domingo, 17 de novembro de 2013

Crítica - Blue Jasmine

A mãe de todas as crises

Blue Jasmine (EUA 2013), o último Woody Allen, é de certa forma, a visão do diretor nova-iorquino sobre a crise econômica que em 2008 derreteu a economia americana e que ainda se faz sentir, mas é antes disso um elaborado estudo de personagem. A personagem em questão é Jasmine (Cate Blanchett), uma mulher que precisa se adaptar à pobreza depois que seu marido milionário, Hal (Alec Baldwin), foi preso por fraude financeira. Ela se muda de Nova Iorque para São Francisco, na Califórnia, para morar com a irmã pobretona, com quem sempre teve uma relação conflituosa, enquanto planeja sua reestruturação.
Tão logo encontramos Jasmine, no voo que a leva para São Francisco, percebemos seu colapso emocional e Cate Blanchett é muito hábil em aprofundar essa sensação ao longo do filme.
Woody Allen escreve uma personagem riquíssima do ponto  de vista narrativo, mas não se furta à combinação de referências que vão desde Tennessee Williams e Elia Kazan, com Uma rua chamada pecado, a Eric Romher, na fotografia e nos enquadramentos, passando pelo escândalo da pirâmide financeira cujo protagonista Bernard Madoff foi preso em dezembro de 2008.
O que Allen parece querer dizer com seu filme, um misto bem urdido de conto moral e estudo de personagem, é que a aparência não pode esconder, pelo menos não em termos perenes, problemas intrínsecos à concepção emocional de um indivíduo.  Assim é Jasmine, que antes se chamava Janette, alguém que sente a necessidade de se reinventar a cada percalço que enfrenta.  Apesar da elegância e da beleza fulgurantes, Jasmine é um poço de insegurança a se projetar sobre a irmã Ginger (Sally Hopkins) que por sua vez apresenta um palpável complexo de inferioridade. As características das personagens são, portanto, as chaves do comentário de Allen ao apontar para a mãe de todas as crises, àquela que nasce no interior do indivíduo.

Cate Blanchett confere vibração e carga emocional ao filme mais triste de Woody Allen em muitos anos

Os flashbacks irrigam não só o passado de Jasmine, mas aclimatam seu futuro na medida em que permitem um desenho mais inteiro da personagem, ainda que Allen enxergue a necessidade de justificá-los recorrendo ao clichê da impulsividade da mulher traída para certificar-se que sua Jasmine saia humanizada ante o olhar da audiência. A preocupação de Allen, entretanto, é legítima. Jasmine é inegavelmente uma das personagens mais antipáticas da galeria alleniana e elaborada em cima de uma representação caricatural de socialite elitista. Mas bastava confiar mais no trabalho paranormal de Cate Blanchett em dimensionar essa mulher cheia de defeitos e vicissitudes. Allen é generoso com sua estrela. A filma como a musa que ela é e Blanchett retribui o favor dominando substancialmente a personagem tão bem escrita pelo cineasta. Por isso, os flashbacks poderiam ser menos didáticos sobre as circunstâncias da deflagração do colapso emocional de Jasmine.
Feita essa ressalva, Blue Jasmine é o filme mais bem lapidado dessa safra mais recente de Allen decidida a fundir drama e comédia, que tem Você vai conhecer o homem dos seus sonhos e Meia-noite em Paris como exemplares mais vívidos. É, também, seu filme mais desesperançoso em muito tempo. Não exatamente por isso, mas pela radiografia precisa tanto de uma personagem tão complexa como das visões de mundo que a gravitam, que Blue Jasmine se ajusta como o melhor filme do diretor americano desde Match point- ponto final.  

3 comentários:

  1. Pois é meu caro, belo texto. Gostei de sua citação sobre a crise financeira de 2008 e realmente deve ser um dos filmes mais amargos de Woody, mas creio que isso será no bom sentido, gosto quando Allen se propõe mais sério do que cômico neurótico de vez em quando fundindo uma comédia leve e inteligente com situações extremas. Espero por um ótimo filme, i hope!

    Pelo trailer....e Cate maravilhosa como sempre, uma espécie de Blanche Dubois...me aguça a curiosidade.

    Abs.

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  2. Desde sexta que tento assistir ao filme, mas ainda não consegui, Concordo, com Rodrigo, belo texto, sigo na expectativa.

    bjs

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  3. Obrigado pelos elogios gente. Vcs realmente vão gostar do filme!
    Bjs e abs

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