sábado, 29 de janeiro de 2011

Filme em destaque: Um lugar qualquer

A nova introspecção de Sofia


Dizem que um grande cineasta faz sempre os mesmos filmes com uma ou outra variação temática. Dizem também que o quarto filme de Sofia Coppola é o mesmo que seu primeiro, segundo e terceiro trabalhos, mas com a tal da variação. Um lugar qualquer (Somewhere, EUA 2010), ganhador do leão de ouro no último festival de Veneza, é sobre melancolia e crise existencial, temas centrais na filmografia da cineasta.
Johnny Marco (Stephen Dorff) é um astro de filmes de ação de Hollywood que leva uma vida de superficialidades. Habituê do famoso hotel Chateau Marmont (onde John Belushi morreu de overdose), notório pela tolerância que dispensa a celebridades de toda a estirpe, Marco passa seus dias entre festas, álcool e sexo casual. Sem que se sinta necessariamente ligado a qualquer uma dessas coisas.


Sozinho com esse cara

Vida de um playboy acidental: Johnny Marco não é uma Linday Lohan, mas também não é um George Clooney



Sofia Coppola disse em entrevista a revista americana Premiere que sua intenção era deixar o espectador sozinho com Johnny Marco. Para que o público mais do que intuir, pudesse sentir o tédio, o vazio que caracteriza o cotidiano daquele homem entregue a melancolia da fama. A cena que abre Um lugar qualquer é, nesse sentido, de uma grandeza (ainda que dentro de um viés minimalista) sensorial. A câmera estática (característica do cinema da diretora) observa uma Ferrari dando uma, duas, três, quatro voltas em uma paisagem deserta. A Ferrari para e um homem, que logo viremos a saber que se trata desse Johnny Marco, sai do veículo e observa o nada a seu redor como quem não sabe exatamente que indagação deve fazer.
A solidão de Johnny Marco é interrompida pela chegada de Cleo (Elle Fanning). A filha de 11 anos que Marco recebe esporadicamente para programas tão exíguos quanto protocolares. Eis que a convivência acentuada com Cléo, possibilitada por um refugo nunca explicado a contento da mãe da menina, desperta uma ansiedade, um desejo oculto por algo mais real, vívido em Marco. É do alvorecer desse desejo que trata Um lugar qualquer e que também tratava Encontros e desencontros. A inadequação é um poderoso elemento no cinema de Sofia Coppola e Um lugar qualquer guarda muitas semelhanças com seu filme mais famoso.

Não é Veneza: Johnny e sua filha em uma premiação na Itália; sentimento de não petencimento em qualquer lugar



Ligação com a música
Outro elemento de força genuína no cinema de Sofia é a música. Como nos outros filmes, canções desempenham forte apelo narrativo e ajudam a decifrar tanto o estado de espírito dos personagens como o comentário que a diretora pretende fazer. Em Um lugar qualquer não poderia ser diferente. Entre silêncios e ruídos (sejam do motor da Ferrari ou do esfrega esfrega de strippers no poste de pole dance), a seleção musical de Um lugar qualquer, além de ótima qualidade, propicia uma conexão com a história de maneira quase midiúnica. “Acho que a música é uma forma de induzir a introspecção”, comenta a diretora sobre sua disposição de rechear seus filmes de músicas. A banda The strokes é uma constante. De quatro filmes, está presente em três. Mas Sofia - musa indie que escolhe bandas de igual prestígio entre os indies para seus filmes - argumenta que seus critérios se limitam a propriedade da história.
Para a cena em que Johnny Marco descobre um dos muitos talentos de sua filha, o espectador compartilha desse momento ao som de uma música genuinamente de gosto adolescente. Não é nova, mas nunca sai de moda e se ajusta perfeitamente ao momento de descoberta que se vislumbra. Sutilezas que enaltecem o cinema de Sofia. Ainda que você já a tenha visto fazer este filme antes, não o viu com essa música.

5 comentários:

  1. E aí, Reinaldo! Ótima a sua contextualização do filme com outras obras da Coppolinha, a gente percebe com facilidade ressonâncias claras de seus trabalhos anteriores neste aqui. Mas ela não me conquista, sinceramente. A despeito de "Encontros e Desencontros", que acho um filme apenas bom, considero o seu cinema direcionado a um nicho específico do qual eu não me encaixo. Os temas são universais, mas o toque e os direcionamentos não satisfaz a todos, e eu me incluo nesse público insatisfeito com sua pretensão indie e talz.

    Fora que, se quiser retratar o tédio, o filme não precisa ser tedioso, e "Um Lugar Qualquer" o é. O final eu achei batidíssimo e decepcionante, mas a graça deste filme está mesmo da dupla protagonista, que emociona em algumas cenas singelas e dóceis (como o café da manhã), bem como o relacionamento Murray X Johansson no outro filme.


    abs!

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  2. Sofia sabe muito bem filmar o tédio de forma interessante. Maria Antonieta naquela corte enfadonha, Bill Murray (igual este Johnny Marco não é?)nas armadilhas de sua profissão de estrela e aquelas garotas virgens do subúrbio americano. Bairro cafona e chato.

    Adoro o cinema da filha do poderoso chefão e principalmente do clima que ela capta. Sem dúvida vou conferir no cinema.

    A trilha é sempre uma ótima seleção. Tanto que ouço quase sempre o soundtrack de Antonieta! Ela tbm usa The Cure, como Strokes.

    Abs.
    Ótimo texto
    Rodrigo

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  3. Muito boa mesmo a contextualização. Ainda estu curiosa quanto ao resultado de Um Lugar Qualquer. Espero conferir logo.

    bjs

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  4. Dissestes o que deveria ser dito desta última obra de Sofia!

    Abro parênteses para confessar que estou cada vez menos preparado para finais a la Um Lugar Qualquer. Acho que meu coração aos 60 anos não mais aguentaria um filme assim... Aliás, reparastes que, talvez todos (faltam-me 2), dos filmes indicados a Melhor Filme no Oscar deixam-nos com o coração na mão?! Espero ansioso por um Quem Quer Ser Um Milionário este ano!

    Ah... parabéns pelas reportagens de cobertura do Oscar! Sempre relevantes!

    ABS

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  5. Elton: Tb não sou grande entusiasta do cinema de Sofia Coppola.Tb vejo muita pretensão ali. O que não quer dizer que ela não seja talentosa. O é. E o que mais me chama atenção neste filme é a evolução dela no ofício da direção. Não à toa papai Coppola se queixou de que ela não o consultou. A questão que se impõe é: Da onde ela vai daqui? Não creio que revisitar aspectos de Encontros e desencontros novamente lhe seja produtivo, do ponto de vista autoral. abs

    Rodrigo: As trilhas dos filmes de Sofia são o máximo mesmo. Ela tem um belo ouvido e exercita sua sensibilidade na trilha de seus filmes tb. Nesse sentido faz lembrar gente como Clint Eastwood e Pedro Almodóvar (guardadas as devidas proporções, é claro).
    Abs

    Amanda:Espero que vc possa conferir em breve. Bjs

    Cássio:Obrigado pelos parabéns e elogios Cássio. Gostei dessa tua lembrança sobre os filmes do Oscar. É verdade mesmo. Que coisa...
    abs

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