domingo, 17 de outubro de 2010

O que quer José Padilha com Tropa de elite 2?

 


Antes de qualquer coisa é recomendável para quem achou o primeiro Tropa de elite fascista, ou uma apologia vitaminada de um estado policialesco, que assista este segundo filme. Desarma expectativas. É mais ou menos por aí que se passa a entender um pouco das intenções de Padilha com este novo Tropa. Ele almeja, mais do que assumir discursos de direita ou esquerda, entender o Brasil e no meio do caminho empurrar um monte de gente para essa “zona de entendimento”. Essa constatação é reforçada ao direcionar o olhar para os documentários realizados por Padilha (os dois filmes estrelados pelo Nascimento de Wagner Moura ainda são as únicas obras de ficção na carreira do cineasta). Tanto o documentário Garapa (sobre famílias miseráveis no Nordeste brasileiro) quanto Ônibus 174 (sobre uma mal sucedida ação do BOPE transmitida ao vivo para todo o país) buscam radiografar dicotomias de um país que mesmo flagrante no noticiário nos parece desconhecido. O diretor ainda realizou um outro documentário (encomendado pela rede de TV britânica BBC) sobre expedições antropológicas e suas relações com tribos indígenas. O segredo da Tribo (2009) não chegou a ter distribuição comercial no país. Ficou restrito a alguns festivais como a Mostra de cinema de São Paulo.
Quem não fica restrito é Padilha. O diretor põe embaixo do braço as muitas teorias do cinema e as alterna quase que de maneira frenética em seus filmes. Em uma análise superficial este Tropa de elite 2 tem uma estrutura de direita e um discurso de esquerda (inversamente proporcional ao primeiro filme). Mas essa constatação é fruto de uma análise superficial, algo que não encaixa com a filmografia de Padilha e os propósitos alinhados a ela.

Circo midiático: Em Tropa de elite 2 padilha tem muitos alvos...



É fato que com Tropa de elite 2 José Padilha ambicionava incomodar. Talvez mais do que tenha incomodado (pelo menos alguns setores intelectuais que se ajustam à esquerda) com o primeiro filme. A coragem de Padilha, exaltam alguns entusiasmados com o mote central dos filme (a banalização da política pelos políticos), tem de ser louvada. De fato, Padilha é intransigente a ponto de lançar seu filme em plena época de eleições. Mas esse fato é coincidência mercadológica. O público ecoa uma mensagem que no fundo não está presente na obra. O que Padilha quer é levar os políticos para as cordas. Trazer alguns assuntos sérios (como a segurança pública, a fome, a violência) para o centro do debate. Em entrevista no fim de setembro à Folha de São Paulo o cineasta disse: “Não sou bobo de acreditar que o filme (Tropa de elite 2) possa influenciar as eleições. Mas se plantar algo positivo no público, gerar o debate, pode, quem sabe, influenciar nas eleições de daqui a três anos.” A frase não é gratuita. O que Padilha quer é fazer com que o brasileiro se interesse por política mesmo quando não há campanha eleitoral na TV. Fazê-lo entender que é nossa responsabilidade cobrar responsabilidade no trato da coisa pública. Pode parecer pueril acreditar que um filme possa fazer isso. E é. Mas José Padilha é um artista. Politicamente engajado, mas ainda um artista. E essa é a postura socialmente requerida de artistas pensantes como Padilha. É isso que garante o equilíbrio do pêndulo social. Esse dado nos leva a brilhante reflexão proposta pelo crítico Inácio Araújo em seu blog. Ao destrinchar suas impressões do filme de maneira muito parelha a crítica que o leitor leu em Claquete, Araújo faz uma observação interessante: “Bem, aí entra o outro filme que me veio à cabeça: Arquitetura da Destruição". Esse magnífico ensaio sustenta que Hitler não aspirava senão a criar um mundo de beleza, livre de impurezas como retardados mentais, ciganos e, claro, judeus.
Acho que isso pode ser um paradigma: o caminho do excesso, no caso, não leva à sabedoria, como dizia William Blake. Leva ao desatino. Então, penso, todo esse excessivo combate à instituição política que vemos em Tropa leva a quê?”
Em outro momento, o crítico argumenta: “ eu me pergunto se vivemos num país de imaculada pureza dominado por um núcleo de desviantes corruptos ou coisa parecida.
O Congresso Nacional, por onde o filme passeia a horas tantas, não seria então representativo do que é o Brasil, do que somos nós?
Somos todos bons e os políticos são ruins? É isso, então? A idéia é consoladora, é verdade, mas é uma pena que não seja muito realista.
O filme sustenta, talvez com razão, que levará muitos anos para solucionarmos problemas como a corrupção, porque não é corrupção de uma pessoa, mas de um sistema”, finaliza.
Enfim, o que Padilha quer é o que quer todo cidadão de bem. O fato de defender um Brasil puro soa utópico e de certa forma é. Mas promove conforto a classe média saber que alguém tem culhões de enquadrar os políticos. Mesmo que com a devida licença à brasileira exibida antes da ação começar: Trata-se de uma ficção.

6 comentários:

  1. Interessante, Reinaldo. Concordo que é apenas ficção, mas houve um tempo em que cineastas acreditavam que podiam mudar o mundo. Glauber Rocha, por exemplo, achava que a função do cinema era educar, ensinar valores e incentivar ações. Na Argentina houve um movimento que pregava que cinema era a arma maior. E o próprio Estados Unidos utilizou o cinema como arma de colonização difundindo o american way of life. As idéias entram, mesmo que de forma inconsciente.

    Quanto ao questionamento do filme, acho interessante o que você reproduziu aí sobre a índole do brasileiro. É o velho questionamento de se você estivesse no lugar dele faria diferente? Quantos cometem pequenos delitos achando que não faz mal? Até mesmo comprar um filme pirata? A velha lei de Gerson.

    Desculpa o comentário muito longo, mas é que seu texto vem de encontro a vários pensamentos que estou no momento, influenciados também pela novela Vale Tudo (que estou revendo, hehe) e o filme Os últimos passos de um homem (que revi ontem).

    bjs

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  2. Bela análise, gostei. E eu acredito que a pretensão de Padilha seguirá adiante. Não no sentido utópico de alterar o cenário eleitoral ou melhorar o Brasil, porque o próprio, em entrevista que você citou, reconhece que isso seria impossível e ingênuo.

    Mas fico confortado que muitas pessoas que vão ao cinema esperando para ver Nascimento matar bandidos e colocarem no saco, vão se deparar com um filme visceral e reflexivo. E se metade da 'massa' parar pra pensar e se interessar por tudo isso, poxa, aí acho que Padilha (e nós brasileiros) podemos ficar mais sossegados com a influência dessa bela arte pólítica e politizada.


    abraçao, R.! o/

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  3. Amanda: Adorei seu comentário longo (mas nem tanto, rsrs). Super bem vindo e enfático. Bjs

    Elton: Mais um comentário assertivo meu amigo. Abs

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  4. Oi, Reinaldo,

    Realmente, muito boa sua análise. Acho fundamental termos gente como o Padilha, que busca tirar as pessoas de sua zona de conforto, ainda que elas pensem estar indo para duas horas de catarse básica - acho que nisso concordo bastante com o Elton.

    Ah, realmente não sabia que o Padilha não tinha feito outros filmes de ficção além do Tropa. Vai ver é sintomático de sua vontade de contestar o sistema. Adorei o "ônibus 174" - tanto q não entendi pq o Barreto voltou ao episódio depois - e o "Segredo da tribo".

    E seu texto está incrível como sempre.

    Bjs

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  5. Aline: Pois é Aline, a arte precisa de gente como Padilha e o Brasil tb.
    Obrigado pelos elogios.
    Beijos

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