domingo, 21 de abril de 2013

Insight - O peso de um astro



 Há algumas semanas, em meio à maratona de eventos e entrevistas promocionais para seu novo filme (Em transe), o diretor Danny Boyle deu uma declaração que chamou atenção tanto por seu aspecto inusitado como por sua reverberação no mundo do cinema. Para Boyle, um representante suntuoso do cinema independente, um astro distorce um filme. De acordo com o cineasta britânico, uma personalidade como Brad Pitt tem a capacidade de desvirtuar completamente um filme. É claro que Boyle fala do impacto que uma celebridade tem sobre qualquer projeto cinematográfico. Desde as expectativas do mercado à ansiedade de público e mesmo a percepção da crítica especializada. Boyle fala também das restrições à liberdade que um cineasta precisa enfrentar quando um filme é discriminado como “untitled Tom Cruise Project”. Afinal, o que importa para o estúdio é o marketing em cima do astro e não necessariamente a estória. Na mesma medida, há atores que buscam projetos mais sofisticados e trabalhos com cineastas festejados pela crítica e se oferecem como produtores, apenas para moldar os projetos a seus gostos. Boyle está no mercado há tempo suficiente e é bem relacionado o bastante para saber desses meandros da área. Sua análise, portanto, é procedente. Mas é, também, incompleta.
Novo filme de Boyle: sem astros de primeira grandeza, mas
ainda assim astros
Muitas vezes é um ator quem torna possível um projeto que sem ele não teria como ver a luz do dia em um mercado que abomina apostas de risco. Seria um típico caso de distorção positiva que Boyle ignora. Isso para não entrar no campo das subjetividades e destacar os inúmeros filmes, sejam estes experimentais ou não, que são dignos de qualquer nota em virtude da presença dos atores. Isso ocorre tanto na produção mais autoral como no mainstream. Pode-se argumentar que esses “atores salvadores” não são essencialmente astros, mas e George Clooney? E James Franco? Ou então Natalie Portman? E Jennifer Lawrence ou Christian Bale? São astros de primeira grandeza que se colocam a serviço do cinema como bem maior. Ao ignorar essa faceta da “distorção que um astro imputa a um projeto”, Danny Boyle é injusto em seu determinismo. Há de se respeitar sua opção, anunciada, de não trabalhar com um astro. Seu interlocutor na ocasião questionou-o se Brad Pitt lhe convidasse para fazer um filme se ele toparia. A resposta de Boyle foi negativa. Mas Boyle não é assim tão resistente a ideias de astros, pelo menos a astros de médio porte e projeção internacional tangível.  Além de ter dirigido James Franco, no auge da fama, em 127 horas, o novo filme de Boyle conta com o internacionalmente prestigiado Vincent Cassel, além do ascendente James McAvoy. Leonardo DiCaprio foi outro dirigido por ele, no auge da popularidade conquistada no período pós Titanic, em A praia do ano 2000. 
É justamente ao chegarmos a esta produção que podemos ter uma melhor compreensão do por que do raciocínio de Danny Boyle. O filme foi um fracasso retumbante. Ao custo de aproximadamente U$100 milhões, só o cachê de Leonardo DiCaprio girou em torno de U$ 20 milhões, a produção rendeu apenas U$ 18 milhões nas bilheterias americanas. À época existia uma verdadeira comoção pelo próximo projeto de Leonardo DiCaprio, sim porque O homem da máscara de ferro e Celebridade, embora lançados depois de Titanic, foram gravados antes do megassucesso da produção de James Cameron. A praia foi o primeiro projeto de DiCaprio após o estrelato maiúsculo que conquistou. E Danny Boyle não gostou nada disso. Primeiro porque DiCaprio ainda fazia o tipo imaturo e estrelinha à época e, segundo, porque as pressões do estúdio, no caso a Fox, sobre o projeto foram monstruosas. O filme acabou virando um veículo para DiCaprio e muito do que Boyle pretendia ficou na sala de edição.

Leonardo DiCaprio e Danny Boyle no set de A praia: trauma de astros

O tempo passou e Boyle voltou a trabalhar com a Fox, ainda que com o braço independente do estúdio (a Fox Searchlight), pela qual todos os seus mais recentes filmes foram lançados. Mas, pelo visto, segue repugnando “estrelas maiores do que a vida” em seus filmes. 

5 comentários:

  1. Excelente texto, Reinaldo! Fico meio dividida em relação à questão levantada pelo Danny Boyle. Acho que a presença de um grande astro representa vários fatores para um filme em produção, mas, sem dúvida, traz uma grande visibilidade à obra e isso é sempre muito bom. Por outro lado, o grande astro pode exigir participação criativa e isso pode ser ruim, especialmente se o filme for de alguém que tem uma marca forte como cineasta, caso de Danny Boyle.

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  2. Ótimo texto, Reinaldo, parabéns, e é uma reflexão mesmo interessante, que ao mesmo tempo que é fruto da indústria, é uma busca pela afirmação da teoria do autor, que a própria ideia da indústria parece antagônica. Eu acredito que o cinema possa ser uma obra coletiva, mesmo que feita de maneira independente, não acho tão ruim a força dos astros, acho mais complicado a força dos estúdios. Mas, enfim....

    bjs

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  3. Oi Reinaldo,

    Achei interessantes algumas considerações que você fez e não nego que pensei em outras mais quando li a declaração dele. Algo, que acredito pode ter ficado de fora do insight, acaba indo por um lado mais semiótico da afirmação.
    Acho que esse posicionamento do Daniel passa também pela visão que o público terá do ator/personagem. Falo sobre o convencimento que o ator pode causar como o personagem e não como astro midiático. Será que não se cria uma barreira entre um ator conhecido e a aceitação/compreensão profunda do personagem pelo publico? Será que não é essa a desvirtuação que ele se refere?
    Não conheço nenhum estudo ou pesquisa sobre isso, mas particularmente, acho mais fácil ficar com todas as nuances de um ator desconhecido do que de um astro.

    (Talvez eu esteja tendo apenas um devaneio sem sentido aqui)

    Beijos!

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  4. Ewan McGregor virou astro por causa do Boyle, né? Ou foi por causa do George Lucas? Ou será porque ele ficava nu nos primeiros filmes?

    Ótimo texto. Um astro pode comprometer definitivamente as expectativas sobre um filme menor que não tem a pretensão de um blockbuster. Um exemplo perfeito e atual é Robert Pattinson no período febril da saga Crepúsculo. Ele é tão ruim que é frustrante vê-lo em fitas como Cosmópolis, obra pulsante de um mestre chamado Cronenberg. Também como Salvador Dalí e depois como Georges Duroy de 'Bel Ami', este vampiro pó de arroz também comprometeu, rs! Acho que o maior problemas com astros é quando eles são um peso morto num filme. haha

    O trailer de Trance me deixou em transe. Curioso.

    Abs.

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  5. Kamila: Obrigado pelo elogio Ka. Acho que Boyle tem razão, pelo menos parcialmente. A distorção a qual ele se refere pode ser tanto positiva quanto negativa. Vai depender do astro, do projeto, do diretor... enfim, é bem relativo.
    Bjs

    Amanda:Obrigado pelo elogio e por ensejar outra faceta da discussão. Exite, lógico, esse ranço da era de ouro de Hollywood em que os estúdios mantinham contrato com as estrelas e os filmes eram o que menos importava. Ainda hoje os estúdios são um elemento de desequilíbrio, mais do que os astros. Mas aí é outra análise.
    Bjs

    Patrícia: Não é devaneio não Pati. Alás, agradeço por enriquecer o debate. Muitos cineastas têm essa preocupação. Ang Lee cortou Tobey Maguire de "As aventuras de Pi" justamente por essa razão. Ele faria, faria não, fez, o jornalista que ouve a história de Pi. As cenas foram regravadas depois com um ator menos famoso. Há papéis que pedem um astro e há papéis que prescindem de um. Mas não acho que tenha sido esse o recorte de Boyle. Acredito que a experiência com "A praia" tenha lhe sido por demais opressora. Não à toa, na mesma entrevista, ele declinou da possibilidade de fazer um James Bond. Mas vou aproveitar o recorte por ti proposto para uma futura seção Insight.
    Bjs

    Rodrigo Mendes: Astro, astro, acho que foi mais por causa de Lucas, mas foi Boyle quem pôs McGregor no mapa. Robert Pattinson é mesmo um ótimo exemplo, ao qual já tratei tb em textos que até despertaram certa polêmica aqui no blog.
    Abs

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