segunda-feira, 23 de novembro de 2009

ESPECIAL ABRAÇOS PARTIDOS - Ponto crítico

Claquete inaugura hoje, ainda que sem periodicidade definida, uma nova seção. Em Papo critico, um ou mais críticos de cinema irão abordar, debater, reverberar a obra de um diretor, um filme, uma escola de cinema, uma tendência cinematográfica ou um aspecto mais específico. Pense nessa seção como um desmembramento da bem sucedida seção Insight. Nessa inauguração, o cineasta Pedro Almodóvar é tema de análise do critico de cinema e colaborador de um dos maiores sites de cinema do país, o Cineclick. Heitor Augusto demonstra, além de profundo conhecimento da biografia de Almodóvar, grande poder de contextualização. Ele desconstrói o homem para evidenciar o cineasta.





“Ninguém aborda o desejo como ele”


Singularidade - Heitor acredita que Almodóvar se destaca porque alia recursos valiosos que outros cineastas dispõe, mas imprimindo uma marca pessoal arrojada.“Ninguém aborda o desejo como ele! Especialmente o desejo na sua forma mais dantesca, a neurose a crueldade.Outra coisa que faz Almodóvar ser singular é a maneira que ele trata o absurdo (ou o que convencionamos entender como absurdo) com tremenda sinceridade, mas sem julgamentos. Não foge da raia em mergulhar no que quer, mas não condena seus personagens.”


A extravagância do colorido – Para o critico as cores surgiram para Almodóvar com a mesma naturalidade que o cinema se desvelou para o homem interiorano que chegou a cidade grande. A profusão de referências pop aliadas a truculência de uma ditadura militar alinhavaram, na opinião de Heitor, a identidade visual do cinema de Alomodóvar.
Almodóvar se mudou pra Madrid lá pro fim dos anos 60 porque queria fazer cinema. E o que existia nessa época? Andy Warhol, liberação sexual, Caetano Veloso, David Bowie e Dzi Croquettes. O que falam? Muito sobre o sexo e androgenia humana, libertação por meio do comportamento. Um caldeirão comportamental e cultural que é dividido por todos.
Enquanto a ditadura existia por lá, vários artistas tentavam burlar a linha oficial do país, buscar uma arte que fosse extremamente libertadora de anos de repressão e essencialmente underground (por forças da circunstância). Por isso que quando Franco saiu do poder, explodiu a tal da La Movida Madrilena: quando acabou a ditadura, “surgiu” (na verdade, pra mim, passou a ter espaço pra ser visto) esse momento, de cinema, artes plásticas e teatro.
Aí um cara do interior
vai pra capital e vê tudo isso acontecendo e se acha. Voilá! Você consegue imaginar os anos 60 sem se referenciar a cenários coloridos? Pra mim, a gênesis do excesso de cores está nesses fatores: um desejo de fazer o oposto ao cinza e ao momento sisudo do período de ditadura, aliado ao que acontecia nos anos 60 e também às referências visuais (Andy Warhol e Fellini, por exemplo) e conceituais/temáticas (Buñuel e surrealismo).”


Ele já ganhou um par desses...



A comunicabilidade de seu cinema - Os filmes de Almodóvar são sempre comunicativos e tem a capacidade de se comunicar de forma inteiramente distinta com um mesmo público, em momentos diferentes da vida. Para o crítico, o cineasta valoriza as subjetividades e a contundência de seus personagens e discursos são tanto sua responsabilidade, quanto de quem assiste. “ Em Labirinto de Paixões acho muito mais provável que a sexualidade atinja um público jovem, especialmente um gay adolescente, que esteja naquela fase em que quebrar regras e chutar o pau da barraca é o que vale.
Talvez para os mais velhos, o filho do magnata em Abraços Partidos seja mais contundente. Afinal, ali o diálogo é mais psicológico, esbarra no autoritarismo, posição paterna, a resposta que o ser humano dá quando se sente ferido.
Tudo isso eu digo pra defender que, quanto à sexualidade, depende de qual fase da vida e do acúmulo de vida que o espectador tenha e esteja para achar que “A” ou “B” é mais contundente pra ele.
O mesmo pra religiosidade: a de “Maus Hábitos” pode conversar diretamente com um jovem que acabou de descobrir meia dúzia de sacanagens que a igreja fez ao longo da História. Talvez alguém mais velho se identifique mais com “Má Educação”, porque aquele mundo é contado pelo olhar de alguém que sentiu e passou por tudo aquilo. Alguém adulto e com outras experiências ao longo da vida.”




Em Abraços partidos o diretor colabora pela quarta vez com sua atual musa, Penélope Cruz

Pessoalidade e evolução – A despeito das afirmações (na grande imprensa) de que o cineasta vinha sendo mais introspectivo em seus filmes, Heitor as relativiza. Lembra que elementos de cunho pessoal sempre pautaram a obra do diretor, que não esconde o viés terapêutico que seu cinema lhe proporciona. “ não concordo da premissa que apenas em “Má Educação” e “Volver” ele tratou de temas pessoais. Se você disser que nesses dois filmes seus fantasmas estão mais claros, concordo, afinal, “Volver”, por exemplo, se passa em um lugar rural que, por 'acaso', vem a ser La Mancha, onde o nosso diretor nasceu.
Antes de condenar a igreja em “Má Educação” – eu acho que sou um dos poucos dentro da imensa e heterogênea crítica brasileira que não execra esse filme – ele a ironizou em “Maus Hábitos”. Existe, sim, a igreja que é referência da infância dele, mas também existe a igreja que representa o conservadorismo e apoiou o Franquismo. Ou seja, a igreja do “eu sujeito individual” e a do “eu sujeito coletivo”. E ele maltratou as duas nesses filmes.
Em “Kika”, a Kika é mais mãe do que mulher dos caras que ela se envolve. Mas a figura do tempo toma pesos maiores quando se envelhece, e por isso eu acho que ele vai acertando, pouco a pouco, suas contas com a posição de mãe. Por exemplo: “Abraços Partidos”. A mãe desse filme, tem um lado cuzona muito forte, mas ela tenta proteger seu filho de todas as maneiras (mesmo que da errada). É como se ele desse um sinal (para si próprio e para o espectador): olha, ela não é perfeita, mas teve lá suas razões.
Essa mãe, pra mim, é a mesma mãe morta-viva de “Volver”. Tá claríssimo que ela está longe do projeto perfeito de mãe. Mas, ao longo do filme, vamos pensando 'ah, bem que ela tentou, né?'. O tempo, para um homem que hoje tem praticamente 60 anos, ajudou a redefinir essa mãe.”


Lado feminino - Almodóvar é um cineasta que como poucos emula o feminino. E isso não é fácil de responder o por quê. Para o crítico, o cineasta provoca empatia entre pessoas com o lado feminino aguçado. Podendo ser homens, mulheres, gays, travestis, transexuais e etc. “ Acho que quem tem um forte lado feminino dialoga diretamente com o cinema de Almodóvar, porque ele é, em sua essência, sensível e melodramático.”
Heitor ainda acrescenta: “Outra característica geralmente o associa à mulher, que é a neurose. Aliás, ele adora personagens neuróticas.”


Para quem quer descobrir Pedro Almodóvar, Claquete recomenda, além de ver seus filmes, ler o belo livro Conversas com Almodóvar.









Editora do livro: Jorge Zahar
Autor: Frèdéric Strauss
Ano: 2008

Fotos: divulgação

8 comentários:

  1. Oi Reinaldo!

    Ta tudo bem sim. Obrigada.
    Fora meu pc que ainda ta ruim e descobri ontem, depois de conversar com minha que teremos de comprar um novo, pois ele ta ruim e nem colocando memória irá resolver o problema. Enfim, um gasto inesperado neste final de ano. Mas, fazer o que, ele ta fazendo falta pra mim (ja to ficando doidinha sem ele) e pra minha sobrinha que está na faculdade e precisa digitar seus trabalhos. E tb, este instrumento se torna primordial em nossa vida. Para mim ta fazendo uma baita falta.

    Bem, resumindo, acredito que no máximo em 2 semanas, ja terei um pc novinho em casa. Ai sim poderei me dedicar ao meu blog e de meus amigos com mais calma e tempo. No trabalho é corrido. E nem sempre dá tempo de fazer tudo o que quero.

    Meu jovem cinéfilo, gostaria de agradecer a indicação dos filmes: "a partida" e "uma prova de amor". Os peguein no final de semana, e adorei, principalmente, "a partida". Inclusive, será um dos temas do meu próximo texto. A história é linda demais e muito bem feita. De uma simplicidade e delicadez impressionantes. Conseguiram abordar "a morte" de uma forma linda! Obrigada.

    Li seus textos e adorei. Parabéns pela altíssima qualidade de seu blog Reinaldo!
    Ele está melhor a cada dia.

    Depois com calma, vou voltar aqui para falar mais sobre seus textos. Afinal, são ótimos.

    Um abraço.

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  2. Interessante uma análise mais profunda de Almodóvar, misturando vida e obra, já que é assim mesmo que as coisas caminham. Não há como separar e, para entender, é necessário colocá-las lado a lado.
    Bacana também isso de falar com críticos mais experientes, que sempre têm algo a dizer e a ensinar. Uma boa sacada pra aprender cada vez mais e ir construindo a si próprio. É um processo que nunca terá fim.
    O próximo poderia ser do Woody Allen, né? Neurose e a preferência pelo feminino ele e o Almodóvar têm em comum. Mas, na minha opinião, um opta por mostrar o belo e a high society, o outro opta por mostrar o que é marginalizado e que não segue os padrões socialmente aceitos. Gosto dos dois.
    beijão.

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  3. Não conheço o filme em questão, então não posso comentar muito, mas gostei do seu texto, parabéns. E obrigado por ta sempre passando la pelo meu blog e comentando xD agradeço

    Até a proxima.
    Thiago

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  4. Cintia: Muito obrigado pela presença. Fico feliz que tenha gostado das dicas. Assim me sinto a vontade para dar mais dicas...(rsrs)
    Obrigado tb pelas palavras. Fico muito feliz que vc esteja gostando do meu blog. É meu intuito deixa-lo cada vez melhor e mais atraente para cinéfilos de plantão. Bjs e sorte com o seu próximo computador (rsrs)

    Lygia: Obrigado. Claquete além de opinião e entretenimento, também é jornalismo. E essa constatação será cada vez mais flagrante.

    Thiago: Obrigadão pela visita Thiago. Vc tem que conhecer Abraços partidos, estréia dia 4 de dezembro, é o novo trabalho desse fabuloso diretor que é o Almodóvar. Quanto ao seu blog. Gostei muito.De verdade. Vou bater ponto lá...
    Grande abraço!

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  5. Eu não sou a maior conhecedora do Almodóvar, mas acho ele genial mesmo! E adorei esse post. Super informativo!

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  6. Reinaldo, obrigada pelo post. É tão bom ir no mais profundo de Almodóvar e conferir que ele é extremamente sincero e tão atual, por isso gosto dele. Sinceridade fala muito por Almodóvar. Esta veracidade pesada do sujeito que ele explora de forma leve, não importa o tão complicados e tragicamente "jodidos" somos, ainda somos quem somos.
    Beijos da Madame!

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  7. Obrigado pelo carinho e generosidade de seus comentários madame. É verdade. Almodóvar, para mim é um dos maiores cineastas de todos os tempos. Ainda bem que podemos nos desconstruir através de seus personagens.
    Bjs

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