terça-feira, 20 de novembro de 2012

Spotlight on - A escolha das diretoras



Mais cedo nesse ano, algumas artistas ligadas ao cinema, enviaram uma carta aberta à direção do Festival de Cannes protestando pela presença diminuta de diretoras entre os selecionados para participar do festival. O diretor do evento, Thierry Frémaux, rebateu a crítica das feministas e disse que a seleção se esmera na oferta e na proposta pertinente aos preceitos do festival. E é verdade. A edição 2011 do evento francês, por exemplo, havia sido bastante elogiada pela vasta presença de diretoras entre os principais concorrentes na croisette.
Mas porque esse caráter pendular na presença de diretoras em festivais de cinema? A resposta é fácil. Ainda são poucas. Disso, o leitor mais antenado no mundo do cinema já sabe, mas o que não é tão óbvio assim é o caminho traçado pelas diretoras atuantes nesse momento e, muito menos óbvio, é o impacto que as escolhas delas terá no futuro e na formação de novas cineastas.
É fácil apontar quem goza hoje de maior influência entre as mulheres que dirigem. Sofia Coppola, é bem verdade, carrega no nome o peso artístico de seu pai, mas com apenas quatro filmes no currículo de diretora, ela já criou uma marca própria e uma galeria de fãs incondicionais de seu cinema. O caminho pavimentado por Sofia, de diretora cult, não é apenas uma nota de rodapé na história que as diretoras constroem. Está com Sofia a tocha de seduzir e influenciar jovens mulheres na hora de optar pela direção. É a filha de Francis Ford quem melhor reúne condições de ser “o Steven Spielberg” de sua geração para as mulheres. A oscarizada Kathyrn Bigelow, por sua vez, também desempenha papel importante na formação de novas diretoras de cinema. Se ela não é conhecida por fazer filmes autorais em que prevaleça a famigerada sensibilidade feminina, ela mostra que mulheres podem sim fazer “filmes de menino”. É dela o neo cult Caçadores de emoção (1991), em que Keanu Reeves e Patrick Swayze são surfistas e policial e bandido respectivamente, e o premiado Guerra ao terror (2009). São filmes que se não entregassem os créditos, dificilmente seriam atribuídos a uma mulher. Bigelow, ao se tornar a primeira mulher a faturar um Oscar por direção por Guerra ao terror, no entanto, pode ter reforçado a noção de que apenas um olhar essencialmente masculino em certas produções é premiável. Uma questão que, no momento, só se pode especular. De qualquer jeito, Kathyrn Bigelow abre portas para que mulheres avancem sobre territórios masculinos no cinema e, com o tempo, promovam mudanças mais estruturantes.

Sofia em ação: sensibilidade e marca feminina na hora de dirigir anunciam grande capacidade de influência na formação de novas cineastas


O lado B
Há, contudo, aquelas diretoras que enxergam na função uma extensão de seus talentos. Assim como ocorre entre os atores, há atrizes que cederam ao impulso de dirigir. Dessas, a mais consistente é Sarah Polley. Atriz de pouca popularidade e reverberação crítica, Polley atingiu público e crítica em cheio com o drama Longe dela (2006), uma história de amor transformada pelo Alzheimer. Com roteiro e direção de Polley, chega agora aos cinemas brasileiros Entre o amor e a paixão (2011), outra história de amor com forte prospecção dramática. Nos últimos festivais de Veneza e Toronto,ela exibiu o documentário Stories we tell, um filme sobre como a memória transforma experiências familiares. Todos muito elogiados. Polley diminuiu seu ritmo como atriz para se dedicar a essa nova e criativa fase. Já Angelina Jolie, atriz blockbuster que vez ou outra se experimenta por um cinema mais sério, debutou na direção no ano passado com Na terra de amor e ódio (2011). O filme tem uma inegável pretensão artística e autoral, o que não deixa de se configurar um contraponto à persona de Angelina Jolie nas telas.
Já Nancy Meyers, roteirista veterana de Hollywood que, em 2000, debutou na direção com Do que as mulheres gostam, optou por fazer seus próprios filmes a dividir o mérito de seu afiado texto e expertise feminina com diretores homens. Desde o filme estrelado por Mel Gibson- que ainda resiste como a maior bilheteria do astro – Meyers lançou três títulos. Todos grandes sucessos de bilheteria. O ponto a se observar é que ela mantém o foco em personagens femininas fortes e sempre busca dar voz a dilemas essencialmente femininos. Esse gosto se estabeleceu definitivamente em sua encarnação como diretora, quando passou a ter total controle sobre seus textos.

Sarah Polley já ostenta três elogiadíssimos filmes no currículo de diretora e demonstra que o ofício como atriz pode ser um estágio para algo maior e mais criativo 

A libanesa Nadine Labaki estrela os filmes que dirige e não se furta a tratar de assuntos polêmicos sob perspectivas essencialmente femininas


Diversificação é palavra de ordem
Outras diretoras desempenham importante e qualificado papel nesse tabuleiro. Jane Campion é uma delas. Campion nada mais é do que a segunda mulher a concorrer ao Oscar de direção (até hoje não passaram de quatro). Campion foi a primeira mulher a efetivamente permear a película do feminino. Isso lhe rendeu uma Palma de ouro em Cannes com O piano (1994). A diretora já errou a mão (Fogo sagrado, Em carne viva), mas manteve-se fiel a sua proposta de cinema e sempre ativa e interessante.
Outras diretoras que vão construindo legados necessários são a libanesa Nadine Labaki, cujo mais recente filme (E agora, onde vamos?) acabou de ser lançado nos cinemas brasileiros, Lynne Ramsey, do angustiante Precisamos falar sobre Kevin (2011), e a brasileira Laís Bodanzky que estabelece uma cinematografia plural, pensante e representativa na nova cena cinematográfica brasileira.
São mulheres que carregam o peso do futuro em seus ombros, mas agem com extremo bom gosto e pertinência em suas escolhas pontuais. Mas definitiva, e ainda por ser mensurada, foi a escolha de Haifa al Mansour, que se tornou a primeira diretora de cinema da Arábia Saudita, seguramente o país mais repressor no que tange as mulheres. Mansour obteve, ainda, o feito de dirigir em seu próprio país. Seu primeiro filme, Wadja, não deve ser exibido na Arábia Saudita, mas já foi mostrado no último festival de Veneza. São mulheres, cada qual a sua maneira, contribuindo para que tantas outras tenham escolha na sétima arte.

Jane Campion, uma das mais longevas e interessantes diretoras, orienta Meg Ryan e Mark Ruffalo no set de Em carne viva, um de seus filmes mais desafiadores 

3 comentários:

  1. Ótimo tema, Reinaldo, realmente as mulheres ainda são poucas em relação aos homens, o que não significa que somos menos capazes. :) Interessante é que as montadoras antes eram maioria, hoje também perdemos espaço. hehe.

    Mudando de assunto, você já viu que estamos no DVD Duplo de O Palhaço? Nos extras, tem uma parte de críticas com citações de alguns críticos e seus veículos. Tem eu, e tem você :) Fiquei muito feliz por nós e pelo reconhecimento da editoração do DVD aos blogs também.

    bjs

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  2. Acho a Coppolinha tão superestimada, tão superestimada... Um caso sério, isso! rsrsrsrsrs

    A verdade é que o Oscar e "Guerra ao Terror" deram notoriedade à Kathryn Bigelow. Antes disso, pouca gente - e me incluo nesse grupo - sabia que ela existia...

    Das diretoras que você citou, a minha favorita é Sarah Polley. De estilo sensível, realiza filmes impecáveis!! Espero que, um dia, ela tenha o reconhecimento que merece.

    Beijos!

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  3. Amanda: Obrigado pelo endosso e elogio. Obrigado, também, pro trazer avante essa boa notícia que eu francamente desconhecia. Fiquei muito feliz mesmo! É por essas e outras que tenho que seguir com isso aqui! E parabéns, né?
    bjs

    Kamila: rsrs. Também acho Sofia muuuito superestimada Ka. Mas é inegável que hoje ela é uma referência e está sim em uma posição de influenciar novas gerações. Não deixa de ser uma boa notícia. Eu já conhecia Kathryn Bigelow desde Caçadores de emoçao e gostei muito de k 19, mas é inegável que Guerra ao terror redimensionou seu status. Adoro Sarah Polley e ainda acho que ela vai longe!
    bjs

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