quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Questões Cinematográficas - Polanski: Uma vida

“Você pode mostrar o seu herói triunfante e isso deixará sua platéia satisfeita. Mas não há nada mais estéril do que o estado de satisfação”
                                                                     Roman Polanski



Quem gosta de cinema aprecia o talento do franco polonês Roman Polanski. Aqueles que se nomeiam cinéfilos, obviamente, estão familiarizados com a conturbada biografia desse genial e genioso cineasta. Sobrevivente do nazismo, vítima da loucura de Charles Manson e seus fanáticos, predador sexual e pedófilo, cineasta sensível e inventivo, entre tantas outras personas. Roman Polanski já havia assinado sua própria biografia, "Roman by Polanski" em 1984 e motivado tantas outras no curso das duas últimas décadas, mas o volumoso livro de Christopher Sandford se distingue pelo viés examinador aliado ao vasto material cheio de minúcias coletado pelo autor. Sanford já biografou outras figuras controvertidas da cena cultural como Kurt Cobain, Eric Clapton, Mick Jagger, Keith Richards e Bruce Springsteen. Mas é seu trabalho investigativo sobre o “anão maligno”, como alguns se referem a Polanski no decorrer da obra, que Sandford alcança seu melhor registro biográfico. Talvez o mais isento e provocante de todos. O fato de “Uma vida” não ser uma biografia autorizada indica que há muito ali que Polanski não reconheceria como verdadeiro. Sandford não se furta a esse debate. Frequentemente confronta seu biografado com diferentes versões, em sua maioria amparadas na lógica de estatísticas ou depoimentos diversos, desautorizando Polanski em suas próprias memórias. No decorrer do livro, o autor refere-se a esses episódios como “um enaltecimento da lembrança de Polanski” ou “como os fatos que cercam o diretor tendem a ganhar dimensão fantasiosa”.
No entanto, o autor mostra simpatia pela figura. Reconhece que o espírito das memórias de Polanski é preservado e especula que o diretor apreciaria brincar com as expectativas do público em relação a suas vivências. Nesse aspecto, ainda dentro do perfil que Sandford rabisca de seu biografado, surge um Polanski de forte jovialidade, com um ar intransigente e uma curiosidade legítima pelo cinema. Sandford demonstra que, diferentemente de tantos outros diretores, Polanski é um cinéfilo e observa como o cinema ajudou o diretor, quando ainda era conhecido como Romek, a passar pela difícil infância. Polanski, por seu turno, nunca reconheceu que sua infância tivesse tido sobre ele qualquer efeito nocivo ou mesmo traumatizante. O autor evita conjecturar a respeito, mas em uma ou outra passagem, em que aponta o desencontro das informações providas pelo próprio Polanski, se permite teorizar – refugiando-se nos argumentos de pessoas próximas ao diretor – que Polanski na verdade esconde-se sob o muro que ergueu.  

Cena de A faca na água, primeiro longa-metragem de Polanski: execrada na Polônia, a fita virou cult nos EUA e foi indicada ao Oscar de produção estrangeira 


Nessa linha, o diretor surge como detentor de “um incrível talento para arrogância”, “um ator nato”, “um anfitrião adorável”, “um cineasta inspirador artisticamente e problemático financeiramente”, entre outras definições que caminham entre o lisonjeiro e jocoso. Sandford permite-se ser mais especulativo a partir do terceiro episódio definidor da vida de Roman Polanski; quando na casa do amigo Jack Nicholson, ele manteve relações sexuais com a menor de idade Samantha Gailey. Mesmo assim, Sandford busca amparo em documentos e entrevistas da época e em depoimentos de fontes próximas ou relacionadas aos múltiplos episódios aventados pelo livro daí em diante.
“Uma vida” é um trabalho jornalístico e investigativo de fôlego. Uma reconstituição vigorosa dos primórdios da vida de um cineasta que chegou a maturidade cercado de angústias e dúvidas. É, também, um retrato fidedigno de um homem um tanto ilegível, que viveu ao máximo uma vida fragmentada por momentos de tensão e terror.
O Polanski capturado por Sandford é dotado de um instinto de sobrevivência hercúleo, manifestado precocemente ainda na Varsóvia tomada pelos nazistas e aguçado em um nível alarmante em sua queda de braço com a imprensa sensacionalista e após o fatídico julgamento pelo estupro de Samantha Gailey.
Um homem incapaz de manter-se fiel a uma só mulher, com um gosto indubitável pelo sexo e suas liberdades e que exibia pouca tolerância para hipocrisias como os movimentos de esquerda. Essas são algumas das características do homem perturbado radiografado por Sandford que resiste à tentação de colocar esse homem em paralelo com o cineasta que se fez na seara do terror e do erótico nos idos dos anos 60. A maior parte da crítica se divertia às catas de referências da vida pessoal de Polanski em sua obra. Posteriormente (nos filmes O pianista e Oliver Twist) esse paralelo até pôde ser mais facilmente detectado, mas – argumenta Sandford – era um exercício descabido em filmes como O bebê de Rosemary e Repulsa ao sexo. O autor rememora os boatos que se seguiram ao cruel assassinato de Sharon Tate que relacionavam o diretor ao fato e que pressupunham ser Polanski e Tate membros de uma seita satânica.

Cena de Repulsa ao sexo, filme que mostra uma mulher frígida que apresenta surtos psicóticos: psiquiatras ficaram impressionados com a verossimilhança da fita e Polanski respondeu que inventou tudo 

O novo filme de Roman Polanski, que estreou no último festival de Veneza, é uma das apostas para o Oscar 2012. Adaptado da peça O Deus da carnificina, Carnage flerta descaradamente com o humor negro

Justiça ao biografado
O interesse maior de Sandford parece ser iluminar a figura de Roman Polanski. Nesse sentido, para os fãs do diretor, fora uma ou outra curiosidade de bastidor, há pouca coisa nova sobre Roman Polanski. Mas inegavelmente o autor oxigena a obra e vida do franco polonês ao revisitar com requinte e detalhismo os pormenores que ajudaram a definir Polanski como uma das mais controversas celebridades do século XX.
A personalidade de Polanski é tateada em “Uma vida” com a convicção de um historiador ante relatos esparsos e conflitantes de fontes diversas. Não é uma tarefa fácil. Sandford demonstra mais eloquência quando relata os bastidores das filmagens das fitas de Polanski e os ardorosos processos de produção que as cercava. Um diretor intransigente, teimoso, trabalhador e genial é a figura espichada dessa análise.
O maior mérito de “Uma vida”, porém, é estabelecer de uma maneira bem lúcida toda a complexidade de Roman Polanski, essa figura tão apaixonante quanto assustadora que se opõe a simplismos e psicologismos baratos. Christopher Sandford oferece um mergulho, por vezes nauseante, no âmago de um dos maiores artistas que o cinema já concebeu. 

5 comentários:

  1. Ótima resenha, Reinaldo! Só conheço da vida do Polanski o básico que chega pelos jornais, mas uma trajetória como a dele, só pode render um personagem e tanto! Apesar dos capítulos pesados, fiquei curiosa pra ler.

    Bjs
    Aline

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  2. Ótima dica de leitura, Reinaldo. Conheço somente os fatos mais polêmicos da vida do Polanski e fiquei curiosa por esse livro depois de ler seu post.

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  3. Aline: Obrigado Aline.Acho que vc vai apreciar a leitura.
    Bjs

    Kamila: Obrigado Ka. Espero que tenha a oportunidade de lê-lo.
    bjs

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  4. Uau, adorei a resenha, Reinaldo. Mandou muito bem! Já vi esse livro dando sopa na livraria, mas na internet está muito mais barato. Sempre que compro algo em lojas virtuais, eu faço um apanhado para o frete ser cortesia hehe, o complicado é q nao estou encontrando tempo para colocar tudo o q quero, mas certamente essa biografia de Polanski estará no meio. É um dos meus diretores preferidos desde sempre, além de me interessar muito pela sua obra. Recomendo a vc o documentário "Roman Polanski: Wanted and Desire", tbm faz um impressionante retrato de suas experiências.

    abração!

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  5. Elton: Obrigado meu caro. Polanski é um gênio e eu o admiro muito como artista. Como ser humano, é um tanto indecifrável...
    Já vi Wanted and desire. É muito bom, mas, se me permite, o livro é melhor.
    Abs

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