terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Crítica - O mestre


Mestrado em cinema

A obra de Paul Thomas Anderson vai se erguendo como um pilar irremovível do cinema enquanto arte reflexiva, pensativa e elusiva de sua própria beleza e potencialidade. Em seus sexto longa-metragem, o cineasta americano alcança mais uma obra-prima com um trabalho de ramificações sociológicas de indevassável força. O mestre (The máster, EUA 2012) é mais do que um estudo sobre as origens de uma seita religiosa inspirada na Cientologia, como faz crer a sinopse do filme. É um estudo minucioso do homem e o meio, das circunstâncias da existência, em seu viés mais traumático e angustiante, e também em sua faceta empreendedora e oportunista. Com um dos duelos de interpretação mais cristalinos e potentes dos últimos anos, o filme se subscreve como artífice de um pensamento moderno sobre a angústia humana na busca por pertencimento e significado.
Freddie Quell (Joaquin Phoenix) é um veterano da segunda guerra que parece ruir internamente. É possível que essa condição seja também herança genética de sua mãe, internada em um hospício. Vagando de emprego em emprego, com uma postura sempre dúbia e uma obsessão por sexo familiar aos desorientados mental e emocionalmente, Freddie colide com Lancaster Dodd, um homem de muitas aptidões como o próprio se define. Dodd está por trás de uma seita emergente nos EUA dos anos 50 (A Causa) e é aí que a proximidade com a Cientologia e seu criador, L. Ron Hubbard, começa a ganhar corpo. Chamado de mestre por seus seguidores, Dodd é carismático, inteligente e calculista. Mas também bastante acolhedor. A identificação entre ele e Freddie é pulsante e imediata. Freddie rapidamente desenvolve um vínculo que vez ou outra se enuncia mais forte e proeminente do que a relação de um mestre e pupilo. Está aí parte da força do filme. Tanto Dodd quanto Freddie se mostram entusiastas da bebida manipulada por Freddie a base de clorofórmio. Dodd é frequentemente ambíguo em seus gestos e provocações para com Freddie que sempre responde com intensidade, mas nem sempre com honestidade.
Dodd, em toda a sua contradição, é um homem que vai ficando mais ambicioso ao longo do filme e, à medida que se distancia de suas postulações meramente filosóficas para se assumir como um líder espiritual, vê Freddie vacilar em sua comunhão.

Carisma, angústia e ambição: Philip Seymour Hoffman congrega todo o comentário de Paul Thomas Anderson em uma composição fascinante


O mestre pode ser lido de várias maneiras e essa riqueza de camadas é um dos muitos méritos de Anderson. Um desses méritos é erguer o filme sobre elipses narrativas que fomentam variadas interpretações para determinadas ações dos personagens, mas que de maneira alguma divergem o filme de seu sentido bruto. De seu estrato específico. De que aquela história é sobre dois homens em busca de respostas para perguntas que não sabem exatamente como formular e que durante o percurso se perdem e se encontram, transformados por essas experiências, muitas vezes.
Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman, premiados no ultimo festival de Veneza e indicados ao Oscar, apresentam atuações estupendas nas minúcias e no complemento que uma dá a outra. Sem Hoffman a tilintar seu carisma envenenado na figura de Dodd, a presença turva, simplória e hesitante de Phoenix não teria a mesma força. Da mesma maneira que se Phoenix não fosse tão convincente em sua reação a Dodd, este não teria o impacto que ostenta na plateia.
O mestre, sem trocadilhos, é o mestrado em cinema de Paul Thomas Anderson. Cineasta que ousa investigar as profundezas da alma humana nos lugares mais inóspitos e valendo-se de temas complexos. Com brilhantismo, conjuga o dínamo das atuações com a força de um texto soberbo em ilações e pontual em licitudes para apresentar ao mundo um filme apoteótico em matéria de cinema e, também, de humanidade.  

5 comentários:

  1. Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman estão mesmo incríveis. É um grande filme, sem dúvidas, gostei de sua definição de mestrado, hehe. Pena que o Oscar o deixou de fora.

    bjs

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  2. "O Mestre" ainda não estreou por aqui, mas quero muito conferir esse filme do PT Anderson. As obras dele são muito fortes e essa aqui, excluindo a polêmica, não parece ser diferente. Além da história, muito me atrai no longa os seus atores, especialmente Phoenix, Seymour Hoffman e Adams, que eu adoro. Beijos!

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  3. Grande texto Reinaldo à altura deste filme sensacional. Irei revê-lo muitas e muitas vezes! Interpretações épicas. Entorpece ao ponto de meus olhos piscarem pouco.

    PTA se tornando, ou já é, um mestre da sétima arte.

    Abs.

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  4. Há!
    não li o texto, passei os olhos por cima, pq nunca o faço antes de ver o filme, o que, no caso de "O Mestre", só deve acontecer em abril se os cinemas daqui resolverem trazê-lo =(
    mas que bom ver que tu não é a exceção.
    Seu título só sedimenta o quão incrível o novo de PTA parece ser. No aguardo!!

    Abs!

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  5. Amanda: Pois é, a grande injustiça do Oscar deste ano disparado... Pelo menos, ainda que timidamente, o filme está na história como Oscar nominee.
    bjs

    Kamila: Esse filme é imperdível Ka.
    Bjs

    Rodrigo: Sempre gentil esse meu amigo. Obrigado pela deferência meu caro. Filmaço msm!
    Abs

    Elton: Elton e seus tocs... rsrs
    O filme vale a espera.
    Abs

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