terça-feira, 3 de setembro de 2013

Crítica - Muito barulho por nada

Dissabores shakespearianos

Todo autor que se preze aprecia Shakespeare. É uma contingência de ofício dos grandes cineastas. Joss Whedon, apesar da cotação ascendente desde o sucesso de Os vingadores, não está nessa horda. O que não o impediu de tentar um lugar ao sol. Muito barulho por nada (Much ado about nothing, EUA 2012) é uma releitura da homônima peça shakespeariana já filmada tantas outras vezes. Whedon declarou que por muito tempo hesitou em fazer o filme porque não sabia ao certo o que dizer. Foi durante a promoção de Os vingadores que ele percebeu no que poderia contribuir à clássica obra de Shakespeare em sua vertente cinematográfica.
Muito barulho por nada é um filme pequeno, rodado em 12 dias na casa do diretor durante um breve período de férias com amigos pessoais de Whedon; atores pouco famosos que tiveram seus grandes momentos em séries criadas por Whedon (Buff- a caça vampiros, Angel e Firefly).
Filmado em preto e branco, Muito barulho por nada propõe a estranheza como primeiro elemento a ser filtrado pela plateia. Apesar de situado nos tempos atuais, a linguagem é a clássica shakespeariana do período vitoriano. Esse choque, advoga Whedon com seu filme, revela a modernidade do texto do autor britânico.
Se a linguagem é do inglês arcaico, o gestual dos atores não poderia ser mais contemporâneo. Desse falso conflito subsiste a roupagem moderna do filme em sua estética avassaladora.
Jovens e boêmios envoltos às armações do destino, às estripulias da inveja e às canduras do amor que assalta corações, mentes e vontades.
A estrutura da peça original é mantida e Whedon, com algumas artimanhas visuais, estabelece uma narrativa que aposta na fisicalidade dos atores (o tom teatral é ainda mais valorizado em seu filme do que nas adaptações anteriores da peça) para produzir efeitos transversais. Ou seja, que remetam diretamente aos designados por Shakespeare como ele entendia, o que referencia Shakespeare como dramaturgo ainda relevante na radiografia das pandemias emocionais, e, simultaneamente, uma contagiante estrutura metalinguística em sua contemporaneidade.
A história? Em uma visita ao governador da Messina (Clark Gregg), um dos cavaleiros do príncipe, Cláudio (Fran Kranz) se enamora da filha do governador, Hero (Jillian Morgese), o que desperta a raiva do irmão do príncipe, Don John (Sean Maher) que intriga para que o casamento não se realize. Enquanto isso, o conselheiro do príncipe, Benedick (Alexis Denisof) e Beatrice (Amy Acker) vivem às turras, mas os demais percebem que eles estão, na verdade, apaixonados. E tramam para que se aproximem.
O tom farsesco é bem vindo nessa crônica atemporal sobre humanidades. Não há espaço para ambiguidades, a não ser aquela orquestrada cenicamente por Whedon que expõe todo o vigor do texto de Shakespeare em contradição à opacidade dos personagens contemporâneos da dramaturgia atual frequentemente esvaziados de qualquer sentido dramático.
Talvez seja isso o que Whedon tenha a dizer com seu filme. Esteticamente ruidoso, Muito barulho por nada versa sobre o ridículo que atinge a todos nós. Seja o “estar apaixonado” ou a recusa em nos reconhecermos banais.

2 comentários:

  1. Não sou de séries, então não acompanho a carreira de Joss Whedon há muito tempo. Fui apresentado a ele no interessante Serenity e venho acompanhando desde então com os divertidíssimos Os Vingadores e O Segredo da Cabana (roteiro). É um cara que sabe muito bem o que fazer. Gosto das similaridades entre esses dois filmes, não pela temática, claro, mas pelo faro administrador que Whedon possui, de atribuir importância a cada personagem de seus filmes. Isso é admirável.
    Como este é um projeto mais autoral e feito às escuras, sem intervenções de estúdio, estou ainda mais curioso por ""Muito Barulho por Nada". As fotos e a estética do filme me cativaram.
    Fico no aguardo e sigo curioso.

    Abs!

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  2. Elton: "Cabana do inferno", para mim, é dos piores filmes dos últimos tempos, ainda que parta de uma boa ideia. Bem, Whedon tá evoluindo. Ele sempre teve otimo olhar para personagens, tanto que o spin off de Buffy (Angel) fez mais sucesso do que o original. E tá aí o que ele conseguiu com "Os vingadores". Esse filme faz jus a essa fama.
    Abs

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