terça-feira, 19 de novembro de 2013

Claquete repercute - Febre do rato


Cláudio Assis é dos diretores mais criativos, intransigentes e pulsantes do cinema nacional. Sua ainda curta filmografia é caracterizada por uma estética ousada e virulenta e interesses temáticos peculiares que colidem na caretice dos tempos contemporâneos e não se ajustam aos padrões comerciais vigentes no cinema. Reiteradas declarações do diretor pernambucano dão conta de que ele se incomoda com essa percepção que o desenha tão marginal e circunscrito, mas seu cinema se oxigena de uma forma que as palavras raivosas de Assis não conseguem tangenciar. Febre do rato (Brasil 2011), nesse contexto, até que é bem comportado. É o filme mais convencional do anticonvencional Assis. Se há menos experimentações estéticas, os temas que atraem o diretor estão todos lá incautos em uma representação acalorada e transgressiva da baixa Recife.
O preto e branco da fotografia de Walter Carvalho é uma edulcoração da forma, uma poesia narrativa a que Assis se permite à medida que fala de arte, poesia em particular, como elemento de transgressão, de elaboração de uma identidade livre, mutável e anárquica como Zizo (Irandhir Santos), o protagonista do filme. Conhecido como poeta, Zizo perambula por Recife recitando poemas anárquicos no conteúdo, mas cintilantes na forma. Enérgico e cheio de paixão, Zizo  faz sexo com mulheres velhas da região, fuma maconha e escreve, escreve e escreve.  A destilar seu inconformismo para pazinho, um coveiro que vive as turras com a mulher que é o homem de sua vida, Zizo se assombra com a falta da capacidade de aperrear das pessoas. Do trepar sem gozar, como tão bem alude. Acontece que o próprio poeta vai ficando refém de um amor que o toma de assalto e lhe esfrega a impotência na cara. Eneida (Nanda Costa) é uma jovem libertária que provoca o poeta, mas hesita em se entregar para ele, a quem rotula sacanamente de publicitário. Enquanto investe na tentação que é Eneida, Zizo vai dando outro corpo a seu anarquismo.
A trama de Febre do rato, o nome do filme é também o nome do tabloide que Zizo edita contra as forças dominantes da sociedade, é ela mesma a mimetização da anarquia do cinema de Assis, estranhamente mais organizado narrativamente.  A nudez, o sexo e o despojamento com que se misturam a um ambiente de aridez expressa e contínua mimetizam o caráter transgressivo em Assis e toda a opulência de seu discurso contra as elites (política, intelectual ou qualquer outra).

O poeta e sua inesperada e desejada musa: transgressão porosa

Febre do rato é, portanto, menos uma crônica pernambucana ou de Pernambuco e mais uma intermitência intradiegética. Ou a proposição dessa intermitência.  O roteiro, assinado em colaboração com Hilton Lacerda e Xico Sá, não à toa dá à poesia a incondicionalidade da razão. Todos ouvem Zizo mesmo que não o entendam. Pazinho certo momento lhe informa disso para ser retrucado: “Eu gosto de você gostar do que não entende”.
O radicalismo de Assis, nesse sentido, está menos nos devaneios estéticos que alienaram muitos em Amarelo manga (2002) e Baixio das bestas (2007) e mais na veiculação das ideias. No fim do filme, quando Zizo recita um poema e incita que os ouvintes tirem a roupa como metaforização para o desnudamento de seus corações,  Assis atinge o epicentro desse radicalismo formal e ao exibir Irandhir Santos e Nanda Costa totalmente nus, funde o discurso de seu protagonista ao do filme de maneira irreversível.  Cláudio Assis, mais maduro, ainda quer aperrear.


2 comentários:

  1. Pela análise, Reinaldo. E acho interessante que esse filme tenha sido o escolhido pelo público no Grande Prêmio Brasileiro de Cinema, mostra que o filme consegue dialogar.

    bjs

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  2. Obrigado Amanda! Pois é e a crítica escolher "Gonzaga - de pai para filho" foi passar recibo para o público...
    Bjs

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