terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Crítica - O vencedor

Sangue na veia!

É muito caro ao cinema americano utilizar o esporte como plataforma para histórias de superação. Em O vencedor (The fighter, EUA 2010) não é diferente. O boxe, principal esporte dentro dessa perspectiva no cinema americano, é o pano de fundo para uma vigorosa história de conquistas. O que distingue o filme de David O. Russell dos demais deste filão é que, apesar de apresentar uma história de superação pessoal, o eixo central do filme é a superação de uma família. O vencedor é, portanto, antes de ser um filme esportivo, um filme sobre família. É esse desvio que renova o interesse na fita. A história de “Irish” Mick Ward, embora real, guarda indefectíveis semelhanças com a do célebre personagem de Sylvester Stallone, Rocky Balboa. É por focar-se no drama familiar e evidenciá-lo como refluxo do sonho americano que O vencedor ganha dimensão artística.
David O. Russell enfileira dramas na tela. Mick Ward (Mark Wahlberg) tem uma família numerosa. É o irmão que - ex-lutador - vive de glorificar-se pelo passado e do declínio ao vício em crack, a mãe negligente que enxerga no primogênito uma grandeza que nunca houve, as irmãs barraqueiras e furtivas, e a carreira como lutador que teima em não decolar. Mick é passivo. Dick (Christian Bale) é destrutivo. Alice, a mãe-empresária (Melissa Leo), está ocupada demais em prover para a família do jeito que lhe for mais conveniente. Não dá para ter sonho de grandeza em uma realidade como essa. Mas Mick tem. E ele quer sua família junto com ele. É desse drama cheio de potencialidades que David O.Russell vai pincelando com mão firme O vencedor.
Agrada também a estética adotada para a encenação das lutas. Se elas não são tão empolgantes quanto em Rocky – para ficar na referência já utilizada – elas ganham em dramaticidade e veracidade pela opção de granular as cenas e alçá-las como se estivéssemos assistindo uma transmissão pela TV. O fato do filme perpassar a produção de um documentário feito sobre a pessoa de Dick reforça o acerto de Russel.
O vencedor não é um filme original ou profundo, mas trabalha muito bem todas as suas proposições. É um filme de honestidade ímpar, apreço singular e qualidade indiscutível. Contribui fortemente para esse quadro o esmero de um elenco em estado de graça. Christian Bale e Melissa Leo estão quase que possuídos por seus personagens em cena. Atuações que flertam com o over, mas que delimitam coração e nuance em cada fotograma.

Mick e Dick trocam ideias sobre uma luta: excesso de amor em uma família cheia de problemas emocionais faz com que interesses diversos colidam


Amy Adams, como a namorada de Mick, entrega sua atuação mais dosada, sem deixar de ser feroz em cena. O veterano Jack McGee, como o patriarca de uma família matriarcal, empresta leveza e carinho ao papel pequeno, mas engrandecido pelo ator. Contudo, do elenco quem mais se destaca, ainda que brilhe menos, é Mark Wahlberg. O ator, que há muito tempo nutria o desejo de filmar a história de Mick Ward, dita o ritmo do elenco com maestria. Em uma performance contida, que se contrapõe calculadamente a felina atuação de Christian Bale, Wahlberg é a alma do filme. É ele a força gravitacional de O vencedor. Generoso com seus colegas, Wahlberg trabalha para o time e proporciona que brilhem em papeis mais catárticos, mas que sem o ímã que é sua composição se perderiam. Um trabalho notável que vem sendo negligenciado nessa temporada de premiações.
O vencedor recebe a atenção merecida. Não é o melhor filme do ano, mas é um filme com gosto. É um filme que se aprecia com muita facilidade. Com sete indicações ao Oscar (filme, direção, roteiro original, ator coadjuvante – para Bale, atriz coadjuvante – para Melissa Leo e Amy Adams e montagem), o filme de David O. Russell é uma fita de alta voltagem emocional. É por não permitir que a platéia se perca dessa emoção genuína que é a vida em família, que O vencedor merece todo o reconhecimento que amealha.

4 comentários:

  1. Curiosa para esse, dessa semana não passa.

    bjs

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  2. Acho o filme satisfatório, mais pelas densas atuações, principalmente de Bale que é a pérola do filme, convenhamos. Melissa Leo está excelente, mas não desmereço Amy Adams e, sinceramente, qualquer uma das duas que vencer no Oscar será justo, não?

    Só pela cena do “I started a joke”, entendemos o porquê de Bale e Leo levarem todos os prêmios, até agora.

    Só me incomodou um pouco o tom cômico e esteriotipado das irmãs de Bale e Wahlberg no filme. Ficou muito "familia dó ré mi trash".

    Abraço!

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  3. Marcelo: Vc vai gostar!

    Amanda: É isso aí!

    Cristiano: Não acho que Bale seja o melhor do filme. Na verdade, dos quatro centrais pode ser o mais cativante, mas em termos de atuação é o menos ressonante. Essa cena que vc menciona é mesmo estupenda! Entendemos d efato pq ele e Leo estão levando tudo...
    Abs

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