Páginas de Claquete

sexta-feira, 29 de março de 2013

Euro & Travelling

A noite americana

Não havia maneira melhor de estrear uma coluna que pretende abraçar o cinema europeu em toda a sua força e representatividade do que destacar o excepcional François Truffaut em sua primeira edição. Além de ser o principal vértice da Nouvelle Vague (movimento francês que elevou o cinema de autor), Truffaut é um cineasta que transpira cinefilia. Talvez por isso A noite americana (La nuit américane, FRA 1973) tenha lhe valido sua única indicação ao Oscar de melhor diretor. O filme, no geral, teve quatro indicações e venceu, com toda a justiça, o Oscar de melhor produção estrangeira.
O filme é uma valiosa declaração de amor ao cinema, mas é, também, uma rigorosa desglamourização do mesmo.
Truffaut faz Ferrand, um diretor de cinema às voltas com diversos problemas para produzir “Je vous presente Pamela”, que conta a história de uma jovem inglesa que troca o marido pelo sogro. A produção enfrenta todo tipo de problema. Desde o encolhimento do cronograma, a estrelas problemáticas, passando por extravio de copiões e outras situações inusitadas.
Truffaut realiza um filme com humor inteligente e verve dramática na mesma medida. Há ótimos insights sobre algumas maledicências dos bastidores de um filme como a percepção de ser uma Sodoma ou mesmo sobre os pesadelos do diretor com prazos e comparações.
Uma estonteante Jacqueline Bisset vive Julie Baker, a estrela inglesa com uma boa cota de escândalos na bagagem. O último foi o fato de ter se casado com seu médico, que por sua vez largou a família por ela. Ainda no tumultuado set de filmagens, o inseguro galã (Jean-Pierre Léaud), o veterano egocêntrico (Jean-Pierre Aumont), a diva em decadência (Valentina Cortese), além da figura opressivamente cômica do produtor Betrand (Jean Champion).
A tônica do filme é o desenrolar do cronograma de filmagens e a observação da condução, nem sempre delicada, mas frequentemente caótica de um set de filmagens pelo diretor. A noite americana, no entanto, é também um instrumento valioso para Truffaut declinar suas referências cinematográficas. Estão lá, alinhados das maneiras mais criativas e diversas, Alfred Hitchcock, Ingmar Bergman, Francis Ford Coppola, Howard Hawks, entre outros.  
O cinema francês é o mais remissivo de arte autoral que se tem disponível. Até produções mais comerciais daquele país são tidas como manifesto artístico. Basta ver o recente Paris-Manhattan, que adicionou uma pitada de Woody Allen a sua receita e voilà, se subscreveu fora da França como um romance mais sofisticado do que fato é.

Truffaut, no centro de jaqueta e gravata, no set de A noite americana: o cinema francês deve muito ao realizador de, entre outros clássicos, Os incompreendidos

Essa percepção, desnecessário dizer, é reflexo direto da Nouvelle Vague e de filmes como A noite americana, que objetivaram transgredir as normas vigentes de produção de cinema comercial no país. Se parece absurdo relacionar um clássico de máxima potência como A noite americana a um filme inofensivo como Paris-Manhattan, é preciso atentar que não se fala da qualidade dos filmes, mas da percepção do mercado e da crítica internacionais a respeito. 

quarta-feira, 27 de março de 2013

Espaço Claquete - Triângulo amoroso

Há poucos diretores tão versáteis no cinema europeu quanto o alemão Tom Tykwer, que despontou com o movimentado Corra, Lola, corra (1998) e entre o cinema americano e o alemão já fez ótimos filmes como Trama internacional (2009) e Paraíso (2002), realiza com este Triângulo amoroso ( 3, ALE 2010) um inusitado estudo sobre as bifurcações amorosas e as artimanhas do desejo.

No filme, acompanhamos o casal formado pela jornalista Hanna (Sophie Ross) e o engenheiro Simon (Sebstian Schipper) que vivem aquela fase de esfriamento da relação. Ainda que se gostem, eles se sentem acomodados e compartilharem de algum tempo soa mais como obrigação do que como desejo mútuo. Nesse contexto que conduz para um eventual rompimento, Hanna conhece Adam (Devid Striesow), um geneticista charmoso e provocativo. Ela se interessa por ele e logo eles começam a ter um caso. Paralelamente a esse distanciamento da mulher, Simon enfrenta a notícia da morte de sua mãe, que tinha um câncer no pâncreas, e se descobre vítima de um câncer no testículo. Depois de passar por uma cirurgia e ainda em tratamento com quimioterapia, Simon percebe Hanna mais interessada neles. O que, em todo caso, poderia ser apenas em virtude de sua condição.
Nesse meio tempo, em uma piscina pública, Simon conhece Adam e acaba se sentindo atraído pelo jeito expansivo do rapaz. Meio hesitante, ele acaba estabelecendo uma relação com Adam. O curioso é que nem Hanna, nem Simon sabem que estão saindo com a mesma pessoa.
O próprio Adam, como Tykwer irá mostrar, é casado e tem filho, mas é também adepto de um conceito de vida em que não se pode ficar refém do que chama de “determinismo biológico”. E sua esposa tem consciência disso.
Tykwer não apresenta formulações morais, apenas apresenta esses personagens cujos caminhos cruzaram e se redefiniram. Simon no momento de maior fragilidade de sua vida descobre algo que jamais sentiu e que lhe devolve o bem estar cotidiano e em uma relação homossexual. Não obstante, Simon e Hanna decidem se casar em meio à sequência de seus respectivos casos extraconjugais. Tykwer evita escrutinar seus personagens, mas parece óbvio que Hanna e Simon só conseguiriam levar adiante sua relação se Adam estivesse nela. De um jeito ou de outro; e em um dado momento de Triângulo amoroso o “de outro” parece cada vez mais factível.
Tykwer, sem grandes intervencionismos, ainda que com algum desnecessário maneirismo na meia hora inicial, articula um filme que bifurca questões morais, genéticas a emocionais. Se reserva o direito de evitar um contato mais detido com o sentimentalismo para dar um ar acadêmico a um filme que se pretende mais uma lapidação sócio antropológica do que uma construção dramática em cima dos conflitos dos personagens. Se essa opção valida o filme enquanto veículo de um pensamento moderno cada vez mais arejado no século XXI, limita seu interesse àqueles que buscam participar dessa discussão. 

terça-feira, 26 de março de 2013

Crítica - Depois de Lucia


Vidas prensadas

Depois de Lucia (Después de Lucía, MEX/FRA 2012) pertence àquela verve cinematográfica que não permite ao espectador uma reação distinta do estarrecimento. Grande vencedor da mostra Um certo Olhar no festival de Cannes de 2012, o filme escrito e dirigido por Michel Franco não é exatamente sobre bullying, como muito se professa erroneamente na mídia, nem necessariamente sobre o luto, mas uma obra acima do rótulo que a massificada crítica de cinema precisa lhe outorgar. Depois de Lucia é, na verdade, uma produção que funde brilhantemente o denuncismo de um “filme de bullying” à sensibilidade e ritmo de um filme sobre o luto. Sob essa perspectiva, conjuga com desenvoltura a parcimônia do cinema asiático com a gravidade do cinema europeu, sem prescindir da aspereza do registro do cinema latino.
Com uma câmera assustadoramente passiva, Franco acompanha Roberto (Hérman Mendonza) e sua filha Alejandra (Tessa Ia) que se mudam de Puerto Vallarta para a Cidade do México após a morte de Lucia – esposa de Roberto e mãe de Alejandra. A mudança representa uma tentativa de recomeço. De novos ares. Mas os vestígios da ausência de Lucia se fazem sentir na intolerância cada vez mais ciosa de Roberto ou na passividade com que Alejandra recebe as ações cada vez mais agressivas de seus colegas de escola. E a subjetividade do tempo dos protagonistas, aqui confrontada a todo momento com a objetividade de certas ações, é muito importante no filme de Franco. Tudo começa quando Alejandra se deixa filmar por um de seus colegas enquanto faz sexo com ele. Depois que o vídeo vai parar na internet, ela passa a ser diariamente assediada e agredida verbal e fisicamente por seus colegas.

A excepcional Tessa Ia em cena do impactante Depois de Lucia: a combinação fatal de culpa e dor em um filme capaz de provocar reações extremas

Os longos planos de Franco e sua câmera estática favorecem uma crescente sensação de incômodo e jogam o espectador em um abismo de desconforto conforme a trama avança e Alejandra e Roberto vão se distanciando de quem já foram certa vez.
Outro mérito que precisa ser destacado no filme de Franco é a total falta de sensacionalismo na abordagem do bullying. O diretor não priva sua audiência de testemunhar a crueldade humana e de apontar a banalidade com que é tratada por aqueles que a praticam, mas não faz do bullying, e da percepção majoritária que se tem dele, um espetáculo catártico.
As atrocidades cometidas contra Alejandra vão desde fazê-la comer um bolo com fezes até trancá-la em um banheiro durante todo um fim de semana, passando por outras tantas horrorosas atitudes. O que leva o filme a um último ato poderosíssimo e de reverberação única. Depois de Lucia é um filme que pode ser assistido uma única vez, e exige muito controle emocional e desatenção da humanidade para se voltar a ele, mas que fica na memória. Com o objetivo mais de provocar uma racionalização complexa do que provocar perplexidade, o filme de Franco estabelece um novo patamar para obras que se pretendem transformadoras.
Depois de Lucia é um filme difícil e emocionalmente desgastante, mas também é um impactante relato sobre duas pessoas tentando resgatar suas vidas de uma existência desorientadora. Não poderia haver contribuições mais significativas do que as de Hérman Mendonza, uma força da natureza em cena, e de Tessa Ia, um poço de contenção capaz de sugerir desespero com a mesma fluência com que externa graciosidade. Depois de Lucia é uma obra-prima muito em parte ao excepcional trabalho desses dois ótimos atores.

domingo, 24 de março de 2013

Insight - Quando os bastidores decidem



Desde que foi anunciada a produção de Jane got a gun, Claquete dedicou atenção especial ao projeto em sua página oficial no Facebook. Isso porque o filme, um western em que uma mulher precisa lavar a honra do marido depois que ele é traído por seu bando, seria estrelado por Natalie Portman e Michael Fassbender, que já trabalham juntos em outro projeto do cineasta Terrence Malick, e dirigido por Lynne Ramsay - a diretora do excepcional Precisamos falar sobre o Kevin.
A ideia de ter um western, gênero tão prolixo em símbolos, dirigido pela diretora do filme mais prolixo em símbolos dos últimos anos é sedutora, assim como o é a perspectiva de um western protagonizado por uma mulher e dirigido por outra. A última referência no gênero com características remotamente semelhantes é de 1995: Rápida e mortal, estrelado por Sharon Stone e dirigido por Sam Raimi.
As boas expectativas aumentaram quando nomes como Rodrigo Santoro e Joel Edgerton foram integrados ao elenco.

Lynne Ramsay e seu substituto, Gavin O´Connor, em Jane got a gun: diretores competentes, mas cultivadores de linguagens e abordagens distintas no cinema

Spielberg e Mendes com o Oscar
conquistado por Beleza americana:
o
primeiro para o estúdio fundando
por Spielberg
Na última semana, porém, às vésperas do início das filmagens, os bastidores eclipsaram a boa expectativa acerca da produção. Primeiro foi Michael Fassbender quem teve que desistir do projeto em virtude de conflitos de agenda. O problema é que ele já estava contratualmente vinculado à sequência de X-men: primeira classe e a concomitância das filmagens inibia sua participação em ambas as produções. Depois, na última terça-feira, primeiro dia de filmagens, a diretora Lynne Ramsay simplesmente não compareceu ao trabalho. Não houve uma justificativa oficial para sua desistência, pelo menos não houve transmissão à impressa de uma. O mal estar tomou conta da produção e ainda que o produtor Scott Steindorff tenha agido rápido e anunciado o competente Gavin O´ Connor como substituto de Ramsay, o interesse pela produção se transmutou. Jude Law, que havia entrando para o elenco em substituição a Fassbender, desistiu do projeto sob alegação de que estava interessado em trabalhar com Ramsey. Ainda que nomes como Tobey Maguire e Jake Gyllenhaal disputem o papel abandonado pelo inglês, é fato que Jane got a gun perdeu muito de seu apelo. Primeiro pelo já intenso troca-troca nos bastidores. Segundo porque antes, o filme seria estrelado por um dos atores mais quentes do momento (Fassbender) e dirigido pela que é hoje a diretora mais interessante em atividade no cinema. Esse status mudou. O que não quer dizer que tenha se tornado um projeto desinteressante, mas certamente não detém o apelo de outrora. Desconhece-se as razões que motivaram a desistência de Ramsay. Poderia ser a impossibilidade de trabalhar com Fassbender? Talvez. Certo é que nunca veremos o filme que Jane got a gun poderia ter sido se fosse adiante com sua força criativa original. 
Isso é mais comum no cinema do que se imagina. Beleza americana, por exemplo, era um filme que seria originalmente dirigido por Steven Spielberg. Colateral, thriller de Michael Mann em que Tom Cruise faz um assassino profissional, foi pensado como uma comédia e oferecido a Fernando Meirelles. Will Smith era a escolha da Warner para ser o Neo de Matrix e já é célebre a informação de que Tom Selleck era o Indiana Jones dos sonhos de Spielberg e Lucas.
Mais recentemente, Darren Aronofsky abandonou a pré-produção do novo filme de Wolverine por discordâncias com o estúdio.
Às vezes, a qualidade de um filme é decidida antes do primeiro grito de ação em um set de filmagens.  Não se conjectura que Jane got a gun está fadado a ser um filme ruim ou que agora se tornou mais comercial. Apenas se ilumina que Hollywood, mais do que se imagina, é um cemitério de muitos “se”. E isso pode ser tão bom quanto é ruim.

sábado, 23 de março de 2013

Crítica - Anna Karenina


Balé da infidelidade

"Anna Karenina" é uma obra clássica que a cada nova versão no cinema aparenta esgotamento. Em parte pelas mudanças profundas pelas quais a sociedade ocidental atravessou e em parte pela falta de frescor das adaptações cada vez mais monocromáticas da obra-prima de Tolstói.
Joe Wright, que arrebatou ao adaptar com brilhantismo para o cinema a "inadaptável" obra de Ian McEwan (Reparação) em Desejo e reparação, se propôs a oxigenar a obra de Tolstoi em Anna Karenina (EUA 2012). Wright tem o pulso certo dos romances de época. Já mostrou isso no referido Desejo e reparação (2007) e em Orgulho e preconceito (2005). Novamente dirigindo Keira Knightley, no entanto, ele aumenta os riscos ao ensejar a lógica teatral no filme. Sua Anna Karenina é montada como em uma peça. A opção estética, por vezes dispersiva, reforça o tom operístico do texto – que observa com lupa a aristocracia russa do século XIX. No entanto, mostra-se um recurso custoso para uma produção que tropeça em outros aspectos.
O principal deles é o elenco. Keira Knightley, confirmando sua ascensão como intérprete, está bem como a protagonista imersa em dilema amoroso-existencial, mas falta-lhe um comedimento que, por exemplo, sobra a Jude Law como Karenin, o marido traído. Law reveste seu personagem com camadas que lhe desobrigam do estereótipo. Jornada esta na qual Keira falha. Mas o grande problema em termos de elenco é mesmo Aaron Taylor-Johnson, que é bom ator, diga-se. Johnson está desconfortável como Vronsky e desconectado de um carisma que deveria nortear o personagem e legitimar o charme o qual aludem os escritos de Tolstoi. Seu poder de sedução, portanto, surge esvaziado; o que, a bem da verdade, é minimizado pelo tom operístico da narrativa. Com o fluxo teatral privilegiado por Wright, a inadequação de Johnson soa como um equívoco menor, mas não imperceptível.

Amor, aristocracia e infidelidade são conceitos que se confundem e se validam no filme de Wright que desglamouriza sua heroína


Efusivamente belo em sua ornamentação técnica, desde os vultosos figurinos, passando pela fotografia esplendorosa e culminando na essencial trilha sonora assinada por Dario Marianelli, Anna Karenina finalmente se diferencia das versões anteriores do clássico russo ao expor a trajetória de sua heroína como uma tragédia em que poesia e infidelidade se enamoram e se distanciam. Está aí a grande força do filme de Wright: perguntar por que ao amor. Por que Anna foi cruel com um homem que lhe era tão bom? A resposta reside no paralelismo estabelecido com as tramas dos personagens coadjuvantes, como Levin (Domhnall Gleeson) e Kitty (Alicia Vikander).
Anna Karenina, de Joe Wright não é o filme que poderia ser, mas é uma produção corajosa sob muitos aspectos. Com erros e acertos que o tornam um filme imperfeito, mas ainda assim admirável. 

sexta-feira, 22 de março de 2013

Espaço Claquete - A arte da conquista


“Ao longo da história da humanidade, 116 bilhões de pessoas já existiram. Nenhuma sobreviveu”. Com essa elaboração filosófica de espiral pessimista George (Freddie Highmore) se apresenta para os olhos da audiência. A arte da conquista (The art of getting by, EUA 2011) é um filme sobre a melancolia da adolescência quando entra naquela fase em que amadurecer já não é mais uma opção. George é profundamente pessimista. Solitário, com forte veia depressiva, ele não vê propósito em muitas das banalidades da vida, uma vez que estamos todos caminhando para o mesmo fim. “Você vive e você morre. Todo o resto é ilusão”, pensa consigo mesmo ainda antes das primeiras linhas de diálogo surgirem.
Ele, por exemplo, não acredita no propósito de fazer as lições de casa. Recusa-se a desenvolver o potencial acadêmico que seus professores enxergam nele e hesita temerariamente em desenvolver sua aptidão artística. A aproximação com um ex-aluno da escola em que estuda, que é pintor, e, principalmente, de Sally (Emma Roberts), darão uma sacudida nesse universo sem eixo de gravitação que tanto paralisa George.
Escrito e dirigido por Gavin Wiesen, A arte da conquista transpira romantismo na maneira muito bem adornada com que investiga como uma paixão pode ser um elemento catalisador de mudanças providenciais, mas com força suficiente para serem decisivas em nossas vidas.
Com uma trilha sonora recheada de jóias indies, as quais Wiesen dá o devido tempo para cativarem, A arte da conquista se subscreve como um músculo criativo do cinema independente americano. Um dos maiores acertos do filme de Wiesen é ser pop sem deixar de ser profundo. É trabalhar o romance, indubitavelmente o principal mote da fita, sem deixar de oxigenar o conflito existencial de George.
Como o protagonista imerso em uma crise íntima, Freddie Highmore apresenta uma performance contida e cheia de acertos. Já eficiente quando criança, em filmes como Em busca da terra do nunca (2004) e A fantástica fábrica de chocolate (2005), Highmore mostra aqui que à medida que cresce, seu talento cresce junto. Ele não só dignifica George como o preenche de sentido e emoção. Algo crucial em um personagem que não enxerga sentido na vida e não sabe como se posicionar no mundo. Emma Roberts é outra que acerta o tom ao criar Sally, aquela garota que ainda não se decidiu se vai ser a “bitch” ou a “cool girl”. Ela faz com que a personagem, bem menos polida pelo roteiro, fuja à unidimensionalidade.
A arte da conquista é um filme talhado para cativar. Ao argumentar que o amor é aquilo que preenche a existência de sentido, Wiesen praticamente torna seu filme à prova de críticas. 

quarta-feira, 20 de março de 2013

Crítica - Linha de ação


Conto moral vitaminado

Linha de ação (Broken city, EUA 2013) não é um nome tão bom, ou pertinente à trama, quanto o original que alude a uma cidade corrompida, financeira e moralmente falida. A despeito da pouca criatividade do título nacional, Linha de ação é um filme ambicioso artística e narrativamente. Primeiro por fundir um drama político à lógica de uma fita policial; segundo por apresentar um painel de personagens sem uma figura afável, que flerte com a identificação do espectador.
Billy Taggart (Mark Wahlberg) é um detetive truculento que é afastado da força policial por ter se envolvido na morte de um inocente. Fora da polícia, ele investe na carreira de detetive particular. Russell Crowe faz Hostetler, o prefeito canastrão e carismático de Nova Iorque que está perdendo a corrida eleitoral. Ele aciona Billy, a quem uma vez chamou de herói, para que ele investigue com quem sua esposa (Catherine Zeta-Jones) o está traindo.
Aos poucos, Linha de ação ganha formas que tornam clara sua disposição de ir além da simples trama policial. Nada é o que parece ser e Billy logo se descobre bucha de canhão em uma teia de corrupção que envolve um negócio imobiliário bilionário feito entre o município de Nova Iorque e uma construtora.

Amigos, amigos...: Linha de ação é um eficiente thriller com forte pulso político...

Indubitavelmente, Allen Hughes, por mais talentoso que seja, não é um Sidney Lumet ou Michael Mann e o desenrolar dessa intrincada e complexa trama se alimenta de algumas cenas explicativas e outras simplificações. O que não compromete a destreza do roteiro em apresentar personagens moralmente desviados e desafiar o espectador a buscar vestígios de identificação em cada um deles. Billy matou um homem inocente e não foi preso, o prefeito é corrupto desavergonhado, sua mulher conspira com seus opositores, seu secretário de segurança pública (Jeffrey Wright) espera a melhor oportunidade para dar o pulo do gato, a namorada de Billy (Natalie Martinez) não hesita em se engraçar com um ator estrelinha do cinema independente para garantir uma carreira promissora no ramo do cinema...
A cidade corrompida ao qual o título original alude está por toda parte e é justamente nesse painel multifacetado que Linha de ação encontra seu maior predicado: a desmistificação da luta entre o bem e o mal em um filme policial. Algo somente possível quando se traz a cena política à luz. Nesse sentido, como conto moral, Linha de ação se obriga a um final com pulso moral, mas é suficientemente ousado para atestar que a redenção não está na próxima esquina.

terça-feira, 19 de março de 2013

Espaço Claquete - Blow out: um tiro na noite


Brian De Palma é um cineasta que dispensa apresentações. Mesmo assim é sempre válido apontá-lo como um dos mais fiéis e talentosos seguidores de Alfred Hitchcock. Seguidor porque diferentemente daqueles que são influenciados pela obra de Hitch, De Palma o emula minuciosamente em filmes imaginativos e que em nada ficam a dever ao grande mestre. Blow out – um tiro na noite (Blow out, EUA 1981) é um desses picos de criatividade do cineasta que fariam Hitchcock orgulhoso.
Jack Terry (John Travolta) é um sonoplasta que enquanto grava sons para utilizar como efeito sonoro nos filmes nos quais trabalha acaba gravando um acidente de carro. Nessa gravação, no entanto, ele captura um som que o faz crer que o acidente, na verdade, fora provocado por um tiro. O fato de a vítima ser um governador cotado para concorrer à presidência eleva suas suspeitas.
Um tiro na noite começa com um dilema: Terry e Sam, o diretor de um filme de terror passado em uma universidade, não conseguem achar o grito ideal para uma cena de assassinato à facadas em um chuveiro. A metalinguagem com o cinema de Hitchcock é sempre conduzida com extrema sofisticação por De Palma, mas em Um tiro na noite, atinge o ápice de criatividade e reverência.
Terry salva do afogamento certo uma garota que fazia companhia ao governador. É ainda no hospital que ele percebe que aquele caso não cheira bem. Primeiro, a polícia não parece interessada demais no acidente que pode não ter sido um acidente, depois, a equipe do governador quer tirar a garota “da cena” para evitar embaraços para a família dele. Terry decide fazer uma investigação paralela e é aí que o gênio de De Palma brilha intensamente.
Desalinhando a trama com contundência e parcimônia, De Palma vai revelando uma intrincada conspiração que se alimenta do clima de paranoia da época da guerra fria. A ameaça comunista é um fantasma citado vez ou outra, mas é a face assustadora de John Lithgow, como o capanga responsável por aparar as arestas do plano conspiratório, que imprime o ar hitchcockiano definitivo a Um tiro na noite.
Não há nada fora do lugar no filme. Desde a mise-em-scène robusta, passando pelos conflitos dos personagens e culminando no final desorientador em sua grandeza cinematográfica. De Palma realiza um filme cheio de energia, com pulso de noir, verve de fita policial setentista e jeitão de ode ao cinema. Obrigatório!

segunda-feira, 18 de março de 2013

Espaço Claquete - Bastidores de um casamento

A estreia na direção de Sam Levinson é algo arrebatadora. Bastidores de um casamento (EUA 2011), péssimo nome nacional para o sutil e eloquente Another happy Day, é daqueles filmes pesadões com forte inclinação à depressão e que não farão o espectador se sentir uma pessoa melhor ao final. Mas é também um filme de honestidade cortante. Levinson, que também é o roteirista, desalinhava conflitos de maior tensão e conflitos latentes com crueza, mas sem prescindir do equilíbrio narrativo necessário para um filme que tem tantas arestas a aparar.

As arestas existem porque Bastidores de um casamento acompanha o fim de semana do casamento do filho mais velho de Lynn (Ellen Barkin em atuação assombrosa). Filho com o qual ela não teve uma convivência próxima em virtude da turbulenta separação de Paul (Thomas Haden Church), o pai de Dylan (Michael Nardeli) e Alice (Kate Bosworth). Alice ficou com a mãe e desenvolveu o hábito de se auto-mutilar durante o período em que não mais viu seu pai. Lynn casou de novo e teve outros filhos com Lee (Jeffrey DeMunn). Mas Elliot (Ezra Miller) e Ben (Daniel Yelsky) também padecem de alguns distúrbios psicológicos. Como se toda essa bagagem não fosse suficiente, durante o fim de semana do casamento de Dylan, Lynn terá que lidar ainda com a virulência de sua família que não a acolhe da maneira que Lynn gostaria e com a presença de Paul e Patty (Demi Moore), sua nova esposa.
Levinson tem um olhar apurado para os conflitos familiares e intrafamiliares que emergem em circunstâncias de convívio geralmente forçado como o que move Bastidores de um casamento.
O filme abre com um inusitado diálogo entre Ben e Elliot, por o primeiro querer saber se o segundo acha a mãe sexy. “Você sabe, tem quem goste de McDonald´s e tem quem não goste”, explica Elliot que, aos 17 anos, acaba de sair de uma clínica de reabilitação para dependentes químicos. Mais adiante, em face dos eventos que tornam o fim de semana do casamento de seu irmão um verdadeiro filme de horror, Elliot espanta sua avó como uma elaboração filosófica: “não deixa de ser irônico que a morte reúna as pessoas de forma mais efetiva do que o amor”. Acusado por sua irmã Alice de ser imaturo e indagado quando iria crescer, ele responde: “em algum momento próximo do fim”. É no comportamento autodestrutivo de Elliot que Levinson expõe a mordaz visão que enuncia com seu filme. Em um mundo em que o amor não se impõe à morte, Levinson faz muito sentido ao reunir uma galeria de personagens que evocam a autopiedade e sublinhar o fato de que Elliot, com toda a sua fúria, é o único a não fazê-lo. O fim, afinal, em crises familiares, é um conceito distante.

domingo, 17 de março de 2013

Insight - A Burton o que é de Burton



Há três anos, Claquete promoveu um especial sobre o filme Alice no país das maravilhas. O filme não foi dos highlights da carreira de Tim Burton, mas se firmou como seu maior sucesso de bilheteria e, de quebra, serviu ao propósito do diretor de fazer as pazes com o estúdio Disney, de onde saiu desprestigiado no fim dos anos 80. Alice no país das maravilhas, com sua bilheteria superior a U$ 1 bilhão, no entanto, incutiu em Hollywood uma nova tendência: o ressurgimento dos contos de fadas no cinema.
Na esteira do lançamento de Oz: mágico e poderoso – que lidera pelo segundo final de semana consecutivo as bilheterias americanas – é seguro dizer que os contos de fadas representam para Hollywood hoje o que há uma década eram as HQs.
Já foram duas versões distintas para Branca de Neve, uma reimaginação do conto de João e Maria, uma versão sombria do conto dos irmãos Grimm para Chapeuzinho vermelho e o retorno a Oz para mostrar como tudo começou. No fim de março estreia ainda a visão de Bryan Singer para “João e o pé de feijão”, rebatizada de Jack: o caçador de gigantes. Hollywood já prepara outras versões sombrias de alguns clássicos contos de fadas. Em Pan, Peter Pan é um serial killer que mata apenas crianças e o capitão gancho (papel que será de Aaron Eckhart) é o detetive responsável do caso. A pequena sereia tem ninguém menos do que Joe Wright (Anna Karenina) a frente da produção. Ainda não há muitos detalhes sobre a produção. Diferentemente de Malévola, que terá Angelina Jolie no papel principal e estreia no próximo ano com o foco na rainha má de Bela adormecida. Ali baba, novas versões para Cinderela, ampliação do universo de Oz e outras apropriações já estão igualmente engatilhadas. É natural que os contos de fadas não sejam o manancial que as HQs representam para Hollywood, mas são providenciais em um momento de esgotamento dos comics no cinema.

Cena de Oz: mágico e poderoso, primeiro grande sucesso de bilheteria de 2013: uma das poucas versões modernas não sombria dos contos de fadas

De qualquer maneira, tanto as HQs como os contos de fadas foram viabilizados enquanto negócio pelas mãos de Tim Burton. Foi o excêntrico diretor que venceu a desconfiança de crítica e indústria e fez de Batman um campeão de bilheteria em 1989. Com um filme sombrio e estrelado por um contestado Michael Keaton, Burton provou que as HQs eram sim viáveis como fonte para o cinema e rentáveis enquanto negócio. Foi Burton quem ensejou a nova onda de reimaginações de contos de fadas e o aspecto sombrio que domina grande parte delas também se deve a influência do diretor.
Burton, notadamente negligenciado pela crítica, é um improvável campeão de bilheteria com filmes como A lenda do cavaleiro sem cabeça, Edward mãos de tesoura e Frankenweenie. Tendo estado à frente de dois movimentos capitais para a musculatura hollywoodiana nos últimos 30 anos, alinha abaixo do radar de muita gente outra “nota esquecida” para sua biografia. 

sábado, 16 de março de 2013

Crítica - Oz:mágico e poderoso


Espírito de aventura

Antes de qualquer coisa, Oz: mágico e poderoso (Oz the great and powerful, EUA 2013) é um filme com a marca Disney. O status quo dos filmes Disney é a característica mais límpida do filme de Sam Raimi. Desenvolvido, a partir de um orçamento de U$ 200 milhões, para ser um evento, Oz: mágico e poderoso é um produto bem aparado e divertido, mas longe de ser algo além disso. Diferentemente do ocorrido na trilogia Homem-aranha, Sam Raimi aqui limita-se a envergar o filme e não necessariamente a dotá-lo de alma.
Esse resultado existe talvez pelo selo Disney precisar se destacar, talvez porque Raimi funcione melhor quando há mais liberdade de ação. De qualquer maneira, o filme é um triunfo técnico de grande exuberância visual; com o 3D recebendo especial atenção de Raimi.
O mágico farsante Oscar (James Franco) depois de impetrar mais uma de suas fugas providenciais chega a Oz, uma terra encantada que está sob domínio de uma bruxa má. Oscar é logo confundido com o mágico ao qual se refere uma profecia local que viria para resgatar Oz das garras da bruxa má. Em parte fustigado pela gigantesca quantidade de ouro que será sua, já que o mágico é, por direito, o herdeiro do trono de Oz, e em parte pela vaidade de ser reconhecido como um grande mágico, Oscar faz se passar por alguém que não é. Algo que, em sua percepção, foi o que sempre fez. À medida que o perigo vai se anunciando iminente, Oscar vai vacilando em sua convicção como farsante, mas vai descobrindo em si – amparado por Finley (Zach Braff), um macaquinho alado, uma menininha de porcelana (voz de Joey King) e da bruxa boa Glinda (Michelle Williams) – sua vocação para ajudar os outros. Ou como lhe diz Glinda em um dado momento, que melhor do que grandeza nele é haver bondade.

Visual exuberante e humor afável: Oz, mágico e poderoso reza a cartilha Disney de aventuras...

Além do visual arrebatador, dos efeitos especiais prodigiosos, da direção de arte impecável e dos figurinos vistosos, Oz, mágico e poderoso também encontra destaque no afinado elenco reunido por Raimi. Michelle Williams, Mila Kunis e Rachel Weisz aferem beleza e graça às três bruxas de Oz. Já James Franco vale-se de seu carisma sempre em dia e do jeitão despojado de sua persona fora das telas para cativar como o malandro de bom coração.
No fim, é o selo Disney que prevalece nesta bem azeitada aventura desenhada para ser aproveitada em família. 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Espaço Claquete - A garota


Em seus melhores momentos, e são muitos, A garota (The girl, EUA 2012), produção original da HBO, é um thriller hitchcockiano de profundas reverberações. Essa constatação é ao mesmo tempo lisonjeira à produção, esmerada em livro com depoimentos colhidos com pessoas que fizeram parte das produções de Os pássaros e Marnie e documentos diversos, e lisonjeira à figura de Hitchcock – aqui adornada pela mais demolidora e perseverante análise.
O filme do diretor Julian Jarrold, escrito com desenvoltura ímpar por Gwyneth Hughes, se debruça sobre a relação de Alfred Hitchcock com Tippi Hedren, que por várias ocasiões já declarou em público que Hitchcock destruiu sua carreira e arruinou sua vida. Hedren era uma modelo de algum prestígio em Nova Iorque quando foi acionada pela equipe de Hitchcock para fazer um teste para Os pássaros, o filme que seguiria o massivo sucesso de público e crítica de Psicose. Uma vez aprovada, Hedren não só adentra para a galeria de loiras de Hitch como passa a ocupar certo protagonismo nessa obsessão. É dessa clausura entre ego, sucesso, cinema, inveja e ganância que A garota extrai sua matéria prima.
A obsessão de Hitch por Hedren ganha densidade dramática no suporte imaginativo que a ficção dá a ela. Não há preocupação com justificativas de ordem psicológica, embora haja espaço para elas, mas uma investigação calcada em símbolos e sugestões do que movia essa obsessão de como ela, talvez, fosse fundamental para que Hitch alcançasse suas obras-primas. Era Hitchcock apenas um sádico derivado de uma vida sexualmente frustrante ou um cineasta que ia às últimas consequências para extrair o melhor de seu elenco e equipe? 
A garota não apresenta respostas viciadas a respeito. Ao invés disso opta por iluminar precisamente os caminhos para repostas jamais definitivas, mas sempre satisfatórias. Nesse sentido, é um filme mais arrojado e imaginativo do que Hitchcock, produção para o cinema com os mesmos objetivos, mas com resultado bem distinto.
Toby Jones, como Hitchcock alterna-se entre o assustador e o patético com naturalidade atroz e faz de seu Hitchcock um acerto que nos faz pensar se estamos vendo um filme de terror ou um drama psicológico de alta voltagem. Sienna Miller, no que é seguramente um dos melhores desempenhos de sua carreira, brilha na contenção de Tippi Hedren. Ciente de que precisa sublinhar o caos emocional interno vivido por sua personagem, Sienna sabe exatamente o quê e como exteriorizar e o que apenas sugerir.
A garota é um filme digno do mito de Hitchcock. Talvez apenas ele fizesse melhor e aí vem o grande elogio deste filme que merece ser visto por cinéfilos e fãs do diretor: A garota nos priva desta certeza.

Crítica - Amigos inseparáveis


Louca escapada!

Existem filmes que se justificam pela afetuosidade que dispensam aos personagens e há aqueles que se justificam por personagens que clamam pela afetuosidade da audiência. Amigos inseparáveis (Stand up guys, EUA 2012), nesse contexto, é de uma felicidade pouco comum; pois converge as duas vertentes.
O filme de Fischer Stevens acompanha Val (Al Pacino) e Doc (Christopher Walken) em uma jornada de nostalgia e amizade. Val acaba de sair da prisão, onde cumpriu 28 anos, e é recepcionado por Doc que proporciona um “dia de celebração” para Val. O que logo fica claro é que o empregador (Claphands) de Val e Doc incumbiu o segundo de matar o primeiro por entender que Val foi responsável, ainda que indiretamente, pela morte de seu filho.
Val logo percebe, pela aflição do amigo, que Doc também é uma vítima da crueldade de Claphands. Juntos decidem aproveitar a noite que lhes resta para curtir a vida, já que o prazo para Doc cumprir seu serviço expira às 10h da manhã seguinte. Eles resgatam do asilo um amigo (Alan Arkin), ajudam uma garota vítima de estupro a se vingar, dirigem em alta velocidade, voltam a um bordel dos bons tempos e providenciam ternos mais apropriados para o momento que vivem.
Há sérios problemas no roteiro de Amigos inseparáveis, mas há também um indefectível apelo à tolerância do público, já que os personagens são caras confiáveis, honrados (o stand up do título original, um conceito difícil de equalizar em português). O filme, mesmo com os eventuais exageros, está repleto de carinho e é muito fácil entender o porquê de ter atraído atores como Pacino, Walken e Arkin para viver esses personagens dispostos a viver experiências intensas no último ato de suas vidas.
A última cena da fita, em que balas se misturam aos raios do sol, expressa com assertividade e afetuosidade sentimentos que, a esta altura, já não estão contidos apenas no filme.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Musas etc

Maduras, talentosas e encantadoras...




Julianne Moore 
Americana
Nascida em 3 de dezembro de 1960 ( 52 anos)
Alguns filmes
Minhas mães e meu pai (2010)
Ensaio sobre a cegueira (2008)
Leis da atração (2004)
As horas (2002)




Carla Gugino 
Americana
Nascida em 29 de agosto de 1971 ( 41 anos)
Alguns filmes
Watchmen (2009)
As duas faces da lei (2008)
Uma noite no museu (2006)
Sin city - a cidade do pecado (2005)




Juliette Binoche 
Francesa
Nascida em 9 de março de 1964 (49 anos)
Alguns filmes
Cosmópolis (2012)
Elles (2011)
Invasão de domicílio (2006)
Chocolate (2000)

terça-feira, 12 de março de 2013

Crítica: Killer Joe - matador de aluguel


Uma história de violência

O retorno de William Friedkin ao cinema não poderia ser mais impactante. O diretor de obras atemporais como Operação frança e O exorcista realiza o filme mais inquietante e vigoroso dos últimos tempos. Killer Joe – matador de aluguel (Killer Joe, EUA 2012) é, à primazia, sobre a perversidade humana. Mas também sobre a ignorância, loucura, degeneração familiar e ganância. Tudo imerso em uma lógica de humor negro e violência dosadas com invejáveis equilíbrio e assertividade por um diretor no auge de sua forma. Friedkin reconhece a potência do material original que serve de base ao filme. Não à toa, os créditos iniciais enunciam se tratar do filme de William Friedkin da peça homônima de Tracy Letts – que também a adapta para o cinema.
A abertura do filme é qualquer coisa de fora de série. Debaixo de torrencial chuva e sob os latidos de um pitbull chamado T-Bone, Chris (Emile Hirsch) bate à porta de um trailer e chama por sua irmã Dottie (Juno Temple). Quem atende a porta é Sharla (Gina Gershon), sua madrasta. Ela está com seu sexo exposto. Chris, expulso de casa por sua mãe, quer falar com seu pai. Ele tem uma proposta. Matar a mãe e rachar o seguro de vida, cuja beneficiária seria Dottie, no valor de U$ 50 mil. A dúvida que se estabelece, pois ninguém parece hesitar em relação a matar um membro da família, é sobre como será feita a divisão da fatia.
Joe (Matthew McConaughey) é um detetive que entre suas atividades extracurriculares está ser um assassino de aluguel. É a ele que Chris e seu pai Ansel (Thomas Haden Church) recorrem para realizar o serviço. No entanto, como não há como pagar o serviço de Joe antes dele estar concluído, pai e filho aceitam que Joe desvirgine Dottie como “calção” (garantia). Joe, no entanto, subverte essa lógica e decide que ficará por perto (de Dottie e da família) até que receba seu pagamento (U$ 25 mil).

Humor negro e violência: Killer Joe é ácido, inteligente e pessimista

Como Joe, McConaughey alcança o maior pico de sua carreira. Ilegível em sua polidez amedrontadora, McConaughey se vale de seu sotaque interiorano do Texas para criar um tipo único na galeria de personagens icônicos. Joe oscila entre o surto psicótico e o cálculo com uma naturalidade que apenas um bom ator poderia dar conta. Gina Gershon, Emile Hirsch e Juno Temple também estão ótimos, mas é Thomas Haden Church que impressiona ao compor um tipo totalmente desprovido de luz própria e que enseja os momentos de respiro em um filme francamente alucinado.
Esse talvez seja o filme que Quentin Tarantino sempre quis fazer, mas jamais conseguiu. Eloquente na análise profunda que faz de uma América corrompida, divertido na elaboração dos conflitos, chocante em cenas sempre surpreendentes, engraçado e aterrorizante, por vezes simultaneamente, e rigoroso na mise-en –scène.
Friedkin faz, certamente, um dos maiores filmes da década. Killer Joe – matador de aluguel pode lhe provocar tontura com sua violência bifurcada entre o físico e o psicológico, mas lhe proporcionará, também, a satisfação de estar vendo uma excepcional história desvelada na tela. Ainda que seja uma história de violência.   

segunda-feira, 11 de março de 2013

Crítica - Hitchcock



Cópia perfeita?

Além de ser um dos maiores artistas do século XX e, um dos maiores cineastas de todos os tempos (se não for o maior), Alfred Hitchcock é um belo de um personagem. Até que demorou bastante para o cinema – essa besta devoradora e apaixonante – se debruçar sobre esse genial e genioso gorducho inglês. A julgar por Hitchcock (EUA 2012), filme que propõe um olhar sobre o cineasta às voltas com a produção de seu mais famoso filme (Psicose), o impulso pode perder força. Não que a fita de Sacha Gervasi seja ruim. Não é. Mas por ousar tão pouco. Principalmente se comparada à produção da HBO The Girl (que será posteriormente resenhada aqui em Claquete). Gervasi contenta-se em imprimir a lenda e seu filme se limita a exibir um Hitchcock conhecido dos fãs e daqueles que já leram – ainda que pouco – sobre a conturbada figura do cineasta. E disfarça essa pouca imaginação com curiosidades de filmagens – já que o filme se baseia no livro “Alfred Hitchcock e os bastidores de Psicose”, de Stephen Rebello.
É uma aposta que se torna Hitchcock satisfatório para o espectador ocasional, faz aquele que espera algum tipo de articulação que a ficção permite flertar com a indiferença. De qualquer maneira, o filme de Gervasi insere o personagem Hitchcock na agenda de Hollywood, desde que não se aplique a máxima que o próprio Hitch brinda seu público: “você é tão bom quanto seu último filme”.

Ego e tensão: Os interiores do casamento de Hitch (Hopkins) e Alma (Helen Mirren) constituem o que de mais positivo o filme tem a apresentar

Inesperadamente, um dos trunfos do filme acaba sendo a relação de Hitch com sua esposa, a roteirista Alma (Helen Mirren). É no jogo de luz e sombras entre os dois que Hitchcock atinge seus melhores momentos. Helen Mirren empresta a habitual competência para viver uma mulher que acomodou-se na sombra do marido e não sabe exatamente o que fazer quando o súbito desejo de desvencilhar-se dessa sombra a invade. Hopkins é menos feliz. O ator está limitado a reproduzir cacoetes de Hitchcock escondido sob pesada maquiagem. Não é uma atuação no sentido criativo da palavra e mais uma imitação detalhada. Essa condição pode ser fruto de uma direção insegura. De qualquer jeito, tendo havido intervenção de Gervasi para isso ou não, a falta de interesse de Hopkins em “entrar” em Hithcock reforça essa sensação de se assistir um filme morno, sem grandes pretensões. Como curiosidade cinéfila, Hitchcock até funciona. Infelizmente não sabe ir além disso. 

domingo, 10 de março de 2013

Insight - Quando menos é mais



Entraram em cartaz nas principais cidades do país neste fim de semana dois filmes “menores” de cineastas consagrados. A parte dos anjos, de Ken Loach, é o que a crítica especializada tem chamado de filme mais leve do britânico em anos. Geralmente conhecido por seus filmes de forte comentário político como Ventos da liberdade e Rota irlandesa, Loach arrebatou a riviera francesa – de onde saiu com o prêmio do júri - com uma história sobre um ladrão que acaba de ser pai e, na expectativa de mudar de vida, articula um novo esquema que inclui um olfato apuradíssimo para uísques e a tal da parte dos anjos, termo dado aos 2% do barril que são perdidos devido à evaporação do álcool ao longo dos anos.
Menos leve, mas não menos elogiado, é Killer Joe – matador de aluguel do grande William Friedkin. O cineasta americano anda bissexto e este é apenas seu terceiro filme em dez anos. Adaptado da peça de Tracy Letts, autor que já havia servido de base para o trabalho anterior de Friedkin, Possuídos, Killer Joe – matador de aluguel é uma comédia de humor negro. Chris (Emile Hirsch) contrata o Joe do título, vivido por Matthew McConaughey, para matar sua mãe de maneira a pode sacar o seguro de vida em nome dela. Fazem parte do esquema seu pai e sua madrasta. Como garantia a Joe, ele oferece a irmã. Exibido pela primeira vez no festival de Veneza, Killer Joe foi saudado com um dos exemplares mais vigorosos do cinema americano dos últimos anos.

Tensão e humor: Há quem considere Killer Joe o melhor filme de Friedkin desde O exorcista (1973)

Friedkin e Loach, no entanto, não estão na vanguarda desse movimento. É mais comum do que parece cineastas experimentados conseguirem algumas das melhores críticas, quiçá prêmios, de suas carreiras com trabalhos menores ou menos ambiciosos.
Clint Eastwood, por exemplo, conseguiu seu segundo Oscar como diretor e seu segundo Oscar como produtor por um filme que nem mesmo o estúdio (Warner Bros) apostava para a temporada de premiações. Menina de ouro era o patinho feio em um ano de grandes produções de estúdio como Ray e O aviador, Menina de ouro foi crescendo na temporada e acabou sendo o grande vencedor do Oscar de 2005. Danny Boyle é outro que conseguiu triunfar no Oscar com seu filme menos ambicioso. Sob muitas perspectivas, Quem quer ser um milionário? é um filme menos ventilado do que produções como Trainspotting – sem limites, Sunshine – alerta solar ou mesmo o mais recente 127 horas.
Woody Allen estava apenas dando sequência a seu tour pela Europa e Meia-noite em Paris, filme no qual não despendeu um pingo a mais de energia do que em Você vai conhecer o homem dos seus sonhos ou Para Roma com amor, conquistou público, críticas e prêmios.
Steven Soderbergh, que andava brigado das boas críticas há algum tempo, reencontrou-as com um improvável filme sobre o cotidiano de strippers masculinos. Magic Mike se pagou em um fim de semana e, salvo uma ou outra crítica, foi um dos maiores consensos da carreira do diretor de obras como Sexo, mentiras e videotape e Traffic – ninguém sai ileso.

O maior underdog dos últimos anos no Oscar foi Menina de ouro que começou a temporada de premiações como azarão supremo e se consagrou o grande vencedor do Oscar 2005

Premeditadamente ou por intervenção do destino, cineastas que usam da prerrogativa do low profile para driblar o peso das expectativas e reaver a beleza do storytelling frequentemente acertam. E com assiduidade mais comum do que se percebe, atingem os picos de suas carreiras.

sábado, 9 de março de 2013

Espaço Claquete - Jogos de adultos


Alan J. Pakula é daqueles cineastas que tergiversam com habilidade ímpar por variados gêneros. São dele filmes tão pungentes e significativos como Todos os homens do presidente, A escolha de Sofia, Inimigo íntimo e O dossiê pelicano. Jogos de adultos (Consenting adults, EUA 1992) não ostenta o mesmo status desses filmes, mas é um suspense de primeira linha sobre o choque entre desejo e amoralidade.
Kevin Kline é Richard Parker, um compositor frustrado que escreve jingles para propaganda. Casado com Priscilla (Mary Elizabeth Mastrantonio) é um típico figurante da classe média e morador dos arborizados subúrbios americanos. Com a chegada dos novos vizinhos Eddy e Kay Ottis (Kevin Spacey e Rebecca Miller), uma aproximação algo desajeitada se ensaia. Eddy, que se anuncia como consultor financeiro, transborda carisma e parece ser aquele sujeito experimentado que não costuma se retrair perante algo que lhe desperta curiosidade. Richard e Priscilla atiçam essa curiosidade. Rico, divertido e atencioso, Eddy é o sonho que Richard não conseguiu viver e Kay, que passa a ser cobiçada por Richard em escala que extrapola a discrição, parte indesviável desse sonho. Eddy, que parece se regozijar dessa situação, enseja então uma troca de casais. Como era de se esperar pela descrição dos personagens, Richard refuga a princípio, mas invariavelmente cede.   
Jogos de adultos, então, se transforma em um intrincado policial em que o público se posiciona conhecedor de mais peças do tabuleiro do que o protagonista, mas não o suficiente para antecipar o desfecho do jogo.
Pakula articula muitíssimo bem a transição de drama com reminiscências existenciais para um suspense policial fortuito sobre alpinismo social e idiossincrasias conjugais.
O roteiro de Matthew Chapman é ligeiro e se alimenta bem de elipses para manter o espectador atento à sucessão de pistas e ao desenvolvimento da ação. O filme começa como uma investigação algo caprichosa e parcimoniosa de dois casais bastante diferentes entre si, mas atraídos justamente pelo olhar refletido nos olhos do outro e se resolve como um suspense, que mesmo 20 anos depois, consegue ser surpreendente.
Kevin Spacey, aqui ainda um ator dando os seus primeiros passos em Hollywood, apresenta toda aquela virulência de ironia que caracteriza seus tipos mais perversos e sedutores. Kevin Kline convence como o homem diminuído por sua condição financeira e que constantemente impõe barreiras a seus desejos.

sexta-feira, 8 de março de 2013

TOP 10 - Dez mulheres que amamos no cinema



Na semana da mulher, Claquete se rende a elas. No dia internacional da mulher o TOP 10 destaca dez mulheres que amamos no cinema. São personagens fortes e dotadas de um discurso feminino renovado e plural e que cativam homens e mulheres. São personagens icônicas cada qual a sua maneira e todas elas contam com a nossa indiscriminada admiração.

10 – Lisbeth Salander (vividas por Noomi Rapace e Rooney Mara)

Protagonista absoluta da trilogia Millennium, que ressurge em uma inspirada versão americana, Lisbeth Salander é o elemento dourado do cyber-feminismo, se é que esse conceito existe. Sexualmente insinuante, emocionalmente caótica, e fiel a um código de ética particular, Salander é a perfeita apologia do novo status do sexo frágil nos tempos modernos.

9 - Erin Brockovich (vivida por Julia Roberts)

O fato de ser decalcada da realidade só torna essa personagem que valeu a Julia Roberts o Oscar de melhor atriz mais irresistível. Erin Brockovich – uma mulher de talento é um filme tão agradável quanto a protagonista, uma mulher sem papas na língua e sem medo de cara feia. Erin Brockovich é uma “self made woman”, uma das primeiras a valer um Oscar.

8 - Miranda Priestly (vivida por Meryl Streep)

Ok. Você a odeia. Mas você adora odiá-la, certo? Ou talvez odeie o fato de que a adora. A megera editora-chefe da Runaway, vivida deliciosa e maliciosamente por Meryl Streep em O diabo veste Prada, é uma mulher que optou por sacrificar sua vida pessoal em nome do sucesso profissional. Mas que sucesso!

7- Juno (vivida por Ellen Page)

Ela ainda não é a mulher que pensamos que deveríamos admirar, mas a admiramos mesmo assim. O charme e a inteligência emocional da personagem defendida por Ellen Page no filme Juno que trafega entre a mais fina aura cool e a mais reluzente aura nerd são ímãs poderosos. Juno é moderna, é sagaz e é uma mulher com dúvidas e receios, mas sem medo de suas convicções.

6- Ree (vivida por Jennifer Lawrence)

Assim como Juno, Ree – personagem de Jennifer Lawrence em Inverno da alma - ainda é uma adolescente; mas é uma mulher dona de incrível coragem e senso de responsabilidade para consigo e para com aqueles a sua volta. Depois da morte de seu pai, e com uma mãe insana, ela precisa – aos 16 anos - cuidar dos irmãos mais novos e procurar pelo corpo do pai em um recanto desértico e incivilizado do EUA. Uma mulher frágil e, ainda assim, uma fortaleza.

5 - Jane Adler (vivida por Meryl Streep)

Divorciada e bem sucedida. Invejável? Pois Jane, personagem interpretada por Meryl Streep em Simplesmente complicado, ainda está melhor. Tem uma família atenciosa, é bonita, divertida e mesmo depois de ser traída pelo marido não se recolheu na própria concha. Não à toa provoca no ex-marido nostalgia. Paralelamente a isso, se envolve com um arquiteto culto e carinhoso, o legítimo tipão. O melhor em Jane, no entanto, é sua força interior para ouvir seu coração sem deixar de se valorizar e, com isso, tomar as decisões certas.

4- Georgiana (vivida por Keira Knightley)

Sobreviver a um casamento de fachada em uma época em que ser mulher era não ter voz, é uma missão que Georgiana, personagem vivida com brilho por Keira Knightley em A duquesa, encara com a devida força de vontade de uma mulher que não está preparada para renunciar sua identidade. Ela não foi a primeira a descobrir o amor fora do casamento, mas a forma como se unge para arcar com suas responsabilidades e a maneira como aprende a lidar com tradições tão arcaicas são demonstrações da força interior de uma mulher a frente de seu tempo.

3 - Jenny Mellor (vivida por Carey Mulligan)

O ritual de descobrimento é doce e amargo e com Jenny, vivida com graça e luminosidade por Carey Mulligan em Educação, não poderia ser diferente. Em uma sociedade ainda fortificada por raízes machistas, ela ousa sonhar e experimentar. É uma jornada e tanto!

2- Bridget Jones (vivida por Renée Zellweger)

Neurótica, insegura, cheia de maus hábitos e em busca de seu príncipe encantado. Tem como não amar? Se Bridget Jones está em toda mulher e toda mulher está em Bridget Jones como ela não poderia estar nessa lista? Vivida por Renée Zellweger em dois filmes, Ms. Jones é das personagens mais cativantes e apaixonantes da cultura pop e um símbolo moderno do conto de fadas que toda mulher gostaria de viver.

1- Thelma e Louise (vividas por Geena Davis e Susan Sarandon)

Um empate! Elas não poderiam ser citadas separadamente. Thelma e Louise, vividas respectivamente por Geena Davis e Susan Sarandon em Thelma & Louise, tiram força uma da outra. O instinto maternal, protetor, feminino, foi o que as fez embarcarem na jornada definitiva de suas vidas insatisfatórias. Uma ode à vida e à liberdade como poucas vezes se viu no cinema.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Spotlight on - O texto do ator

Lars Von Trier orienta Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg no set de AntiCristo: atores que encontram na fisicalidade a força de suas performances


O Oscar deste ano foi eloquente em destacar performances que encontraram na fisicalidade sua matéria prima. Joaquin Phoenix em O mestre é um exemplo perfeito. É por meio de seu corpo, frequentemente turvo, de sua postura rebelde, sua aparência mal adornada e seu gestual agonizante que muito da vulnerabilidade de seu personagem, um tipo passivo agressivo, se revela ao expectador. No filme de Paul Thomas Anderson, Phoenix vive um homem com uma mente frágil. Não é certo se essa condição é consequência de sua atuação na segunda guerra mundial ou uma herança genética – já que sua mãe é diagnosticada como louca. Phoenix investe na abordagem física em uma composição que privilegia seu corpo como seu texto. É através dele que sua atuação fala.
Ainda que com aspectos distintos, é mais ou menos o mesmo que se verifica no Lincoln de Daniel Day Lewis. Ator conhecido por seu método peculiar de atuar, Day Lewis investe em uma caracterização consistente com a memória que se tem de Lincoln. O ator estudou desde o sotaque da região em que Lincoln cresceu até a postura que ele mantinha em reuniões de gabinete. Como são poucos os registros formais de Lincoln e sua época, Day Lewis tinha significativo espaço para criar. Sua autoridade como intérprete, aliada à conveniência da maquiagem, favorecem uma composição que encontrou críticas elogiosas. O New York Times saiu-se com a seguinte: “Daniel Day Lewis é mais Lincoln do que Lincoln”. Filmado por Spielberg sempre de um ângulo inferior, Day Lewis – que já é alto – surge imponente. Mas escolhe uma postura curva – talvez para sinalizar o peso sobre as costas do homem – como um recurso tão eloquente quanto seu olhar penetrante.
Bradley Cooper, por O lado bom da vida, apresenta a atuação mais minimalista entre as indicadas. Mas não deixa de conter elementos textuais interessantes. Sempre inquieto, como se seu corpo emitisse eletricidade, providencialmente menos bonito do que geralmente aparece, Cooper investe em uma composição que congrega a fragilidade do seu personagem – um bipolar que ainda não sabe exatamente como reagir a esse diagnóstico – e sua indevassável vontade de viver a felicidade. Sua companheira de cena, Jennifer Lawrence é ainda mais feliz no uso que faz de seu corpo. Não só pelo olhar de David O. Russell ser generoso com sua sensualidade incontida, mas por saber se insinuar para a câmera com um misto de angústia e indiferença. As variações de humor de sua personagem são sempre muito bem expressas por seu gestual expansivo e seus olhares miméticos. Emmanuelle Riva, que também concorreu ao Oscar, tem no corpo o eixo central de sua atuação. Vivendo uma idosa vítima de um AVC com os movimentos do corpo cada vez mais restritos, Riva encontra expressividade na contenção e faz de seu corpo o vaso para uma atuação basicamente artesanal.

Hugh Jackman em cena de Os miseráveis: seu corpo é um elemento tão importante para sua atuação quanto a sua voz...

Daniel Day Lewis é um ator que valoriza a expressão corporal na composição de suas atuações

Em outra frente, Hugh Jackman e Anne Hathaway em Os miseráveis submeteram seus corpos a intervenções da realização que modificam por completo a percepção de seus trabalhos. Jackman, por exemplo, teve de emagrecer para depois engordar para o papel, raspar a cabeça e cantar a plenos pulmões enquanto fazia força. Hathaway também teve de perder peso e raspar a cabeça – algo sempre mais dramático para uma mulher. A opção de Hooper por colar a câmera no rosto de seus intérpretes faz com que o corpo do ator seja também texto do diretor e não mais apenas do ator. Há cineastas que gostam de falar por meio do corpo de seus atores. Darren Aronosfky recuperou seu status no cinema americano ao explorar cada poro de Mickey Rourke em O lutador, filme sobre um ex-lutador de wrestling longe de seus dias de glória. A experiência se mostrou frutífera. Em seu filme seguinte, Cisne negro, ele explorou a fragilidade física da bailarina vivida por Natalie Portman. Nunca uma performance no cinema conectou tanto o físico no emocional.
Steve McQueen tem no corpo de Michael Fassbender a sua pena. Em filmes como Hunger e Shame ele expõe o corpo de Fassbender como recurso narrativo ímpar na construção que faz dos personagens (um homem em greve de fome, no primeiro, e um viciado em sexo, no segundo) e de seus dramas. A diferença entre os trabalhos verificados no Oscar deste ano e esses dirigidos por Hooper, Aronofsky e McQueen é que nos últimos há uma apropriação pelos diretores dos corpos dos atores enquanto que nos primeiros são os atores que usam os próprios corpos como discurso. É uma equação interessante. Verifica-se, portanto, que o corpo do ator pode servir a dois tipos de discurso distintos em um mesmo filme. Sem a presença tergiversada de Phoenix em O mestre, Paul Thomas Anderson jamais conseguiria dar conta da complexidade de suas proposições no filme e, ao mesmo tempo, em suas sutilezas, Phoenix reafirma-se como intérprete imaginativo e cria um personagem que desperta curiosidade e não necessariamente empatia. Se causasse empatia, Phoenix teria falhado como ator. Em Shame, por exemplo, a preocupação de Fassbender é inversa. Enquanto deixa o olhar de McQueen devassar seu corpo, o ator se preocupa em preencher emocionalmente um personagem vago na concepção estética da realização. Confirmando a bidimensionalidade do corpo do ator enquanto texto.