O cinema francês é a coqueluche definitiva do cinéfilo
paulistano. Nenhuma cinematografia é tão bem adornada por programadores das
salas alternativas da cidade como os filmes que vem da terra de Napoleão
Bonaparte, Luis XIV e Amelie Poulain. O cinema argentino bem que tenta, mas não
consegue arranhar o domínio francês em terras brasileiras. Uma rápida pesquisa
demonstra que em São Paulo ,
há menos lançamentos franceses apenas do que há de estreias brasileiras e
americanas. Um feito e tanto para um cinema que começa a projetar por aqui
produções mais comerciais como Os nomes do amor e Paris-Manhattan. Além dos
lançamentos obrigatórios de gente como François Ozon, Audrey Tautou, Daniel
Auteuil e Juliette Binoche. Não à toa, todos tiveram filmes lançados na cidade
em 2013.
Cena de A espuma dos dias, de Michel Gondry, atualmente em cartaz em São Paulo |
Essa profusão francesa pode ser percebida sob dois aspectos
distintos, mas complementares. O primeiro é de ordem política no fomento da
produção cinematográfica. A chamada “exceção cultural” vigora na França há
pouco mais de 20 anos e é uma política de reserva de mercado, não apenas para o
cinema como para outros objetos da cultura como literatura, teatro e música.
Existe uma cota de filmes franceses que devem ser exibidos nas salas de cinema
do país e um repasse muito bem regulamentado e auditado de dinheiro público
(oriundo de taxação sobre produtos culturais estrangeiros) para o fomento do
cinema francês. Vive-se atualmente um momento de apreensão com um possível
acordo econômico entre EUA e União Europeia (bloco econômico integrado pela França) que
torne ineficaz a “exceção cultural”. Muitos cineastas europeus, inclusive,
já se pronunciaram contra esse possível acordo econômico que praticamente
feriria de morte os mercados de cinema europeus em face do poderio da armada
hollywoodiana.
Juliette Binoche, estrela da última edição desta coluna, no cartaz de Camille Caludel, 1915, filme que entra em cartaz na cidade na próxima semana: esse será o terceiro longa francês com a atriz no elenco lançado em 2013 nos cinemas paulistanos
Há muita gente que defende reserva de mercado, mas porque
nem todos conseguem ser como a França? Porque além da efetividade dos repasses
financeiros naquele país, há desprendimento da classe artística em expandir
seus limites e criatividade no trato com eles. Há, também, um interesse genuíno
em dilatar a percepção que se tem do cinema francês. Vieram da França os primeiros
filmes a tratar abertamente da união homossexual sem conferir peso à polêmica.
Vêm da França produções esteticamente questionadoras e narrativamente
envolventes. O cinema francês tampouco se avexa em importar talentos. Cineastas
iranianos, alemães, austríacos, espanhóis e de outras tantas nacionalidades se apropriam da
dialética cinematográfica francesa para enriquecer tanto a própria filmografia
como o cinema do país que abriga o mais prestigiado festival de cinema do
mundo.
São detalhes que somados ensejam um panorama aparentemente
simples, mas que exige vontade política, convicção cultural e apetite
socioeconômico.
Como um efeito borboleta, medidas que começaram a ser
desenhadas quando Collor acabou com a produção de cinema no Brasil refletem em
uma competitividade parelha, em termos de interesse segmentado, entre os
cinemas produzidos na França e no Brasil na maior metrópole brasileira. Um
sintoma disso é que o festival Varilux de cinema francês chegou em 2013 a sua 12ª edição e foi
ampliado para mais algumas capitais brasileiras. Esse tipo de ação promocional,
patrocinado pelo ministério da cultura francês, demonstra que todo bom time
precisa de uma boa gestão para dar certo.