domingo, 30 de setembro de 2012

Crítica - Na estrada


Eu penso em Dean Moriarty



Não é fácil avaliar Na estrada (On the road, FRA, EUA, ING, BRA/2012). Analisar o filme, em seu dialogismo com a obra original e com sua época, no entanto, é menos complicado – ainda que reserve grau semelhante de complexidade.
Em primeiro lugar, em virtude da falta de uma proposição narrativa mais específica, Na estrada é mais um tributo bem adornado a obra de Jack Kerouac, do que um filme bem fundamentado nas raízes cinematográficas. Essa constatação não desqualifica um elenco em fantástica forma, uma trilha sonora maravilhosamente composta por Gustavo Santaolalla, uma fotografia poderosa de Eric Gautier e a direção tão vigorosa quanto cuidadosa de Walter Salles.
A própria essência do livro induz o destino do filme enquanto realização cinematográfica. Embora esse fato implique em um ônus na avaliação que se faz do filme em sua vertente narrativa, indica que Salles foi bem sucedido na missão de traduzir a obra seminal da geração beat para o cinema. Na estrada é um filme sobre a busca por algo que não se sabia nem sequer nomear. Se a figura de Dean Moriarty (Garrett Hedlund) é catalisadora dessa insurgência de jovens que “tocam a estrada” na busca de inspiração e sentido, o filme de Salles é muito feliz na abordagem que faz disso. Especialmente pela poderosa aparição de Garrett Hedlund, um ator em ebulição sexual que equilibra carisma hipnótico com sensibilidade aguda na composição instintiva que faz de Dean, pseudônimo de Neal Cassidy. Se Sam Riley não chega a ser exatamente uma decepção, seu Sal Paradise, pseudônimo do autor Jack Kerouac, carece de alma. Riley falha em revestir sua composição da vulnerabilidade de um personagem que alterna momentos de profunda hesitação com outros de impulsividade incontornável. Já Kristen Stewart surge muito bem dirigida por Salles. Entregue à sensualidade de uma personagem corajosa, a atriz não se furta de cenas que exigem desprendimento. Mas há pouco para ela contribuir dramaticamente ao filme. Isso precisa ser dito. As participações especiais dão dimensão dramática a Na estrada. Viggo Mortensen e Kirsten Dunst têm pequenas, mas enfáticas participações.
Na estrada se alimenta do genuíno interesse do espectador em desbravar aqueles personagens, mas essa informação – acertadamente – nunca é plenamente alcançada.
Se Na estrada tem problemas, todos estão intrinsecamente relacionados à essência do livro, que não era considerado inadaptável à toa. Essa fidelidade canhestra, no entanto, não justifica o excesso de pudor com que Walter Salles filma as picardias de seus protagonistas. Não que haja sonegação do tesão em Na estrada. Apenas há um contingenciamento que revela ainda mais perigosamente o aspecto de tributo que o filme do diretor brasileiro não consegue se desvencilhar.


6 comentários:

  1. Não me decepcionei com o filme, quero escrever sobre ele mas pretendo ler primeiro o livro de Kerouac. Concordo que analisá-lo não deve ser nada fácil.

    cinemapelaarte.blogspot.com

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  2. Queria ler o livro primeiro para fazer uma avaliação bacana e tudo mais, mas acho que vai acontecer exatamente o inverso...

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  3. Eu fiquei bastante decepcionado.
    O filme tem virtudes, principalmente as técnicas enumeradas por você no texto. Mas poderia ser um filme fundo de quintal se o espírito transgressor da obra seminal de Kerouac aparecesse na telona, o que infelizmente não acontece. Pra mim, "Na Estrada" foi um apanhado de situações vivenciadas pelo trio, mas sem 1/3 do calor, energia e discurso libertário da obra.

    É complicado não separar a avaliação do filme sem interferências do livro. Se assim não fosse, é um filme eficiente, sim. Uma tentativa bacana de reproduzir a ebulição daquele época.

    Meu texto com as ideias mais abrangentes aqui - http://www.gazetamaringa.com.br/blog/pospremiere/?id=1278022


    Abraço!

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  4. Emmanuela: O filme é plausível como tributo, mas um tanto irregular quanto cinema. Leia o livro e se ambiente com essa verdade.
    Bjs

    Alan: rsrs. Acontece nas melhores famílias... rsrs

    Elton: Eu tiraria o "bastante" da minha digestão do filme. Mas entendo sua postura em relação a ele. É como vc disse. E como eu pontuo no final da crítica tb. Há uma incômoda assepsia em "Na estrada". Acho que o seu "uma tentativa bacana" já diz tudo.
    Vou ler seu texto!
    Abs

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  5. Também fiz uma crítica e sim, me decepcionei um pouco. Não senti a "trip" que gostaria e apesar de satisfazer em sua técnica cuidadosa (adorei a música), o filme ficou sem a "batida" necessária. Só dou elogios ao Garrett.

    Já assistiu Os Beatniks (Heart Beat, 1980) com a Sissy Spacek?

    http://cinemarodrigo.blogspot.com.br/2012/07/walter-salles-na-estrada.html#more

    Abs.

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  6. Rodrigo: O Garrett merece todos os elogios mesmo. Lerei sua crítica. Sim, já vi Os beatniks. Mas faz tanto tempo... rsrs
    Abs

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