terça-feira, 21 de junho de 2011
Questões cinematográficas - A homogeneidade da crítica de cinema e esterilização da análise fílmica
domingo, 13 de junho de 2010
Ponto crítico - O 3D


Cristiane Costa, editora do blog Madame Lumière, acrescenta um dado a essa engenhosa equação. “Para quem ama cinema como um espectador, é compensador perceber que há um interesse da indústria em tornar a experiência cinematográfica mais vívida, mais evocativamente sensorial como um híbrido momento de realidade e fantasia, independente de propósitos comerciais. Por outro lado, como crítica de cinema, penso que o 3D tem sido usado de forma exagerada sem prezar pela qualidade da tecnologia para um dado filme, e principalmente, sem avaliar criteriosamente se um longa-metragem deve ou não ser rodado em 3D”. Cristiane se refere a corrida ensandecida que alguns estúdios tem se lançado para converterem filmes rodados no tradicional 2D para a terceira dimensão. A Warner é o caso mais excepcional. O estúdio adiou o lançamento de Fúria de Titãs em quase um mês para que as cópias fossem convertidas para o 3D. Os dois últimos capítulos da saga de Harry Potter também estão sendo convertidos para o formato tridimensional. A Disney foi outra que enveredou pelo mesmo caminho. Os ingressos do 3D ajudaram a tornar Alice no país das maravilhas o quinto filme a superar a barreira do bilhão de dólares nas bilheterias mundiais. Alex Gonçalves, do blog Cine Resenhas, gostou do que viu em Alice no país das maravilhas. Para ele, o filme de Tim Burton “encontra vida dentro do 3D”. Mas Alex Gonçalves faz uma valiosa ressalva: “ há diretores como James Cameron que estudam possibilidades de revolucionar o cinema 3D como testemunhado em Avatar. O problema se encontra na abertura dada para que estúdios se deem ao trabalho de somente converter aquilo que foi filmado com uma estratégia de lançamento diferente. É preciso saber fazer com que as ações vistas na tela grande consigam encontrar interatividade com aqueles que as contemplam em suas poltronas.”

A editora do Madame Lumière, por sua vez, não aprovou o que viu em Fúria de Titãs. “Havia erros bizarros de perspectivas de imagens que se tornaram confusas na tela, ou seja, foi como assistir um filme retalhado às pressas para ser exibido em 3 D”. Cristiane continua: “A sensação é que fui enganada por um produto que não se dispõe a entregar o que deveria”.
Outra preocupação latente originada pela popularização do 3D (a cidade de São Paulo que há três anos tinha 10 salas habilitadas para exibir filmes no formato, hoje já conta com 35) é a homogeneização da produção cinematográfica americana. Setores da crítica argumentam que o 3D pode prejudicar severamente a produção independente americana, já que seria mais difícil os estúdios distribuírem ou comprarem esses filmes com a procura pelo 3D em ebulição. A editora do Madame Lumière não acredita nessa possibilidade. “Não acho que o 3 D possa prejudicar produções independentes porque o cinema é um calidoscópio de imagens que podem ser enfocadas e dirigidas de formas distintas exatamente para não alienar o expectador da sétima Arte. Há lugar para todos e o papel do cinema não é somente entreter mas também formar opinião crítica”. Para Cristiane Costa depende dos profissionais de cinema (diretores e equipes de produção) a articulação de soluções criativas para que a produção americana não fique engessada pelo deslumbre com o 3D.

E quanto a salvação do cinema? O 3D é o caminho? Os blogueiros consultados por Claquete diferem em suas opiniões. “Honestamente penso que o Cinema não precisa ser salvo, muito menos pelo 3 D. O Cinema está além de artefatos meramente técnicos e é evidente perceber que os grandes blockbusters das últimas temporadas renderam o retorno financeiro sem apelar somente para o 3 D. O 3 D é um produto e como todo produto lançado com fins também comerciais, ele é baseado em uma tendência de consumo”, declara com convicção Cristiane Costa. Já Alex Gonçalves pondera que as inovações tecnológicas são responsáveis pela prosperidade do cinema. “O cinema sempre confere inovações tecnológicas, que vão desde aparelhos para reprodução de mídias até o próprio cinema 3D. Porém, todos esses avanços possuem data de validade, como o VHS que foi superado pelo DVD e que agora encontrou no Blu-ray seu provável substituto. O que quero dizer é que enquanto os estúdios não forem capazes de se sobressaírem dentro deste recurso, e não encará-lo somente como forma de potencializar a venda de seu produto, o público logo se cansará de investir mais no valor do ingresso”. Para o editor do Cine Resenhas, dentro deste cenário, o 3D é uma salvação para o cinema, mesmo que por um período determinado.
Cristiane Costa encerra a discussão sobre o 3D com uma frase que talvez sintetize o pensamento de todo apaixonado por cinema: “O que faz um bom Cinema é muito mais criar um éden de emoções humanas através de histórias genuinamente coerentes, profundas e verdadeiras do que um éden de recursos tecnológicos”.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Retrospectiva 2009 - Ponto crítico
“Uma tarefa complexa demais”
Balanço geral: “Fazer um balanço do ano é tarefa complexa demais. Acabo sempre deixando de fora um punhado de filmes que merecem destaque”, declara logo de inicio Eduardo Frota. O jornalista contextualiza sua opinião com um sintoma dos dias atuais: “O Festival Internacional do Rio deu um bom exemplo da quantidade de coisa interessante sendo filmada ao redor do mundo, mas que não chega aos olhos do público em geral”. Se para Eduardo muito do que teve de melhor no cinema, não chegou ao circuito comercial, para Bruno Soares aqueles que fizeram sucesso em festivais, em especial o de Cannes, e ganharam o circuitão foram destaque. Ele citou como os expoentes do ano Amantes (que participou do festival de Cannes de 2008), Bastardos inglórios (que ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes esse ano), A fita Branca (o vencedor da Palma de ouro desse ano) e Abraços partidos (que concorreu na seleção oficial do festival).

Amantes, do diretor James Gray, é outro filme americano de alma européia na avaliação de Bruno. “Ao contrário de Bastardos Inglórios, o filme se passa em solo americano, mas segue a mesma virtude autoral que o trabalho do Tarantino quando se conjuga através de uma visão de mundo particularíssima, exposta por personagens que, sem pressa alguma, desenvolvem toda a narrativa - um olhar ambicioso sobre a alienação e o ceticismo da geração que encara o amor como uma grande paranóia.”

2009 também foi o ano de Almodóvar retomar sua parceria com sua atual musa, Penélope Cruz. Para Bruno, Almodóvar se desafia ao propor um cinema com veia investigativa, algo que não costuma pontuar a obra do cineasta. “Abraços Partidos, pode não ser tão redondo quanto os melhores filmes do diretor espanhol, mas conquista justamente por essa ambição romântica. Em Abraços Partidos, uma mulher entra e sai despercebida de uma sala porque tudo o que ela tem pra dizer já está sendo exposto por uma projeção. Em Abraços Partidos, um homem financia um longa-metragem pra que este lhe conte a verdade sobre sua relação conjugal. É o cinema pelo cinema”. Outro diretor que mereceu destaque em 2009 foi Michael Haneke. “Do Michael Haneke tivemos A fita branca, mas do Haneke nós já devemos esperar essa curiosidade em atingir os limites do cinema como narrativa, afinal o homem já fez Violência Gratuita e Caché, entre outras teses extremamente complexas sobre o cinema e a relação que essa arte tende a ter com o público”, contextualiza Bruno. Eduardo lembra ainda de um diretor, Werner Herzog, que esteve com dois filmes em Veneza e que teve um deles, Vicio frenético, exibido no festival do Rio e na Mostra de São Paulo. “É espetacular!”

Ana Kamila aponta o novo filme de Heitor Dhalia como a melhor produção brasileira do ano, segundo ela o filme “conta uma história de apelo universal com imagens belas e um ritmo totalmente envolvente.” Isso deve-se, de acordo com a editora do Cinéfila por Natureza, a uma percepção de que há espaço, e público, para um cinema que fuja do mainstream. “Nesse sentido, se destacam filmes como À Deriva, de Heitor Dhalia, que joga um olhar sobre a transição entre infância e adolescência de uma jovem que está em plena crise familiar; e Apenas o Fim, primeiro filme do diretor e roteirista Matheus Souza, o qual emula gente como Richard Linklater, porém mostra um enorme potencial e que nos deixa bastante otimistas em relação ao futuro de nossa indústria cinematográfica.” O entendimento de Ana Kamila é endossado por Eduardo: “À deriva é o melhor filme nacional do ano. Aliás, um dos melhores do ano e ponto final. Heitor Dhalia se consagra como um dos grandes realizadores brasileiros. Roteiro, fotografia, atuações – é tudo convincente demais. Me lembrou os belos e fortes argumentos de Wim Wenders. Saí do cinema dolorido, extasiado, embasbacado. Um filme forte, intenso, tocante e escandalosamente bem feito”, exalta o crítico.
Justamente, por ter em mente a qualidade de À deriva, que Ana Kamila lamenta a escolha de Salve geral para ser o representante brasileiro na briga por uma indicação ao Oscar. “Representa a reunião de todos aqueles tiques e clichês presentes em alguns dos nossos mais bem-sucedidos filmes: a tentativa de fazer um retrato da violência, um dos problemas mais sérios da nossa sociedade, mas sem a coragem de um Cidade de Deus ou de um Tropa de Elite”. E a crítica lança o desafio: “Quando será que iremos aprender a destacar as singularidades de nossa indústria, como outras escolas da América Latina, especialmente a argentina?”

Os documentários musicais, uma nova tendência: Mas o cinema brasileiro se fortaleceu. Um dos indicadores mais robustos dessa musculatura adquirida, é justamente o documentário. Além de Garapa, que nas palavras de Ana Kamila, “lança um olhar dilacerante sobre a fome ao acompanhar a rotina de famílias cearenses”, a música, em suas várias expressões, ganhou atenção do cinema. “Somente neste ano, foram lançadas obras como A Vida Até Parece uma Festa, de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves, que fala sobre os Titãs; Favela on Blast, de Leandro HBL e Wesley Pantz, que mostra o funk carioca; Loki, Arnaldo Baptista, de Paulo Henrique Fontenelle, sobre o ex-integrante dos Mutantes; Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei”, de Micael Langer, Cláudio Manoel e Calvito Leal, que tenta fazer justiça à história do cantor Wilson Simonal e Herbert de Perto, de Roberto Berliner e Pedro Bronz, que enfoca o líder dos Paralamas do Sucesso”, lembra a editora do Cinéfila por Natureza.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009
ESPECIAL ABRAÇOS PARTIDOS - Ponto crítico

“Ninguém aborda o desejo como ele”
Singularidade - Heitor acredita que Almodóvar se destaca porque alia recursos valiosos que outros cineastas dispõe, mas imprimindo uma marca pessoal arrojada.“Ninguém aborda o desejo como ele! Especialmente o desejo na sua forma mais dantesca, a neurose a crueldade.Outra coisa que faz Almodóvar ser singular é a maneira que ele trata o absurdo (ou o que convencionamos entender como absurdo) com tremenda sinceridade, mas sem julgamentos. Não foge da raia em mergulhar no que quer, mas não condena seus personagens.”
A extravagância do colorido – Para o critico as cores surgiram para Almodóvar com a mesma naturalidade que o cinema se desvelou para o homem interiorano que chegou a cidade grande. A profusão de referências pop aliadas a truculência de uma ditadura militar alinhavaram, na opinião de Heitor, a identidade visual do cinema de Alomodóvar.
“Almodóvar se mudou pra Madrid lá pro fim dos anos 60 porque queria fazer cinema. E o que existia nessa época? Andy Warhol, liberação sexual, Caetano Veloso, David Bowie e Dzi Croquettes. O que falam? Muito sobre o sexo e androgenia humana, libertação por meio do comportamento. Um caldeirão comportamental e cultural que é dividido por todos.
Enquanto a ditadura existia por lá, vários artistas tentavam burlar a linha oficial do país, buscar uma arte que fosse extremamente libertadora de anos de repressão e essencialmente underground (por forças da circunstância). Por isso que quando Franco saiu do poder, explodiu a tal da La Movida Madrilena: quando acabou a ditadura, “surgiu” (na verdade, pra mim, passou a ter espaço pra ser visto) esse momento, de cinema, artes plásticas e teatro.
Aí um cara do interior vai pra capital e vê tudo isso acontecendo e se acha. Voilá! Você consegue imaginar os anos 60 sem se referenciar a cenários coloridos? Pra mim, a gênesis do excesso de cores está nesses fatores: um desejo de fazer o oposto ao cinza e ao momento sisudo do período de ditadura, aliado ao que acontecia nos anos 60 e também às referências visuais (Andy Warhol e Fellini, por exemplo) e conceituais/temáticas (Buñuel e surrealismo).”

A comunicabilidade de seu cinema - Os filmes de Almodóvar são sempre comunicativos e tem a capacidade de se comunicar de forma inteiramente distinta com um mesmo público, em momentos diferentes da vida. Para o crítico, o cineasta valoriza as subjetividades e a contundência de seus personagens e discursos são tanto sua responsabilidade, quanto de quem assiste. “ Em Labirinto de Paixões acho muito mais provável que a sexualidade atinja um público jovem, especialmente um gay adolescente, que esteja naquela fase em que quebrar regras e chutar o pau da barraca é o que vale.
Talvez para os mais velhos, o filho do magnata em Abraços Partidos seja mais contundente. Afinal, ali o diálogo é mais psicológico, esbarra no autoritarismo, posição paterna, a resposta que o ser humano dá quando se sente ferido.
Tudo isso eu digo pra defender que, quanto à sexualidade, depende de qual fase da vida e do acúmulo de vida que o espectador tenha e esteja para achar que “A” ou “B” é mais contundente pra ele.
O mesmo pra religiosidade: a de “Maus Hábitos” pode conversar diretamente com um jovem que acabou de descobrir meia dúzia de sacanagens que a igreja fez ao longo da História. Talvez alguém mais velho se identifique mais com “Má Educação”, porque aquele mundo é contado pelo olhar de alguém que sentiu e passou por tudo aquilo. Alguém adulto e com outras experiências ao longo da vida.”

Em Abraços partidos o diretor colabora pela quarta vez com sua atual musa, Penélope Cruz
Pessoalidade e evolução – A despeito das afirmações (na grande imprensa) de que o cineasta vinha sendo mais introspectivo em seus filmes, Heitor as relativiza. Lembra que elementos de cunho pessoal sempre pautaram a obra do diretor, que não esconde o viés terapêutico que seu cinema lhe proporciona. “ não concordo da premissa que apenas em “Má Educação” e “Volver” ele tratou de temas pessoais. Se você disser que nesses dois filmes seus fantasmas estão mais claros, concordo, afinal, “Volver”, por exemplo, se passa em um lugar rural que, por 'acaso', vem a ser La Mancha, onde o nosso diretor nasceu.
Antes de condenar a igreja em “Má Educação” – eu acho que sou um dos poucos dentro da imensa e heterogênea crítica brasileira que não execra esse filme – ele a ironizou em “Maus Hábitos”. Existe, sim, a igreja que é referência da infância dele, mas também existe a igreja que representa o conservadorismo e apoiou o Franquismo. Ou seja, a igreja do “eu sujeito individual” e a do “eu sujeito coletivo”. E ele maltratou as duas nesses filmes.
Em “Kika”, a Kika é mais mãe do que mulher dos caras que ela se envolve. Mas a figura do tempo toma pesos maiores quando se envelhece, e por isso eu acho que ele vai acertando, pouco a pouco, suas contas com a posição de mãe. Por exemplo: “Abraços Partidos”. A mãe desse filme, tem um lado cuzona muito forte, mas ela tenta proteger seu filho de todas as maneiras (mesmo que da errada). É como se ele desse um sinal (para si próprio e para o espectador): olha, ela não é perfeita, mas teve lá suas razões.
Essa mãe, pra mim, é a mesma mãe morta-viva de “Volver”. Tá claríssimo que ela está longe do projeto perfeito de mãe. Mas, ao longo do filme, vamos pensando 'ah, bem que ela tentou, né?'. O tempo, para um homem que hoje tem praticamente 60 anos, ajudou a redefinir essa mãe.”
Lado feminino - Almodóvar é um cineasta que como poucos emula o feminino. E isso não é fácil de responder o por quê. Para o crítico, o cineasta provoca empatia entre pessoas com o lado feminino aguçado. Podendo ser homens, mulheres, gays, travestis, transexuais e etc. “ Acho que quem tem um forte lado feminino dialoga diretamente com o cinema de Almodóvar, porque ele é, em sua essência, sensível e melodramático.”
Heitor ainda acrescenta: “Outra característica geralmente o associa à mulher, que é a neurose. Aliás, ele adora personagens neuróticas.”
Para quem quer descobrir Pedro Almodóvar, Claquete recomenda, além de ver seus filmes, ler o belo livro Conversas com Almodóvar.

Editora do livro: Jorge Zahar
Autor: Frèdéric Strauss
Ano: 2008
Fotos: divulgação