terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Crítica - Nebraska

Desbravando a América

Os filmes de Alexander Payne costumam ser agridoces. Com Nebraska (EUA 2013) não é diferente. Neste road movie de imensa melancolia, Payne não deixa de se preocupar com seus personagens, mas revela uma preocupação que inexistia em seus filmes anteriores. O desejo de fazer uma crônica da América profunda, aquela que mesmo os americanos mais modernos e cosmopolitas têm pouco acesso. Não que a América não tenha surgido em cores vívidas em filmes como Os descendentes (2011) e Sideways – entre umas e outras (2004), mas ali surgia como consequência da riqueza dos personagens. Em Nebraska, primeiro filme que Payne dirige a partir de um roteiro que não é seu, esse interesse é prévio. Se isso vem do roteiro de Bob Nelson, e parece fatídico que vem, pouco importa. Payne sabe costurar essa narrativa como bom artesão de personagens que ele é.
Woody Grant (um irrepreensível Bruce Dern) está ficando senil. Mas não é exatamente por isso que encafifa que ganhou um prêmio de U$ 1 milhão em Lincoln, cidadezinha do Estado de Nebraska e que para lá precisa rumar para sacar seu prêmio. É muito claro que se trata de uma má peça publicitária, mas Woody está convencido de tal maneira que apenas a senilidade parece justificar seu comportamento.  David (Will Forte), o filho caçula, enxerga nesse surto intempestivo a possibilidade de se aproximar do pai que tão poucas boas memórias cultivou e se oferece para levá-lo a Nebraska e permitir que o pai veja por si mesmo o quanto se enganou.
Já em Nebraska, eles param em um vilarejo tranquilo para visitar familiares de Woody. É durante essa estadia que Payne revela o sabor de seu filme. A América profunda, de conservadorismo reiterado, costumes deslocados e ganância à espreita surge entremeada por um humor cândido, diferente do que estamos acostumados a experimentar no cinema.
Essa América afetada pela crise, com empregos minguando e figuras tão ingênuas quanto risíveis ganha estofo dramático à medida que o boato de que Woody é um novo milionário espalha-se pelo vilarejo.
Woody, um homem que escolheu recolher-se em sua insignificância, de repente, se via gozando de uma notoriedade estranha e por meio dessa situação francamente ridícula, David vai conhecendo melhor seu pai.
O elenco é vital para que os efeitos pretendidos por Payne sejam aqueles que Nebraska instiga. Sem Bruce Dern, um ator capaz de transitar entre o registro dramático e o apelo cômico sem deixar que a plateia perceba exatamente a diferença, faz de seu personagem a bomba emocional do filme. Emoção que não se tangenciaria sem o contrapeso ofertado por Will Forte. Com o peso do mundo nas costas, seu David é angústia e doçura sobrepostas e Forte atua para fazer Dern render mais. Generosidade maior só a de June Squibb, que surge para fazer de Nebraska um filme mais agradável do que o esquadro de Payne faz crer.
Ao fim da viagem, nada de muito significativo se aventa além da necessidade de retornar.
O preto e branco da fotografia adensa esse clima de intimidade pretendido por Payne. Intimidade que Woody ainda se ressente de desenvolver com seu filho, mas que seu filho - talvez por essa viagem sem grandes significados - entende não mais ser uma lacuna entre eles.

2 comentários:

  1. Acho o Alexander Payne um cineasta levemente superestimado, mas, ao mesmo tempo, eu adoro road movies. Pela forma como esse gênero mostra as transformações internas das pessoas, das personagens. Enfim, essa é a minha forma de dizer que estou muito curiosa para assistir "Nebraska".

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  2. Kamila: Não sei se ele superestimado. Acho que somos nós diminuímos o minimalismo... De qualquer maneira, acho que "Nebraska" é o seu melhor filme.
    Bjs

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