quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Crítica: 5 x favela - Agora por nós mesmos


Nada de novo, mas tudo muito bem feito




Se como projeto social, 5 x favela – Agora por nós mesmos (Brasil, 2010) é de um frescor muito bem vindo, como cinema não fica atrás. O filme, que se apresenta como uma resposta legítima à fita de mesmo nome dos anos 60 rodada por integrantes da classe média, dá voz aos membros das comunidades que ganham as telas no cinema. Essa opção não desvia o moralismo banal do registro, tão pouco reprime a ingenuidade (pelo contrário a reforça), contudo, o filme é dos mais arejados a aportar nos cinemas brasileiros.
Os cinco curtas que compõe 5 x favela guardam um objetivo claro. Não manipular seu espectador, tão pouco pincelar o favelado como uma vítima. Se ele é vitimado socialmente, o próprio potencializa sua condição. É vitima e algoz. Interessante notar o trânsito de influências. Há a leveza do neorealismo italiano (no divertido Ascende a luz), há o aspecto lúdico que acresce à narrativa (no impactante Concerto para violino) e a fruição de gêneros (no bem sacado Feijão com arroz).
Os roteiros, colhidos em oficinas de comunidades cariocas, são outro ponto positivo. Sem rompantes de paternalismo, eles esmiúçam a vida em favelas a partir de perspectivas inusitadas como em Deixa voar. O curta é disparado o melhor do filme. Um menino tem de ir a um território comandado por uma facção rival para resgatar uma pipa. O diretor Cadu Barcelos brinca com nossas expectativas e entrega um curta sofisticado na proposta e otimista no registro. Em Fonte de renda, que abre o filme, os diretores Manaíra Carneiro e Wagner Novais realizam o curta mais convencional, mas que não deixa de ser interessante. Apesar do moralismo que emerge de seu final, há a contenção por parte dos realizadores em justificar as opções do garoto que para seguir na faculdade flerta com o tráfico.
Quem não se contém e entrega um poético retrato da dicotomia social que a favela representa é Luciano Vidigal com o portentoso Concerto para violino. Com opções de montagem que valorizam a emoção, no menor e no menos falado dos segmentos, Vidigal expõe a violência com compaixão.
Em Feijão com arroz, temos uma evolução saudável de tom. O curta parece enveredar pelo drama, mas cede a comédia, sem dispensar um interessante estudo de personalidade. No curta em que playboys roubam favelados, os diretores Rodrigo Felha e Cacau Amaral subvertem a lógica do “eu posso roubar porque sou favelado e a minha vida é injusta” e entregam uma solução envolvente para um dilema que nem mesmo nos percebemos tal a leveza do registro. Já no curta que encerra o filme, Ascende a luz, a comédia ganha contornos mais escrachados com uma história baseada em fatos reais. Um operário da companhia elétrica é informalmente feito refém até que a luz seja restabelecida na favela. Um lugar colorido em que há o ressentimento - mas não imperativo - é pintado por Luciana Bezerra em seu curta.
É aqui que o comentário do projeto social fica mais claro. “Aqui é natal também”, fala o operário da companhia elétrica para um outro que tentava se esquivar de levar uma peça necessária para o restabelecimento da energia. 5 x favela - Agora por nós mesmo, a rigor, não traz nada de novo. Mas injeta vitalidade e autenticidade em um tipo de filme que faz parte da fauna cinematográfica brasileira.

8 comentários:

  1. Vou conferir, sempre gostei de filmes episódicos. Tudo bem que os europeu manjam neste quesito, mas todos estão elogiando 5x Favela. Principalmente o seguimento 'Feijão com Arroz'.

    Deus abençoe o Cacá Diegues!!
    E claro, ao saudoso Leon Hirszman , já que o projeto veio dele.

    Abraços
    Rodrigo

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  2. E nada desse filme chegar a Salvador, "oh, vida, oh, sina"

    bjs

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  3. Este filme, vai demorar para chegar aqui na minha cidade....sempre demora, hehehe
    Mas não é um filme que eu esteja muito afim de ver, mais claro, uma exibição em DVD é bem provável. Vou aguardar!

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  4. Finalmente um filme que fugiu dos clichês de filmes-favelas atuais (que só enfocam a barbárie e a degradação). Só o Cacá Diegues mesmo!

    Cultura na web:
    http://culturaexmachina.blogspot.com

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  5. Não sou muito de fã de filmes que reúnem vários curtas (más lembranças de mostras de cinema passadas), mas vc pintou um quadro tão legal que estou super inclinada a assistir, talvez até hj mesmo.

    Bjs

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  6. Gostei do texto! Deu vontade de conferir o filme!

    Beijos!

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  7. Crítica competente e coerente! Não se pode cobrar uma obra-prima do longa composto pela reunião de curtas. Nunca o será. Até Descartes já sabia disso:
    "...não há tanta perfeição nas obras compostas de várias peças, e feita pelas mãos de diversos mestres, quanto naquelas em que um só trabalhou."
    Um grande abraço, Reinaldo!
    Devo conferir esta obra em DVD.
    ;)

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  8. Rodrigo: Pois é Rodrigo, Cacá Diegues teve a grande sacada de atualizar o projeto do qual fez parte. Para mim o grande curta é mesmo "Deixa voar", mas todos são interessantes. Abs

    Amanda: Putz, sinto muito Amanda. Mas é certo que chega em DVD. Bjs.

    Alan: Aguardando então. Abs

    Pseudo-ator: Pois é, o filme não chega a desestigmatizar tanto assim, mas areja bastante...
    abs

    Aline: Não é essa maravilha todas, mas é bom cinema. Vá sem medo. bjs

    Kamila: Obrigado Ka. Espero que goste. bjs

    Cássio Bezerra: Você acaba por enaltecer a minha crítica com seu raciocínio e com a citação que trouxeste de Descartes. Valeu Cássio! Abs

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