domingo, 15 de janeiro de 2012

Insight

Além do jabá

Na última seção Insight atentou-se para a sobreposição dos interesses da indústria do cinema na atividade da crítica cinematográfica. O texto partia de um episódio envolvendo uma publicação nova-iorquina e o produtor do filme Os homens que não amavam as mulheres para discutir a veia proselitista de Hollywood em sua relação com o jornalismo cultural, no geral, e com a crítica, em particular. Aventou-se, para tal fim, a figura do jabá (jargão jornalístico para aquelas matérias de interesse particular financiadas de maneiras diversas pelo interessado).
No jornalismo cultural, essa “chaga” é ainda mais movediça. Focando na cobertura cinematográfica, para cristalizar o raciocínio, é preciso reconhecer que revistas de cinema e demais veículos midiáticos que atuam nessa conjuntura dependem totalmente dos estúdios como fonte. Seja para visitas em sets de filmagens ou em eventos promocionais, como premieres e entrevistas coletivas. Até mesmo em renomados festivais, estúdios e produtores exercem considerável influência. É preciso estabelecer, também, que a cobertura desse nicho cultural é das menos prestigiadas pela grande imprensa, menorando ainda mais a independência de jornalistas que nele atuam. Na prática, isso quer dizer que muitas viagens para eventos promocionais são bancadas pelos estúdios em troca de espaço no veículo. Esse “jabá do bem” não costuma interferir na lógica das redações, sejam elas de grandes jornais (como Folha de São Paulo e  O Estado de São Paulo) ou veículos do segmento (como ocorreu com a revista SET no Brasil).

Robert Downey Jr. promove o segundo Sherlock Holmes no Brasil. O país começa a entrar na rota dos grandes estúdios para eventos promocionais de grandes lançamentos hollywoodianos


O que chama à atenção, no entanto, é o avanço que se verifica nessa relação em particular. Ao começar a pautar à imprensa, os estúdios passaram a se sentir cada vez mais à vontade para interferir no ritmo de produção das redações. Desvendou-se uma metodologia muito mais fácil e menos onerosa de controlar os rumos da cobertura cinematográfica (esquivando-se dos anúncios sempre mais custosos). Não à toa, as revistas de cinema rarearam. Nos EUA, por exemplo, a prestigiada Premiere hoje só atua na versão online. A EW, que embora dê maior atenção ao cinema é de entretenimento, faz parte do poderoso conglomerado de comunicação Time Warner. No Brasil, a única revista de cinema propriamente dito é a Preview, que em seu terceiro ano, parece mais solidificada no mercado. A Bravo, revista cultural, é patrocinada pela maior editora do país, a Abril.
Na Europa, o cenário é mais animador para as revistas de cinema. São cinco em Portugal, seis na Espanha e dez na Inglaterra. A Empire e a Total Film possuem versões nos três países. É óbvio que outros fatores contribuem para esse cenário em particular. E muitos deles passam pela internet.
A internet banalizou a crítica de cinema? Não necessariamente. Mas certamente transformou a percepção que a indústria tem da crítica. O impacto da internet no desempenho comercial de um filme é algo ainda difícil de ser mensurado em palavras. Justamente por isso, os estúdios – em um movimento justificadamente conservador – lançaram mão de artifícios dúbios e contestáveis para (vejam só) controlar a internet. Ainda levam um baita olé da pirataria, mas conseguem (pelas razões acima apontadas) exercer maior controle sobre a atividade jornalística. A crítica de cinema, nessa conjuntura, é vista como artifício promocional. Simplesmente. E deve ser abafada ou potencializada de acordo com as circunstâncias.
Compete às redações imputar perspectiva às ações cada vez mais expansivas dos estúdios. Não se advoga uma ruptura; afinal um não sobrevive sem o outro, mas recomenda-se cautela e bom senso de ambas as partes na elaboração de acordos como o que resultou na crise entre a revista New Yorker e a Sony Pictures, estúdio responsável por Os homens que não amavam as mulheres.

2 comentários:

  1. Perfeita reflexão, Reinaldo, mas essa dependência da pauta em relação às grandes produtoras é somente um reflexo da situação do Jornalismo Cultural no Brasil, que não existe. O Jornalismo Cultural no Brasil é jornalismo de evento, é crítica como guia do que fazer no final de semana. E isso só vai mudar se o mercado também mudar...

    Beijos!

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  2. Kamila: Vc apontou outra chaga da concepção de jornalismo que impera na grande imprensa.
    Bjs

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