domingo, 4 de setembro de 2011

Insight

Performance digital: afinal, isso existe?*


Desde que O planeta dos macacos: a origem estreou, há um mês atrás nos cinemas americanos, a crítica de cinema tem postulado um debate que reúne uma parcela de ideologia, aliado a um oportunismo calculado. Trata-se, em um primeiro momento, do reconhecimento do grande trabalho do ator Andy Serkis no filme que atualmente lidera as bilheterias brasileiras. Em um segundo momento, é a elucubração mais perfeita dos avanços tecnológicos e da agenda que os mesmos ditam à rotina cinematográfica (o 3D, novas estratégias de lançamento, novas plataformas para distribuição de filmes, etc).
Em O planeta dos macacos: a origem, Andy Serkis dá vida a Ceasar, o verdadeiro protagonista da trama – já que monopoliza os olhares da audiência. Ceasar é construído a partir da fusão dos movimentos do ator com os efeitos especiais da Weta (companhia fundada por Peter Jakcson e que hoje responde pelos principais avanços no departamento de efeitos especiais). Serkis já havia feito parte de processos semelhantes na trilogia O senhor dos anéis, onde viveu Gollum, e em King Kong, no papel título. No filme que está nos cinemas, a tecnologia denominada “motion capture” está aperfeiçoada.

Andy Serkis, no set de O Planeta dos macacos: a origem, dando sua contribuição para a criação de Ceasar


O que se discute é a possibilidade de um reconhecimento artístico ao trabalho de Serkis, que com toda justiça se revela um pioneiro nesse eixo de “performance digital”. Como curiosidade fica o registro de que quando não surge animado por computadores, Serkis não desperta grande atenção como nos filmes De repente 30 (2004), O grande truque (2006), Longford (2006) e Cabana macabra (2008).
Muitos se maravilham com a densidade da interpretação de Serkis. Pela capacidade do ator de exprimir sentimentos, mesmo com recursos limitados. A questão é que os recursos não estão limitados. Embora não possa se fazer valer da fala, instrumento cabal para provocar emoções, Serkis tem a seu dispor um mecanismo de fantasia que evolui a passos largos. O impacto de sua atuação certamente não seria tão profundo se os efeitos especiais não estivessem no nível que se testemunha no filme. Se eles não nos fizessem crer que diante de nós está, de fato, um símio. Serkis, é verdade também, contribui fortemente para a consolidação dessa percepção. Mas não o faz meramente por artifícios interpretativos. Por essa lógica, seria ilegítimo postular uma indicação ao Oscar como defendem alguns. Poderia sim, criar-se uma categoria a parte que reconhecesse performances desse tipo. Mas há ainda muito pouca coisa sendo produzida que justificasse a criação de tal categoria. O Oscar de animação, por exemplo, é recente. Datado de 2001. E 90% das animações não utilizam motion capture, o que reforça a segmentação.


Freida Pinto e James Franco gravam cena com Andy Serkis: a tecnolofia favorece o trabalho de interação dos atores


É necessário que a tecnologia se assente e que seja digerida pela indústria de forma orgânica como, por exemplo, fez Gore Verbinski em Rango. O diretor moldou o protagonista de sua animação à Johnny Depp e chamou o ator para dublá-lo em um exercício de metalinguagem muito interessante. Esse tipo de proposta pode se expandir e, quem sabe, merecer no futuro um destaque junto a instituições como a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Por enquanto, seria – além de precipitado – incorreto qualquer movimento nesse sentido.
É preciso louvar sim o grande trabalho de Andy Serkis, mas ter consciência de que a “performance digital” – um conceito ainda em formação – não se equipara em método e dimensão às atuações tradicionais.



* O artigo dessa semana é sugestão da leitora e blogueira Ana Kamila de Azevedo

7 comentários:

  1. Poxa, que abordagem interessante sobre o assunto. Muito bom, amigo!

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  2. Ponderou bem, Reinaldo. Andy Serkis realmente merece ser valorizado, tanto Ceasar quanto Gollum são incríveis, mas até que ponto é a interpretação do ator e a interferência da máquina? Como comparar a atuação dele com a de um ator live action? Como premiar apenas um em uma categoria especial? Realmente, só com o tempo para ver como isso irá avançar.

    bjs

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  3. Aê, que bom que decidiu seguir a nossa sugestão. Como sempre, acho que você tocou sobre esse tema de uma forma muito equilibrada e com ótimos argumentos.

    Eu acho a técnica de captura de performance fascinante. Até porque ela consegue reproduzir emoções de uma forma muito natural, sem parecer artificial. Acho que isso é um ponto interessante.

    Acho de muita valia a discussão em torno da performance de Andy Serkis, em "Retorno ao Planeta dos Macacos", mas acho que ainda não é a hora de premiar uma performance desse tipo. Acho, porém, que não demorará muito até a AMPAS criar uma categoria do tipo: Melhor Performance Digital, até porque a gente tem visto muitas performances desse tipo ultimamente, como as próprias do Serkis, a da Zoe Saldana em "Avatar" e as dos filmes do Robert Zemeckis dentro dessa técnica.

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  4. Oi Reinaldo,
    Muito bom o seu artigo e sobre um tema muito interessante. Como sempre e, com primor, soube equilibrar seus argumentos e trazer à tona um assunto para nossa reflexão. Parabéns!
    Eu concordo com a Kamila no ponto de que, com o tempo, possa surgir uma categoria para premiar este tipo de performance e, mais do que válido, é abrir novos caminhos de reconhecimento do trabalho das pessoas que fazem o Cinema. Avançar na tecnologia e no reconhecimento àquelas que fazem o Cinema mais mágico é mais do que relevante.
    Sobre esta técnica, eu sei muito pouco sobre o motion capture mas acho que realizá-lo não é fácil também porque, a meu ver, há que juntar o talento e dedicação para a atuação em live com a performance de ser capturado digitalmente. Não acho que tecnologia resolva tudo e Serkis é um exemplo fantástico de ator que fez bonito como Gollum.
    Preciso assistí-lo como nesta nova performance.
    Beijos,
    MaDame

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  5. Acho leal o fato de agora estarem valorizando o trabalho dele, e espero que nos futuros filmes que tiverem o uso dessa tecnologia também se valorize o trabalho do ator!!
    Agora ser indicado ao oscar, realmente fica algumas perguntas do tipo "Será que ele não acabou sendo "ajudado" com algumas coisinhas do computador"

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  6. Parabéns por este Insight interessantíssimo! Eu acho que o bom ator é capaz de fingir orgasmo numa boa, dar um beijo daqueles técnicos e interpretar até um criado mudo se necessário. Serkis é um exímio mímico da tecnologia. Isso ainda vai prosseguir e muito na sétima arte.
    Ótimo você fazer uma citação de "Rango". Até assistindo dublado aquele gracioso personagem é a cara de Johnny Depp!

    Abraço.
    Rodrigo

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  7. Luiz Santiago: Obrigado meu caro!
    Abs

    Amanda: Obrigado Amanda. Bem, eu acho que o artigo dá conta dessas questões.
    Bjs

    Kamila: Eu que agradeço pela sugestão e pelos elogios. Pois é, ainda há muita a evoluir, mas já é possível prever que esse tipo de performance caminha para algum tipo de reconhecimento em um espaço de 15 anos.
    bjs

    Madame: Obrigado pelos elogios e pelo comentário aprofundando a reflexão.
    bjs

    Priscila:Foi ajudado pelo computador sim... A percepção que a audiência tem do símio só é plenamente possível graças a junção do ator e dos efeitos especiais...
    Bjs

    Rodrigo Mendes: Valeu meu caro. Fico feliz que tenha gostado.
    Abs

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