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terça-feira, 21 de junho de 2011

Questões cinematográficas - A homogeneidade da crítica de cinema e esterilização da análise fílmica

Recentemente, o exercício da crítica de cinema vem sendo bastante questionado. Tanto internamente quanto externamente. O primeiro impacto na credibilidade da crítica surgiu com o advento da internet, agora - na era das redes sociais - a crítica de maneira geral, e a de cinema em particular, padronizam-se perigosamente.
Foi com a eclosão do movimento de cinema chamado Nouvelle vague na França – que consagrava o cinema de autor – que a crítica ganhou status e relevância histórica. Antes dessa virada, era uma atividade que interessava apenas a intelectuais e não reverberava a contento. Depois, apesar de predominar entre intelectuais, desbravou fronteiras sociais e culturais a reboque do cinema hollywoodiano.
A atividade crítica é regida pelo interesse em problematizar a obra. Em apontar suas virtudes, seus equívocos, mas antes disso, direcionar o olhar do espectador. Prover contexto histórico, cultural e cinematográfico ao interlocutor. Sim, pois há uma troca. O leitor busca a crítica à procura de contexto, complementação e, invariavelmente, aprovação. Muito em virtude disso, há leitores que subjulgam sua ida ao cinema ao olhar de determinado crítico. Essa é a razão pela qual muitos críticos melhoram a experiência de se ver determinado filme, por induzir o leitor a refleti-lo fora do espectro delimitado pelo cineasta. É uma atividade rica e de caráter complexo.
Essa complexidade foi se soltando conforme o dinamismo da internet foi se estabelecendo. Essa é uma linha temporal válida para o fim que se propõe esse artigo: radiografar a atividade da crítica em sua contemporaneidade.

 Capa da edição de julho da revista de cinema mais prestigiada do mundo, a britânica Empire: muito cinema e muita informação, zero em crítica


Ser crítico pressupõe vasta bagagem cinematográfica, mas também exige formação cultural sólida e rigor na formulação de seu trabalho. É uma equação engenhosa. Críticos de profundo respaldo midiático não se detém a preceitos básicos da função. Deixam-se levar por gostos pessoais, orientações editoriais ou preconceitos que envolvam suas percepções do mundo ou do cinema. Reside aí um ponto de questionamento atual. Não gostar de um filme não o torna necessariamente ruim. É preciso separar as expectativas pessoais daquelas induzidas pela fita em questão. É preciso analisar uma obra cinematografia por sua proposta. Esquivar-se do lugar comum é recomendável, embora desconfortável. Principalmente quando existe uma estafa na atividade, evidenciada no dinamismo da internet. O público em geral, excetua-se desse montante o cinéfilo, acostumou-se muito rapidamente com resenhas que vão pouco além da sinopse do filme. Análises mais embasadas inquietam esse leitor mais voraz e menos atento. Esse ponto de convergência altera o status quo da crítica de cinema. Muitos críticos cedem às demandas de leitores que não se sentem à vontade com análises pormenorizadas, outros resolvem mastigar o filme em explicações técnicas destacando movimentos de câmeras e frequência de cortes na esperança de comunicar-se com a geração Youtube.

Capa da última edição da revista gaúcha Teorema, uma das poucas a privilegiar a boa crítica de cinema


Existe ainda a inexorável tentação de classificar o filme. Pregar-lhe um rótulo. Não que o crítico deva se abster de classificar um filme como bom ou ruim, mas deve evitar fazê-lo unicamente por meio de adjetivos. É importante embasar sua opinião, atentando para as expectativas do público, do cineasta, da produção cinematográfica (quando for o caso) e discorrer a respeito com a ideia primária de promover o debate. Expandir a experiência cinematográfica. Não se vê muito disso hoje em dia. O maior problema, no entanto, é que não se sente muita falta. Pesquisa encomendada pela rede de tv CNN, em 1995, (quando a internet ainda não era uma realidade tão bem desenhada) revelou que 80% do público americano frequentador de cinema lia resenhas antes ou depois de ir ao cinema. A mesma pesquisa revelou que 60% entendiam que a crítica era importante para que um filme fosse completamente digerido. 50% dos entrevistados asseguraram que liam periodicamente determinados críticos. A CNN encomendou recentemente uma nova pesquisa nos mesmos termos. Datada de 2008, a pesquisa revela mudanças de comportamento no público frequentador de cinema. 50% admitem ler regularmente críticas, mas desse montante, 80 % só o fazem depois de assistir o filme. Esse fato revela que o espectador atual busca a crítica como complemento, preferencialmente se gostou muito do filme ou não o entendeu. Essa imagem de apêndice caracteriza uma regressão cultural. A mesma pesquisa mostrou que 70 % dos americanos que vão regularmente ao cinema não se orientam pelo posicionamento da crítica em relação a determinado filme. Isso ajuda a explicar porque um filme tão difamado quanto Se beber não case-parte II se tornou o hit que é e produções tão elogiadas como Guerra ao terror (o vencedor do Oscar de menor bilheteria da história) são pouco vistas.

Cena de Se beber não case - parte II: filme com péssimas críticas e ótima bilheteria


É lógico que há estratégias de marketing, pontos de distribuição e outros fatores que contribuem para esses números tão dispares, mas a instrumentação da crítica não deixa de ser um fator. A mesma pesquisa revelou que a internet é a principal plataforma para acesso à crítica de cinema. Bem sabe o leitor que há muito gato se passando por lebre no mundo do www. Essa condição empobrece a atividade crítica e provoca desinteresse. Não à toa, as redes sociais já despertam mais o interesse dos principais estúdios e executivos de cinema do que famosos críticos como Roger Ebert e A. O Scott nos EUA e Rubens Ewald Filho e Inácio Araújo no Brasil.
A crítica de cinema é uma atividade, em causa e efeito, em decadência no Brasil e no mundo. Há, no Brasil, poucos críticos que se esmeram nos preceitos básicos da atividade e resistam a consternação provocada pela necessidade de audiência. Cássio Starling Carlos e Luiz Zanin Oricchio são dois deles.
A linha editorial de Claquete obedece à mesma diretriz. O blog acredita que a crítica de cinema é vital para o cinema e para o público. Agrega valor cultural à experiência cinematográfica e amadurece o olhar do espectador. O blog veste-se como arauto no combate à esterilização da análise fílmica que se vislumbra no presente. A padronização imposta pela mudança de comportamento do público, pela escassez de qualificação, pela estafa digital e por equívocos estruturais enraizados em uma demanda equivocada deve ser refutada por quem tem no cinema sua base orgânica.

domingo, 13 de junho de 2010

Ponto crítico - O 3D

Ponto Crítico destaca esse mês uma discussão que vem povoando a mente cinéfila nos últimos meses. Desde o final de 2008, o 3D dava sinais de que era uma aposta dos estúdios de Hollywood para combater a pirataria. O que era tomado como um mecanismo de defesa antigo (o primeiro grande frisson acerca do 3D data dos anos 60), ganhou status de nova ferramenta narrativa após James Cameron impressionar meio mundo (mas nem tanto quanto ele gostaria) com Avatar. A ficção cientifica que levou 8 anos para ser produzida e arrecadou U$ 2,7 bilhões de dólares nas bilheterias do mundo todo, atiçou a ganância de executivos dos principais estúdios de cinema. Avatar e suas cópias em 3D são responsáveis por 50% do faturamento de cinema nos últimos 6 meses. Um dado que com toda a justiça causa euforia nos entusiastas da tecnologia. Há quem acredite que o 3D será um bote salva vidas para um negócio ao relento como o cinema, cujos prejuízos causados pela pirataria aumentam ano após ano. Há quem diga também que esse não é o caso. Que o 3D é uma ferramenta narrativa valiosa que ainda precisa ser plenamente compreendida por diretores e roteiristas. “Nem todos são James Cameron”, constatou o óbvio o amigo e também entusiasta do 3D Robert Zemeckis em entrevista recente.

James Cameron, o midas do 3D: ele transformou o apelo da tecnologia para os próximos anos


Cartaz promocional de Toy Story 3, que estréia esta semana nos EUA: Por que não em 3D?

Cristiane Costa, editora do blog Madame Lumière, acrescenta um dado a essa engenhosa equação. “Para quem ama cinema como um espectador, é compensador perceber que há um interesse da indústria em tornar a experiência cinematográfica mais vívida, mais evocativamente sensorial como um híbrido momento de realidade e fantasia, independente de propósitos comerciais. Por outro lado, como crítica de cinema, penso que o 3D tem sido usado de forma exagerada sem prezar pela qualidade da tecnologia para um dado filme, e principalmente, sem avaliar criteriosamente se um longa-metragem deve ou não ser rodado em 3D”. Cristiane se refere a corrida ensandecida que alguns estúdios tem se lançado para converterem filmes rodados no tradicional 2D para a terceira dimensão. A Warner é o caso mais excepcional. O estúdio adiou o lançamento de Fúria de Titãs em quase um mês para que as cópias fossem convertidas para o 3D. Os dois últimos capítulos da saga de Harry Potter também estão sendo convertidos para o formato tridimensional. A Disney foi outra que enveredou pelo mesmo caminho. Os ingressos do 3D ajudaram a tornar Alice no país das maravilhas o quinto filme a superar a barreira do bilhão de dólares nas bilheterias mundiais. Alex Gonçalves, do blog Cine Resenhas, gostou do que viu em Alice no país das maravilhas. Para ele, o filme de Tim Burton “encontra vida dentro do 3D”. Mas Alex Gonçalves faz uma valiosa ressalva: “ há diretores como James Cameron que estudam possibilidades de revolucionar o cinema 3D como testemunhado em Avatar. O problema se encontra na abertura dada para que estúdios se deem ao trabalho de somente converter aquilo que foi filmado com uma estratégia de lançamento diferente. É preciso saber fazer com que as ações vistas na tela grande consigam encontrar interatividade com aqueles que as contemplam em suas poltronas.”


Os ingressos em 3D ajudaram a Disney a arrecadar mais de U$ 1 bulhão nas bilheterias com o filme de Tim Burton


A editora do Madame Lumière, por sua vez, não aprovou o que viu em Fúria de Titãs. “Havia erros bizarros de perspectivas de imagens que se tornaram confusas na tela, ou seja, foi como assistir um filme retalhado às pressas para ser exibido em 3 D”. Cristiane continua: “A sensação é que fui enganada por um produto que não se dispõe a entregar o que deveria”.
Outra preocupação latente originada pela popularização do 3D (a cidade de São Paulo que há três anos tinha 10 salas habilitadas para exibir filmes no formato, hoje já conta com 35) é a homogeneização da produção cinematográfica americana. Setores da crítica argumentam que o 3D pode prejudicar severamente a produção independente americana, já que seria mais difícil os estúdios distribuírem ou comprarem esses filmes com a procura pelo 3D em ebulição. A editora do Madame Lumière não acredita nessa possibilidade. “Não acho que o 3 D possa prejudicar produções independentes porque o cinema é um calidoscópio de imagens que podem ser enfocadas e dirigidas de formas distintas exatamente para não alienar o expectador da sétima Arte. Há lugar para todos e o papel do cinema não é somente entreter mas também formar opinião crítica”. Para Cristiane Costa depende dos profissionais de cinema (diretores e equipes de produção) a articulação de soluções criativas para que a produção americana não fique engessada pelo deslumbre com o 3D.


Chris Nolan orienta Aaron Eckhart nos sets de Batman - o cavaleiro das trevas: o diretor bateu o pé com a Warner e garantiu que o terceiro filme do homem morcego sob seu comando não será em 3D


E quanto a salvação do cinema? O 3D é o caminho? Os blogueiros consultados por Claquete diferem em suas opiniões. “Honestamente penso que o Cinema não precisa ser salvo, muito menos pelo 3 D. O Cinema está além de artefatos meramente técnicos e é evidente perceber que os grandes blockbusters das últimas temporadas renderam o retorno financeiro sem apelar somente para o 3 D. O 3 D é um produto e como todo produto lançado com fins também comerciais, ele é baseado em uma tendência de consumo”, declara com convicção Cristiane Costa. Já Alex Gonçalves pondera que as inovações tecnológicas são responsáveis pela prosperidade do cinema. “O cinema sempre confere inovações tecnológicas, que vão desde aparelhos para reprodução de mídias até o próprio cinema 3D. Porém, todos esses avanços possuem data de validade, como o VHS que foi superado pelo DVD e que agora encontrou no Blu-ray seu provável substituto. O que quero dizer é que enquanto os estúdios não forem capazes de se sobressaírem dentro deste recurso, e não encará-lo somente como forma de potencializar a venda de seu produto, o público logo se cansará de investir mais no valor do ingresso”. Para o editor do Cine Resenhas, dentro deste cenário, o 3D é uma salvação para o cinema, mesmo que por um período determinado.
Cristiane Costa encerra a discussão sobre o 3D com uma frase que talvez sintetize o pensamento de todo apaixonado por cinema: “O que faz um bom Cinema é muito mais criar um éden de emoções humanas através de histórias genuinamente coerentes, profundas e verdadeiras do que um éden de recursos tecnológicos”.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Retrospectiva 2009 - Ponto crítico

A coluna Ponto crítico desse mês entra no clima do fim de ano. O momento é de olhar para esse ano de 2009 e ver o que ele trouxe de bom, de ruim, de surpreendente e de contraditório nessa fábrica de sonhos, e paixões, que é o cinema. Para passar o ano a limpo, Claquete recebe três críticos de cinema, e antes disso, cinéfilos incuráveis que abrilhantam esse blog com suas análises, divagações e percepções do que foi, afinal, 2009 nos cinemas. Ana Kamila Azevedo é editora do blog Cinéfila por Natureza, Eduardo Frota, jornalista e critico de cinema do Jornal do Brasil, também edita o blog Cinéfilo, eu? e, por fim, Bruno Soares, o responsável pelo blog que leva suas inicias BS movies. A pedido de Claquete os três falaram sobre os destaques de 2009. Demonstraram profundo senso critico e juntos construíram um inventário cinematográfico do ano.

“Uma tarefa complexa demais”

Balanço geral: “Fazer um balanço do ano é tarefa complexa demais. Acabo sempre deixando de fora um punhado de filmes que merecem destaque”, declara logo de inicio Eduardo Frota. O jornalista contextualiza sua opinião com um sintoma dos dias atuais: “O Festival Internacional do Rio deu um bom exemplo da quantidade de coisa interessante sendo filmada ao redor do mundo, mas que não chega aos olhos do público em geral”. Se para Eduardo muito do que teve de melhor no cinema, não chegou ao circuito comercial, para Bruno Soares aqueles que fizeram sucesso em festivais, em especial o de Cannes, e ganharam o circuitão foram destaque. Ele citou como os expoentes do ano Amantes (que participou do festival de Cannes de 2008), Bastardos inglórios (que ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes esse ano), A fita Branca (o vencedor da Palma de ouro desse ano) e Abraços partidos (que concorreu na seleção oficial do festival).

Quentin Tarantino, a direita de Diane Krueger,e seus bastardos: Uma unanimidade na crítica brasileira

Diretores consagrados: Tanto em Cannes, como no ano, tivemos diretores consagrados. O ano sem dúvida alguma foi marcado por figuras como Almodóvar, Tarantino e Lars Von Tier. Com Anticristo, o dinamarquês voltou às polêmicas. “Para mim é difícil falar de Lars Von Trier. Considero o cineasta como um dos maiores provocadores do nosso tempo. E, tratando-se de cinema, gosto muito de ser provocado, de sair de um lugar cômodo. O filme não é a melhor obra dele, mas ainda assim consegue imprimir beleza em um tema extremamente pesado. A estética de Von Trier é absolutamente única e incrível. No fim das contas, para mim, não se tratou de um filme de terror. É um filme sobre terror, visualmente impecável!” 2009 também foi o ano de Tarantino recuperar o status de gênio que lhe parecia escapar. “O que aconteceu na cabeça do Quentin Tarantino quando resolveu fazer um filme europeu?”, pergunta Bruno, para depois emendar a resposta: “A cada fotograma, Tarantino demonstra amor incondicional aos grandes mestres - Leone e os grandes nomes da Nouvelle Vague, François Truffaut, Jean-Luc Godard, entre outros.”
Amantes, do diretor James Gray, é outro filme americano de alma européia na avaliação de Bruno. “Ao contrário de Bastardos Inglórios, o filme se passa em solo americano, mas segue a mesma virtude autoral que o trabalho do Tarantino quando se conjuga através de uma visão de mundo particularíssima, exposta por personagens que, sem pressa alguma, desenvolvem toda a narrativa - um olhar ambicioso sobre a alienação e o ceticismo da geração que encara o amor como uma grande paranóia.”

A fita branca, vencedor da Palma de ouro em Cannes, foi um dos filmes mais festejados esse ano. Contudo, o filme ainda não estreou comercialmente no país

2009 também foi o ano de Almodóvar retomar sua parceria com sua atual musa, Penélope Cruz. Para Bruno, Almodóvar se desafia ao propor um cinema com veia investigativa, algo que não costuma pontuar a obra do cineasta. “Abraços Partidos, pode não ser tão redondo quanto os melhores filmes do diretor espanhol, mas conquista justamente por essa ambição romântica. Em Abraços Partidos, uma mulher entra e sai despercebida de uma sala porque tudo o que ela tem pra dizer já está sendo exposto por uma projeção. Em Abraços Partidos, um homem financia um longa-metragem pra que este lhe conte a verdade sobre sua relação conjugal. É o cinema pelo cinema”. Outro diretor que mereceu destaque em 2009 foi Michael Haneke. “Do Michael Haneke tivemos A fita branca, mas do Haneke nós já devemos esperar essa curiosidade em atingir os limites do cinema como narrativa, afinal o homem já fez Violência Gratuita e Caché, entre outras teses extremamente complexas sobre o cinema e a relação que essa arte tende a ter com o público”, contextualiza Bruno. Eduardo lembra ainda de um diretor, Werner Herzog, que esteve com dois filmes em Veneza e que teve um deles, Vicio frenético, exibido no festival do Rio e na Mostra de São Paulo. “É espetacular!”

Almodóvar e Lars Von Trier foram figuras centrais em um bom ano para os realizadores

Cinema nacional: O cinema nacional teve um ano de frutos nas bilheterias como bem lembra Ana Kamila: “O cinema brasileiro teve um ano bastante fértil em 2009, porém a maior constatação da indústria, nestes doze meses, foi o tanto que ela está fortalecida, uma vez que tivemos dois grandes sucessos de bilheteria neste ano: Se Eu Fosse Você 2, de Daniel Filho, e A Mulher Invisível, do diretor Cláudio Torres. Não por coincidência os dois filmes são comédias – gênero que é um dos preferidos do público em geral – e são apoiados por atores carismáticos como Glória Pires, Tony Ramos, Selton Mello e Luana Piovani”.
Ana Kamila aponta o novo filme de Heitor Dhalia como a melhor produção brasileira do ano, segundo ela o filme “conta uma história de apelo universal com imagens belas e um ritmo totalmente envolvente.” Isso deve-se, de acordo com a editora do Cinéfila por Natureza, a uma percepção de que há espaço, e público, para um cinema que fuja do mainstream. “Nesse sentido, se destacam filmes como À Deriva, de Heitor Dhalia, que joga um olhar sobre a transição entre infância e adolescência de uma jovem que está em plena crise familiar; e Apenas o Fim, primeiro filme do diretor e roteirista Matheus Souza, o qual emula gente como Richard Linklater, porém mostra um enorme potencial e que nos deixa bastante otimistas em relação ao futuro de nossa indústria cinematográfica.” O entendimento de Ana Kamila é endossado por Eduardo: “À deriva é o melhor filme nacional do ano. Aliás, um dos melhores do ano e ponto final. Heitor Dhalia se consagra como um dos grandes realizadores brasileiros. Roteiro, fotografia, atuações – é tudo convincente demais. Me lembrou os belos e fortes argumentos de Wim Wenders. Saí do cinema dolorido, extasiado, embasbacado. Um filme forte, intenso, tocante e escandalosamente bem feito”, exalta o crítico.
Justamente, por ter em mente a qualidade de À deriva, que Ana Kamila lamenta a escolha de Salve geral para ser o representante brasileiro na briga por uma indicação ao Oscar. “Representa a reunião de todos aqueles tiques e clichês presentes em alguns dos nossos mais bem-sucedidos filmes: a tentativa de fazer um retrato da violência, um dos problemas mais sérios da nossa sociedade, mas sem a coragem de um Cidade de Deus ou de um Tropa de Elite”. E a crítica lança o desafio: “Quando será que iremos aprender a destacar as singularidades de nossa indústria, como outras escolas da América Latina, especialmente a argentina?”

O Francês Vincent Cassel e a estreante Paula Neiva em cena de À deriva: Vem do Brasil, um dos melhores filmes do ano

Os documentários musicais, uma nova tendência: Mas o cinema brasileiro se fortaleceu. Um dos indicadores mais robustos dessa musculatura adquirida, é justamente o documentário. Além de Garapa, que nas palavras de Ana Kamila, “lança um olhar dilacerante sobre a fome ao acompanhar a rotina de famílias cearenses”, a música, em suas várias expressões, ganhou atenção do cinema. “Somente neste ano, foram lançadas obras como A Vida Até Parece uma Festa, de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves, que fala sobre os Titãs; Favela on Blast, de Leandro HBL e Wesley Pantz, que mostra o funk carioca; Loki, Arnaldo Baptista, de Paulo Henrique Fontenelle, sobre o ex-integrante dos Mutantes; Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei”, de Micael Langer, Cláudio Manoel e Calvito Leal, que tenta fazer justiça à história do cantor Wilson Simonal e Herbert de Perto, de Roberto Berliner e Pedro Bronz, que enfoca o líder dos Paralamas do Sucesso”, lembra a editora do Cinéfila por Natureza.

As angústias de Caetano Veloso foram tema de Coração vagabundo: O documentário honrou a música brasileira em 2009

O melhor do resto: Mas o ano não foi só isso, é claro. Filmes como o sul coreano O caçador, o indie americano 500 dias com ela e o misto de ficção e documentário Entre os muros da escola também chamaram a atenção em um ano marcado por bilheterias homéricas de bruxos e robôs gigantes. O que motiva a reflexão de Bruno: “A verdade é que hoje Hollywood não sobrevive sem seus super-heróis. Mas o que fere a indústria como todo não é nem a dependência, mas sim o custo das produções atuais. Para cada Homem-Aranha feito, dezenas de projetos menores são deixados de lado. Não é à toa que Tarantino, sonhador nato, fugiu para longe dessa realidade.”

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

ESPECIAL ABRAÇOS PARTIDOS - Ponto crítico

Claquete inaugura hoje, ainda que sem periodicidade definida, uma nova seção. Em Papo critico, um ou mais críticos de cinema irão abordar, debater, reverberar a obra de um diretor, um filme, uma escola de cinema, uma tendência cinematográfica ou um aspecto mais específico. Pense nessa seção como um desmembramento da bem sucedida seção Insight. Nessa inauguração, o cineasta Pedro Almodóvar é tema de análise do critico de cinema e colaborador de um dos maiores sites de cinema do país, o Cineclick. Heitor Augusto demonstra, além de profundo conhecimento da biografia de Almodóvar, grande poder de contextualização. Ele desconstrói o homem para evidenciar o cineasta.





“Ninguém aborda o desejo como ele”


Singularidade - Heitor acredita que Almodóvar se destaca porque alia recursos valiosos que outros cineastas dispõe, mas imprimindo uma marca pessoal arrojada.“Ninguém aborda o desejo como ele! Especialmente o desejo na sua forma mais dantesca, a neurose a crueldade.Outra coisa que faz Almodóvar ser singular é a maneira que ele trata o absurdo (ou o que convencionamos entender como absurdo) com tremenda sinceridade, mas sem julgamentos. Não foge da raia em mergulhar no que quer, mas não condena seus personagens.”


A extravagância do colorido – Para o critico as cores surgiram para Almodóvar com a mesma naturalidade que o cinema se desvelou para o homem interiorano que chegou a cidade grande. A profusão de referências pop aliadas a truculência de uma ditadura militar alinhavaram, na opinião de Heitor, a identidade visual do cinema de Alomodóvar.
Almodóvar se mudou pra Madrid lá pro fim dos anos 60 porque queria fazer cinema. E o que existia nessa época? Andy Warhol, liberação sexual, Caetano Veloso, David Bowie e Dzi Croquettes. O que falam? Muito sobre o sexo e androgenia humana, libertação por meio do comportamento. Um caldeirão comportamental e cultural que é dividido por todos.
Enquanto a ditadura existia por lá, vários artistas tentavam burlar a linha oficial do país, buscar uma arte que fosse extremamente libertadora de anos de repressão e essencialmente underground (por forças da circunstância). Por isso que quando Franco saiu do poder, explodiu a tal da La Movida Madrilena: quando acabou a ditadura, “surgiu” (na verdade, pra mim, passou a ter espaço pra ser visto) esse momento, de cinema, artes plásticas e teatro.
Aí um cara do interior
vai pra capital e vê tudo isso acontecendo e se acha. Voilá! Você consegue imaginar os anos 60 sem se referenciar a cenários coloridos? Pra mim, a gênesis do excesso de cores está nesses fatores: um desejo de fazer o oposto ao cinza e ao momento sisudo do período de ditadura, aliado ao que acontecia nos anos 60 e também às referências visuais (Andy Warhol e Fellini, por exemplo) e conceituais/temáticas (Buñuel e surrealismo).”


Ele já ganhou um par desses...



A comunicabilidade de seu cinema - Os filmes de Almodóvar são sempre comunicativos e tem a capacidade de se comunicar de forma inteiramente distinta com um mesmo público, em momentos diferentes da vida. Para o crítico, o cineasta valoriza as subjetividades e a contundência de seus personagens e discursos são tanto sua responsabilidade, quanto de quem assiste. “ Em Labirinto de Paixões acho muito mais provável que a sexualidade atinja um público jovem, especialmente um gay adolescente, que esteja naquela fase em que quebrar regras e chutar o pau da barraca é o que vale.
Talvez para os mais velhos, o filho do magnata em Abraços Partidos seja mais contundente. Afinal, ali o diálogo é mais psicológico, esbarra no autoritarismo, posição paterna, a resposta que o ser humano dá quando se sente ferido.
Tudo isso eu digo pra defender que, quanto à sexualidade, depende de qual fase da vida e do acúmulo de vida que o espectador tenha e esteja para achar que “A” ou “B” é mais contundente pra ele.
O mesmo pra religiosidade: a de “Maus Hábitos” pode conversar diretamente com um jovem que acabou de descobrir meia dúzia de sacanagens que a igreja fez ao longo da História. Talvez alguém mais velho se identifique mais com “Má Educação”, porque aquele mundo é contado pelo olhar de alguém que sentiu e passou por tudo aquilo. Alguém adulto e com outras experiências ao longo da vida.”




Em Abraços partidos o diretor colabora pela quarta vez com sua atual musa, Penélope Cruz

Pessoalidade e evolução – A despeito das afirmações (na grande imprensa) de que o cineasta vinha sendo mais introspectivo em seus filmes, Heitor as relativiza. Lembra que elementos de cunho pessoal sempre pautaram a obra do diretor, que não esconde o viés terapêutico que seu cinema lhe proporciona. “ não concordo da premissa que apenas em “Má Educação” e “Volver” ele tratou de temas pessoais. Se você disser que nesses dois filmes seus fantasmas estão mais claros, concordo, afinal, “Volver”, por exemplo, se passa em um lugar rural que, por 'acaso', vem a ser La Mancha, onde o nosso diretor nasceu.
Antes de condenar a igreja em “Má Educação” – eu acho que sou um dos poucos dentro da imensa e heterogênea crítica brasileira que não execra esse filme – ele a ironizou em “Maus Hábitos”. Existe, sim, a igreja que é referência da infância dele, mas também existe a igreja que representa o conservadorismo e apoiou o Franquismo. Ou seja, a igreja do “eu sujeito individual” e a do “eu sujeito coletivo”. E ele maltratou as duas nesses filmes.
Em “Kika”, a Kika é mais mãe do que mulher dos caras que ela se envolve. Mas a figura do tempo toma pesos maiores quando se envelhece, e por isso eu acho que ele vai acertando, pouco a pouco, suas contas com a posição de mãe. Por exemplo: “Abraços Partidos”. A mãe desse filme, tem um lado cuzona muito forte, mas ela tenta proteger seu filho de todas as maneiras (mesmo que da errada). É como se ele desse um sinal (para si próprio e para o espectador): olha, ela não é perfeita, mas teve lá suas razões.
Essa mãe, pra mim, é a mesma mãe morta-viva de “Volver”. Tá claríssimo que ela está longe do projeto perfeito de mãe. Mas, ao longo do filme, vamos pensando 'ah, bem que ela tentou, né?'. O tempo, para um homem que hoje tem praticamente 60 anos, ajudou a redefinir essa mãe.”


Lado feminino - Almodóvar é um cineasta que como poucos emula o feminino. E isso não é fácil de responder o por quê. Para o crítico, o cineasta provoca empatia entre pessoas com o lado feminino aguçado. Podendo ser homens, mulheres, gays, travestis, transexuais e etc. “ Acho que quem tem um forte lado feminino dialoga diretamente com o cinema de Almodóvar, porque ele é, em sua essência, sensível e melodramático.”
Heitor ainda acrescenta: “Outra característica geralmente o associa à mulher, que é a neurose. Aliás, ele adora personagens neuróticas.”


Para quem quer descobrir Pedro Almodóvar, Claquete recomenda, além de ver seus filmes, ler o belo livro Conversas com Almodóvar.









Editora do livro: Jorge Zahar
Autor: Frèdéric Strauss
Ano: 2008

Fotos: divulgação