segunda-feira, 4 de março de 2013

Crítica - Os miseráveis



Somos todos miseráveis!

O impacto de se assistir Os miseráveis (Les Misérables, EUA/ING 2012) é algo que precisa ser destacado, ainda que ele esteja diretamente relacionado à tolerância do espectador a musicais. O filme de Tom Hooper, adaptado da obra atemporal e ainda vaticinante de Victor Hugo, em maior amplitude, e da bem sucedida versão musical para os palcos assinada por Trevor Nunn e John Caird, mais especificamente, é um poderoso testamento da força de uma narrativa bem construída e conduzida. Para isso, a direção de Tom Hooper foi fundamental. Se em O discurso do rei, pelo qual ganhou o Oscar de direção, os ângulos eram quadrados e a câmera sempre posicionada de maneira acadêmica e comportada, em Os miseráveis começa pelo posicionamento da câmera a força do que se vê na tela. Hooper aborda seus atores com ímpeto e intensidade (colando a câmera em seus rostos com menos de um palmo de distância) e sabe quando abrir a imagem para aproveitar o fato do musical que se assiste ser assistido no cinema – valorizando os cenários majestosamente criados. Todas as escolhas da direção são acertadas. Outra, por exemplo, é a captação das performances vocais “ao vivo”, ou seja, no take da cena e não em pós-produção. Esse recurso inflaciona a emoção da cena e possibilita uma conexão mais avantajada da platéia com os personagens. Esse compromisso com o hiper realismo faz de Os miseráveis um musical mais denso e insidioso do discurso já clássico e ressonante do material original.
Deriva daí outro acerto de Hooper que com suas opções, e fundir a áspera crítica social de Victor Hugo e seu exame das diferenças e ressentimentos entre classes sociais à lógica do musical nesses termos é a mais reluzente delas, expõe as vísceras do argumento de Hugo com proeminência jamais vista.
Hugh Jackman brilha intensamente como Jean Valjean, o homem preso por mais de 20 anos por ter roubado um pão e que depois ascende à riqueza sem deixar de experimentar outros tantos infortúnios. Jackman e Anne Hathaway como Fantine são os picos de um filme que se desenrola via música e ambos, performáticos e bons cantores, se garantem como sustentáculos da obra. Russell Crowe como o implacável Javert é outro acerto, ainda que não apresente a mesma afinação de seus co-protagonistas.

Tom Hooper e Hugh Jackman nos sets de Os miseráveis: um diretor que tomou decisões corajosas e todas elas foram acertadas

O filme de Hooper oscila quando o mote amoroso ganha destaque, mas não perde de vista o poderoso discurso em que vislumbra a verdade da qual todos os personagens desejam escapar: somos todos miseráveis. Seja Javert flagrado em sua busca sem sentido, Valjean que não pode escapar de um passado pernicioso, Fantine em seu abandono e desamparo, Marius (Eddie Redmayne) e Cosette (Amanda Seyfried), por apaixonarem-se no pior dos momentos, Éponine (Samantha Barks), por apaixonar-se por um homem que não a enxerga, ou mesmo os parisienses por ainda não terem “voz”.
O musical de Hooper, entre o solene e o íntimo, dá tintas definitivas a uma história por si só cativante e etérea. É um musical superlativo, mas o é para quem aprecia a riqueza narrativa oferecida por musicais. Mais do que outros tantos musicais que buscam um público mais amplo, no que pode ser apontado como o único problema do filme de Hooper, é sua predisposição de pregar apenas para os convertidos. 

4 comentários:

  1. É isso, como convertida, hehe, eu me emocionei com o filme. Realmente o amor de Marius e Cosette cansa, fazendo a trama cair um pouco, mas fiquei vidrada até o final, principalmente pela força da história e das músicas.

    bjs

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  2. Sou fã de musicais e "Os Miseráveis", pra mim, é um grande filme do gênero. Meu segundo favorito dentre os indicados a Melhor Filme no Oscar 2013, é um verdadeiro espetáculo de filme. O trabalho do Tom Hooper na direção foi muito injustiçado, na minha opinião. Ele merecia mais crédito por alguns dos elementos mais positivos do filme, principalmente o elenco, que é um dos melhores grupos já reunidos para um musical.

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  3. Amanda: De convertido para convertido, também adorei a pregação de Hooper. rsrs.

    Kamila: O filme é ótimo Ka, mas não acho que Hooper tenha sido injustiçado. Pelo menos não em termos de Oscar. Todos os diretores indicados, na minha avaliação, tinham trabalhos melhores. Agora, Hooper aqui é beeeeeeeeeeem melhor do que em "O discurso do rei".
    bjs

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  4. De fato, musicais precisam de um pacto com os espectadores. Principalmente musicais inteiramente cantados. isso não é problema. é só ver o trabalho brilhante em Os Guarda-chuvas do amor. Aqui, atuações, cenografia, fotografia, montagem e em se tratando de um musical, as belas canções de Michel Legrand.
    Os Miseráveis não tem nada disso. Tem que ser muito fã de musicais ou do próprio musical da Broadway para gostar do filme.

    Atuações caricatas e exageradas que não combinam com o tal "realismo" que o filme pretende alcançar: me surpreendi com o Wolverine cantando, Jackman está muito bem mesmo. Russel Crowe tem uma performance estática e nunca parece realmente querer perseguir Valjean. Não demonstra rancor ou ódio, apenas uma cara entediada, por isso, o momento do suicídio é tão artificial e não me envolveu. Anne Hathaway é boa atriz, mas o prêmio de coadjuvante deveria ter vindo pelo seu papel de Mulher-Gato no filme do Batman. Em Os Miseráveis, seu "momento" é puro exagero e melodrama barato. Se Aracy de Almeida estivesse viva, ela gongava suas caras e bocas. eu votaria em Helen Hunt, por As Sessões.

    Enquanto o livro de Victor Hugo (apesar das mais de mil páginas) tem força moral e espiritual, e dá voz protagonista às classes populares nos eventos pós-Revolução Francesa, o filme é politicamente ingênuo: os atores que fazem os estudantes revoltosos são muito fraquinhos - à exceção do líder -, a cena da criança levando tiros e morrendo foi filmada com a sutileza de uma cena de Gloria Perez e o estudante "revolucionário" vai morar com sua amada na mansão do papai... me poupem!

    O filme é musicalmente medíocre: é claro que as músicas atendem ao gosto dos turistas que vão fazer compras em Nova York e aproveitam para dar uma passadinha na Broadway, mas era assim no passado e ouçam as canções de 'Cabaret', 'West Side story', 'Chicago', ou mesmo 'Noviça Rebelde' - a inventidade rítmica e poética e a melodia marcante

    'I dream a dream' é breguinha, convenhamos, mas atende à perfeição esse gosto sentimental; já a canção da tomada de consciência moral de Valjean na igreja é muito boa, assim como a participação cômica do casal espertalhão; as músicas do casalzinho jovem são muito ruins, com letras que se fossem diálogos seriam reprovadas antes da filmagem.

    Por último, o filme ficou muito longo e falsamente triunfalista. Muitas das canções terminam com orquestra e coral retumbante e vozes em notas agudas. Em de ser um elemento surpresa, ficou um elemento banalizado.

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