domingo, 9 de fevereiro de 2014

Insight - Cabra marcado para viver



Qual é o seu filme preferido de Eduardo Coutinho? Só cinéfilos de raiz, comprometidos com o significado de cinefilia, poderão responder essa pergunta com alguma propriedade. Eduardo Coutinho, embora louvado como um dos maiores cineastas brasileiros, era pouco conhecido do público, ainda que fizesse filmes que se dedicassem essencialmente a entender o Brasil e os brasileiros.
A trágica morte no último domingo (2), aos 80 anos, assassinado pelas mãos do filho esquizofrênico interrompeu um ciclo de reinvenção iniciado em Jogo de cena (2007), rigorosamente o melhor documentário de todos os tempos e justamente aquele que desconstrói o mito do documentário como perseguidor, ou fiador, da verdade. Moscou (2009) e As canções (2011) são buscas na arte da essência humana, romântica, atemporal e cheia de significados e significantes.
Eduardo Coutinho morreu no mesmo dia de Philip Seymour Hoffman e isso impôs ao cineasta, no momento de sua morte, o mesmo tratamento que recebeu em vida. Obscurecido por alguém que brilhou mais no cinema, mas que não construiu para o cinema de seu país a representatividade erguida por Coutinho. Não há, que se tenha registro, documentarista mais habilidoso do que Coutinho no mundo. Essa verdade precisa ser dita, mesmo que fora de seu tempo.
Sua compreensão do cinema, o casamento que insinuava com o fazer jornalístico, a ideia de lançar teorias para testá-las na prática e o respeito temperado por curiosidade com que peitava o passado, mesmo o seu próprio tão bem evocado no documentário Cabra marcado para morrer (1984), conferiram a Eduardo Coutinho a alcunha de homem que gostava de ouvir. Ele gostava, de fato, de ouvir. Mas o que precisa ser reconhecido é que sabia muito bem o que fazer com o que ouvia.
Antes de embarcar na viagem do documentário, Coutinho teve experiências como roteirista, jornalista e dirigiu até mesmo ficções (média e longas-metragens).  Tudo isso, no entanto, visto pela ótica da revisão histórica parece convergir para a apoteose de sua carreira como documentarista. O Brasil, nossa memória afetiva, a arte, a política e o próprio cinema foram discutidos por Coutinho em seus filmes que invariavelmente partiam de pontos simples e se complexavam ao ponto de abarcarem o mundo nos conflitos reais que articulavam tão bem.

Assim como já lhe aconteceu no passado, Coutinho será redescoberto e viverá por meio da força de seu cinema. Completo. Absurdo. Poderoso. Afinal de contas, no desatino da vida, tanto nos mostrou Coutinho, o cinema é das poucas coisas capaz de articular algum sentido. 

3 comentários:

  1. O meu filme favorito do Coutinho era "Jogo de Cena". "Edifício Master" passou essa semana, de madrugada, na Globo. Infelizmente, não pude assistir. Esse horário é ingrato com quem, como eu, tem que acordar cedo no dia seguinte para ir trabalhar....

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  2. Um gênio que tem minha eterna admiração. E, realmente, desconhecido do grande público, mas o povo que ele retratou também sabe venerá-lo. :) Jogo de Cena é o meu preferido, mas gosto muito de muitos. Jamais esquecerei algumas cenas de Boca de Lixo ou Edifício Master. Adoro a proposta de Do Princípio ao Fim ou Peões. Cabra Marcado para Morrer tem uma importância história incontestável. Dos que vi, só não gosto muito de Moscou e ainda preciso ver As Canções que nunca estreou em Salvador e ainda não achei em DVD.

    O que mais me doeu não foi a morte, mas a forma, um cara como ele não merecia isso.

    bjs

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  3. Kamila: O meu favorito também é "Jogo de cena". Acho difícil este não ser um dos filmes favoritos de qualquer cinéfilo...
    bjs

    Amanda: Para ser sincero Não gosto tanto de "Boca de lixo" e "Edifício Master", estava mais empolgado com essa safra recente de Coutinho. "As canções" passa com alguma frequência no Canal Brasil, já o vi no GNT tb. Espero que assista o mais breve possível, é um filme apaixonante.
    A forma como Coutinho se foi foi mesmo trágica e absurda...

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