domingo, 11 de setembro de 2011

Questões cinematográficas - O cinema americano depois do 11 de setembro

Soa pueril dizer que o 11 de setembro transformou o cinema americano. Ou que ainda os eventos daquele fatídico dia tenham promovido uma profunda modificação no olhar dessa arte tão global e abrangente para com o mundo a sua volta – ainda que em um recorte essencialmente americano.
Mas seria igualmente pobre afirmar que o cinema americano não reagiu com contundência criativa à maior tragédia proporcionada pelo homem em solo americano.
O primeiro vestígio do 11 de setembro no cinema americano foi o desejo de voltar a tragédia. Filmes como alguns dos listados no TOP 10 do mês, A última noite, de Spike Lee, A vida durante a guerra, de Todd Solondz e Lembranças, de Allen Coulter erguem seus dramas da sombra do 11 de setembro no convívio de personagens essencialmente amargurados.
Chicago, um musical colorido que tinha o cinismo e o show business como alvo, foi o primeiro vencedor do Oscar após os atentados, revelando como a indústria reagiria a eles. Hollywood, a princípio, focou nas comédias e nas fantasias. As franquias Harry Potter e O senhor dos anéis, que chegaram aos cinemas no mesmo ano dos atentados terroristas, foram o principal alicerce do cinema americano naquele período.
O cinema americano, aos poucos, foi interiorizando os ataques terroristas. Fossem em filmes como Vôo United 93 ou em movimentos que sinalizavam busca pela tolerância e compreensão do outro (os Oscars de Crash e Quem quer ser um milionário? – ambas produções independentes que penaram para ver a luz do dia). Ambos os filmes, vicejados por clichês e soluções sentimentalistas, denotam essa intenção de capturar as contradições humanas mediante situações limites (pobreza, intolerância, violência) por uma ótica paternalista (moralista).

Cena de Os infiltrados, de Martin Scorsese: a paranóia e a violência ganharam destaque em filmes que assinalavam as contradições humanas


Em contrapartida, diretores como David Fincher, Christopher Nolan, Clint Eastwood e Martin Scorsese rodaram filmes sobre paranóia, desilusão, terrorismo e passagem do tempo. Nolan apresentou um filme de super herói que, além de prover uma desesperadora concepção do terrorismo (Batman – o cavaleiro das trevas), versa sobre a capacidade de se realizar sacrifícios e ter esperança no homem. Scorsese fez uma refilmagem de uma fita de ação oriental (Os infiltrados) e acrescentou desmedidos componentes de violência e paranóia em um pessimista retrato da condição humana. Depois fez um outro elaborado estudo sobre paranóia (Ilha do medo). David Fincher fez um notável filme sobre a passagem do tempo (O curioso caso de Benjamin Button) e sobre como o ser humano é trivial, opaco e redundante em escala universal .Terrence Malick , em A árvore da vida, resgata a discussão com muito menos vigor. Coube a Clint Eastwood a pecha de ser revisionista. Menina de ouro, Gran Torino, Invictus e Além da vida, separadamente, já possuem brilho. Juntos mostram a predisposição do cineasta de refletir um mundo marcado pela segregação e incompreensão. Gran Torino, em particular, é um libelo de tolerância.
Com os dez anos do 11 de setembro, a crônica cultural busca iluminar a representatividade dos atentados terroristas na produção de cinema nos EUA. Essa representatividade está vinculada à introspecção que pode ser notada no cinema independente e sua tentativa de capturar ruídos existenciais, um interesse perene desse tipo de produção acentuado pela vulnerabilidade pós-11 de setembro, ou no espetáculo hollywoodiano de filmes como Avatar e Harry Potter.

Clint Eastwood entrou em sua melhor fase como cineasta após os atentados terroristas de 2001: incompreensão, perdão, tolerância são algumas das palavras chaves dos filmes que tem feito de lá para cá...



O cinema americano ainda irá especular muito sobre o 11 de setembro. O distanciamento histórico talvez respalde a ousadia que ainda tateia em busca de abrigo. A recente morte de Osama Bin Laden abre mais um sem número de possibilidades.
O que de mais significativo ocorreu foi a busca pelo diálogo com o público. Se As torres gêmeas é uma homenagem a uma figura heróica como a dos bombeiros, Zona verde é o dedo em riste de Hollywood para a administração Bush. Nenhum desses filmes fez grande sucesso. O que ajuda a entender porque as produções bancadas pelos estúdios são tão espaçadas.
O cinema americano continuará cercando o 11 de setembro. Às vezes de forma mais sutil, outras de maneira indireta e outras tantas mais enfaticamente. Contudo, a grande “mudança” já aconteceu. E aconteceu na esteira dos próprios ataques. A capacidade de descortinar a tragédia como um campo de estudo sobre humanidades.

5 comentários:

  1. Pois é, Reinaldo, o 11 de setembro mudou os Estados Unidos profundamente, e como o cinema é reflexo de sua cultura, ele também sentiu o impacto. Eles se sentiam senhores do mundo desde a segunda guerra e serem atacados em seu território como já haviam feito com tantos outros países mexeu com a própria estrutura de certezas, mesmo nos reativos que foram em busca de vingança e mais guerra.

    bjs

    ResponderExcluir
  2. 10 anos hoje! Difícil aparar e esquecer uma tragédia como o 11 de Setembro. Isso é história antiga amigo. Na época da Guerra Fria, Kubrick lançava Dr. Fantástico...e a lista tbm era longa!

    Gostei muito da sua matéria! Até o "Guerra Dos Mundos" o fracasso mais pessoal de Steven Spielberg é um filme que veste o medo do terrorismo. Vc citou os principais e melhores filmes aqui, sobretudo as recentes fitas de Eastwood.

    Não gosto tanto de 'Crash', e vejo que gosto mais de "Quem quer ser um milionário"? do que você.

    Nunca esquerecerei que assisti ao vivo na TV a queda das Torres. Este era o verdadeiro filme do caos e que a ficção não irá mostrar com tanta realidade.

    Abraços
    Rodrigo

    ResponderExcluir
  3. Eu digo e repito que acho "A Última Noite", de Spike Lee, o melhor filme sobre os EUA pós-11 de setembro, porque ele vai no coração da tragédia (a cidade de NY) para mostrar quais foram os efeitos do atentado na cidade e em seus habitantes. O filme é muito lindo e muito subestimado. Que bom que você lembrou dele em seu post.

    ResponderExcluir
  4. Caramba, Reinaldo, puta texto!

    Achei interessante você apontar como não apenas os filmes "específicos" sobre o tema também mostram como o mundo foi transformado pelo 11/09.

    O cinema de "escapismo" bombando, enquanto os filmes mais críticos são menos prestigiados pelo público, talvez porque ao falar (no caso assistir) parece que aquilo que tememos de fato ganha corpo.

    Pôxa, acho que vou te sugerir pautas mais vezes, rsrsrs

    Beijos

    ResponderExcluir
  5. Amanda: Pois é Amanda... pois é... Um ataque no próprio solo aumenta, e muito, o sentimento de vulnerabilidade.
    Bjs

    Rodrigo Mendes: Guerra dos mundos é outro bom exemplo Rodrigo. Concordo contigo. A imagem das torres caindo é algo muito forte. O cinema se intimida ante tamanho impacto...
    Abs

    Kamila:Tb acho A última noite um filme subestimado.Mas não acho que ele seja o filme que melhor aborde o trauma do 11 de setembro...
    Bjs

    Aline: rsrs. Obrigado Aline. Que bom que pescou essas bifurcações no texto. Aguardo mais sugestões! rsrs
    Bjs

    ResponderExcluir