyman foi alvo de sondagens de executivos da Warner sobre a possibilidade de dividir o último livro em dois filmes. Tanto ele quanto J.K.Rowling (a autora, além de produtora tem poder de veto) se mostraram suscetíveis a ideia. A chance de postergar o final de Harry Potter nos cinemas e brindar os fãs com uma adaptação mais literal do último livro era algo que podia render bons dividendos. A solução foi copiada por outra franquia de grande porte, Crepúsculo.
A opção, no entanto, depôs contra um dos grandes trunfos da série cinematografia. A capacidade de produzir filmes narrativamente ágeis, fiéis ao espírito da obra e inteligentes, no sentido de não alienar nenhuma parte do público amealhado ao longo dos anos.
Ao evitar um trabalho de edição tão refinado como os habituais até o sexto capítulo, a produção permitiu que a saga se encerrasse brilhantemente como fenômeno pop que é, mas menor do que poderia ser em matéria de cinema.


Crescendo com o público
Desconsiderando esse pormenor instituído por razões financeiras, é preciso louvar uma das características mais marcantes de Harry Potter que a distingue de célebres franquias cinematográficas como Star Wars, Indiana Jones e O senhor dos anéis. A série foi crescendo com seu público em um movimento muito mais envolvente e perceptível do que se deu na literatura. O aspecto visual introduzido por Alfonso Cuáron redefiniu o pathos de Harry Potter no cinema, lhe conferindo urgência, sombras e relevo dramático. A direção de arte e a trilha sonora acompanharam o ímpeto da fotografia, que com uma quase imperceptível variação de paletas, fixou-se em tons acinzentados. Passaram pela série os diretores de fotografia Bruno Delbonnel (O enigma do príncipe), Roger Pratt (O cálice de fogo e A câmara Secreta), Michael Seresin (O prisioneiro de Askaban), John Seale (A pedra Filosofal), Slawomir Idziak (A ordem da Fênix) e Eduardo Serra (As relíquias da morte partes 1 e 2).

Chris Columbus e um ainda criança Daniel Radcliffe no set de A câmara secreta: montando o esqueleto da franquia mais rentável do cinema


A crescente de tensão e a provação moral do protagonista insurgiram em um nível que pressupõe que o público já não seja mais infantil. Apesar de Harry Potter ser notadamente um entretenimento infanto-juvenil com forte valor pedagógico, a ideia de maturar os filmes em termos narrativos à medida que o público alvo cresce com os personagens é tão vistosa quanto de difícil aplicação. Mas Heyman soube manusear muito bem essa demanda, escolhendo diretores sob medida para dar polimento ao roteiro de Steve Kloves . Kloves, aliás, foi outro acerto. O roteirista só não assinou o quinto episódio, que ficou a cargo de Michael Goldenberg. Essa unidade criativa sob a supervisão de Rowling e Heyman foi fundamental para que Harry Potter fosse irrepreensível na proposta de se firmar como um marco no cinema. Do ponto de vista financeiro, obviamente, mas sem perder de vista o excepcional potencial narrativo que Heyman soube dosar com maestria.


Perspectivas que se alinham
Quando percebeu que havia atingido, por assim dizer, o ponto G da série. Heyman optou por manter David Yates na direção. O britânico, egresso da tv, dirigiu os quatro últimos filmes e o fez com propriedade. Sem grandes variações estilísticas, preservou os acertos dos diretores anteriores e pôde dar mais atenção ao elenco – negligenciado pelas constantes mudanças na direção. Com Yates, Radcliffe aprimorou sua caracterização de Harry Potter e seus colegas souberam ser mais convincentes. Esses ganhos, é bem verdade, foram diminuídos nos dois últimos filmes, mas ainda assim os desempenhos se mostraram superiores ao período pré- Yates na série.
Há quem diga que Harry Potter é uma fábula moral conservadora. Outros enxergam na trama um forte testemunho de amizade e vocação, mas todos concordam que a fantasia foi brilhantemente resgatada pela série. Outras adaptações de obras do gênero pipocaram nos cinemas sempre com indisfarçáveis deficiências narrativas e dificuldades de dimensionar o drama central em tramas esquálidas e obtusas.

Harry em uma das cenas capitais de As relíquias da morte:parte II: a série se encerra e deixa algumas lições para a indústria do cinema


A exuberância narrativa de Harry Potter mostra que é possível sim fazer um produto de grande qualidade, extrema ressonância midiática e enormes interesses financeiros com rigor e evolução narrativa. A epopéia de David Heyman teve oscilações que só reforçam os pontos altos, pois são maioria. Foram os acertos - sempre calculados com a devida antecedência - que garantiram a longevidade da série que se encerra em 2011, propiciando grande aprendizado para a indústria do cinema.

5 comentários:

  1. Ótima análise, Reinaldo, mesmo com as discordância que já discutimos. Uma coisa é fato, Harry Potter é um fenômeno moderno no cinema e na literatura juvenil.

    bjs

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  2. Abordagem necessária e objetiva sobre uma saga que merece a atenção de todos. É com orgulho que vejo esses olhares maduros voltados para a saga Harry Potter. Parabéns!

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  3. Olá, brother!

    Rapaz, que bom que você se animou com o convite. Sabe que tem poucos cinéfilos blogueiros que aceitam esse tipo de parceria colaborativa,né? Dia desses convidei um que me respondeu assim: "Mas nós somos concorrentes!!!". Ridículo. Sem comentários.

    Que bom que você é da minha turma de "quanto mais coisa boa, melhor". Eu estou formulando uma nova sessão por aqui também, em breve conversamos. Se você tiver algum diretor que esteja mais fácil, me dê um toque. No próximo mês meus especiais serão ligados ao cinema de terror, mas a gente pode combinar algo para o especial de setembro, ou mesmo um especial paralelo sobre qualquer outro diretor.

    Saiba que estou pronto e terei a maior felicidade em colaborar com o teu futuro projeto. =)

    Abração

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  4. Amanda:É verdade Amanda. Thanks for the complements.
    Bjs

    Luiz Santiago: Obrigado Luiz. Pelo elogio ao texto e por essa iniciativa de estreitar os laços cinéfilos na blogsfera.

    Imagino a descompustura desse blogueiro receoso de colaborações...

    Ainda não defini o diretor que estrelará Filmografia comentada do próximo mês, mas certamente será um com filmografia amis curta e recente do que Eastwood... Essaa nova seção que te falei estreará só em janeiro, mas eu devo te procurar com a ideia já formatada em outubro.
    Abs

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  5. Parabens a todos que gostam da saga de Harry Potter,e aqueles que não gostam pode ter a certeza de que se eu tivesse uma varinha seria Avada Kedavra em voces.Reinaldo parabens a voce que gosta tanto de HP.Poteriano C.C.Lins de lima

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