segunda-feira, 10 de março de 2014

Crítica: Inside LLewyn Davis – balada de um homem comum


Não se vê nenhum dinheiro aí...

Em um certo momento de Inside Llewyn Davis – balada de um homem comum (Inside Llewyn Davis, EUA 2013), o empresário musical vivido por F. Murray Abraham diz para Llewyn Davis, um homem que tenta aos trancos e barrancos vingar como músico, que não vê nenhum dinheiro nele. De forma dura e até mesmo cruel, o tipo avisa o procrastinado Davis que ele não tem o carisma e a simpatia de um cantor solo. Que ele deveria voltar a fazer dupla com seu antigo parceiro.  O que o homem ignora, é que o antigo parceiro de Davis se jogou da ponte George Washington. As pessoas costumam se jogar da ponte do Brooklin, lhe desautoriza outro personagem, vivido com rabugice por John Goodman. Esses dois recortes entregam: estamos em um território que os Coen conhecem bem. Dos losers. Dos expelidos do sonho americano.
Os Coen se aferram a um fiapo de trama, um homem que quer vingar na música no Greenwich Village de 1961, quando a cena folk emergia com toda a sua força em Nova Iorque, e que por razões diversas fracassa ruidosamente. Flagrando seu protagonista o tempo todo, os Coen fazem um tour de force de direção, uma raridade na cinematografia atual de fluxo constante e narrativa congestionada, exaurindo uma ideia remota em um filme muito rico sobre um zé-ninguém.
O caráter cíclico das andanças para lugar nenhum de Davis é muito bem salientada no final do filme quando a audiência se convence de que nenhuma catarse virá. Que Llewyn Davis continuará sendo o derrotado que sempre foi. Mas por quê? A pergunta é menos capciosa do que aparenta ser. Davis é um tipo autodestrutivo. A toda chance que tem de prosperar ele se sabota, ainda que inconscientemente. Engravida a mulher do amigo que lhe estende a mão, abre mão dos royalties de uma música apenas para ser pago na hora e comete outras displicências no curso do filme. O que os Coen sugerem muito sutilmente, e todo o filme é construído sobre sutilezas, é de que Llewyn Davis não dá certo na vida porque de alguma maneira quer dar errado. Há certa graça na sarjeta e como a canção que abre o filme e anuncia o seu fim, a forca não é raiz das preocupações de Davis, mas sim padecer eternamente no cemitério (um trabalho fixo, uma vida regrada?).

Oscar Isaac como Llewyn Davis: um ator que aceita o desafio de se expressar nas miudezas...

Interpretações à parte, Inside Llewyn Davis não é um dos highlights dos Coen, ainda que seja um filme digníssimo. É muito fácil entender sua ausência no Oscar. Um protagonista antipático, maravilhosamente adensado por Isaac, ator de fino trato e em franca ascensão, uma história que não chega a lugar algum e que apresenta uma moral que os próprios Coen já ofereceram com muito mais adrenalina em filmes como Um homem sério (2009) e O homem que não estava lá (2000).
É um filme, enfim, para a cinefilia e para aqueles que admiram a filmografia dos cineastas. Fora desse círculo, é um filme tacanho e sem grandes aspirações, tal qual seu protagonista. Como um bom folk, o novo filme dos Coen não é para todos os gostos. 

4 comentários:

  1. Estou muito curiosa para assistir a este filme, porque acho que deve ser algo diferente na carreira dos irmãos Coen. Espero que estreie na minha cidade.

    ResponderExcluir
  2. Gostei bastante do trabalho do protagonista e saí do cinema me perguntando em que medida, não somos, cada um de nós, também um pouco fraude, meio que nossos maiores sabotadores.

    ResponderExcluir
  3. Pois é, quanto mais penso nesse filme, mais gosto dele. Sua interpretação é mais que precisa. Em seu inconsciente, ele curte estar na fossa, dormir em sofás emprestados, ser um pouco gato largado por aí.Quantas pessoas passam a vida se lamentando da má sorte? O sucesso parece assustar mesmo.

    Enfim, já divaguei demais, rs, seu texto nos inspira a isso, tanto quanto o filme dos Coen.

    bjs

    ResponderExcluir
  4. Kamila: Espero que vc possa ver logo Ka. É um filme muito bom!
    Bjs

    Aline:Oscar Isaac é desses atores para se observar. Assim como vc e a Amanda, comungo da mesma perspectiva dos Coen.
    Bjs

    Amanda: O brigado pela deferência. O ser humano é mesmo um bicho complicado e os Coen se fizeram em cima dessa máxima...
    bjs

    ResponderExcluir