domingo, 4 de agosto de 2013

Insight - Jornalismo e cinema: tudo a ver?

Cena do vencedor do Oscar 2013 Argo, o cinema verdade elevado a outro patamar no esquema hollywoodiano de produção

Falar da crise criativa que assola o cinema, em particular o cinema americano, é chover no molhado cada vez mais encharcado. Mas o cinema, em um daqueles movimentos de autopreservação, vem sofisticando uma alternativa para lá de charmosa, inteligente e engenhosa. A rigor, o cinema sempre foi beber de outras fontes. A literatura é a campeã história, mas as HQs gozam de um prestígio cada vez mais expandido. Muita em parte porque rendem fábulas (mas os filmes estão cada vez mais caros).
É o jornalismo, que como matéria-prima ou objeto de análise já rendeu filmes inesquecíveis e maravilhosos, que está municiando alguns dos filmes mais interessantes dos últimos meses. Ainda não dá para dizer que é uma tendência, mas certamente é uma saída.  Enquanto se discute se The fifth estate, primeira cinebiografia de Julian Assange a chegar aos cinemas, será o filme do ano ou não, outras produções vão capitalizando em cima do fazer jornalístico.
O marco zero poderia ser A rede social, que é baseado em um livro investigativo assinado por Ben Mezrich. Mas “Bilionários por acaso”, por mais jornalístico que fosse, ainda era um livro. Não era o caso de Argo. Um livro foi lançado, mas a origem do roteiro se relaciona com uma reportagem publicada em 2007 pela revista americana Wired intitulada “How the CIA used a fake sci-fi flick to rescue americans from Tehan”. George Clooney, produtor de Argo, está inclusive trabalhando para adaptar outra reportagem do jornalista Joshuah Bearman.
O novo filme de Sofia Coppola, um dos destaques desse mês de agosto nos cinemas brasileiros, seguiu trilha parecida. Um livro está nas prateleiras das livrarias agora (“Bling ring e a verdadeira gangue de Hollywood”), mas a fonte de Sofia Coppola é uma reportagem publicada há alguns anos na revista Vanity Fair. Ao ler a reportagem, Sofia se interessou imediatamente pelo assunto.

Paris Hilton, uma das celebridades que teve sua casa invadida pelos jovens infratores que dão vazão ao novo filme de Sofia Coppola, topou fazer uma ponta em The blin ring e estrelou um ensaio para a revista Elle clicado pela própria Sofia Coppola. O estreitamento entre cinema e jornalismo de uma perspectiva completamente renovada

Um dos filmes brasileiros mais instigantes e surpreendentes do ano é O que se move. O filme de Caetano Gotardo, que versa sobre o luto e outros tipos de perda, filtra suas histórias das notícias de jornal. A estratégia renova a linguagem cinematográfica ou a engessa? Por que esse súbito interesse pelo real?
No caso dos filmes americanos, o caráter excepcional dos acontecimentos garante o interesse e sustenta a percepção de que a realidade sempre supera a ficção. Amparar-se no fazer jornalístico, portanto, é recodificar o “inspirado em fatos reais”; é imaginar em cima de conflitos pré-existentes e, em alguns casos, já resolvidos.
O filme brasileiro segue uma linha de raciocínio diferente. Esconde-se na banalidade do dia a dia e se desobriga de fazer investigação no cinema.
São propostas criativas que vêm arejar o fazer cinematográfico. O que se move é um roteiro original, ainda que salpicado de verdades de cá, enquanto que os exemplares americanos são adaptações estritas, mas oxigenadas pela liberdade que encontram em pensar por dentro dessa verdade.
Não se trata de cinema que se pretende jornalístico, como é o caso de alguns documentários, mas de um substrato que enxerga no jornalismo – especialmente o investigativo – uma fonte rica e inexplorada de recursos para a ficção.

4 comentários:

  1. Ótima e interessante observação, Reinaldo. Se é uma tendência ou não, o tempo irá nos dizer, mas é uma saída como você bem define. Na minha concepção, é uma fonte de inspiração da qual pode-se basear um roteiro, assim como também pode reproduzir fielmente tal fato curioso nas telonas, o que seria um desdobramento do "baseado em fatos reais".
    Da mesma forma, o jornalismo também pode ser o "tom" do filme, da maneira com que é desenvolvida a história, com um viés mais descritivo e inevitavelmente episódico. Dois exemplos pulam na minha mente - e dois filmes que considero grandiosos: Syriana e A Hora Mais Escura. Este são exemplares que, pra mim, é jornalismo no cinema. Que casamento maravilhoso, não?

    Abs!

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  2. Elton Telles: Obrigado meu caro! Vc observa muito bem quando lembra que o jornalismo já está aí "flertando" com o cinema há algum tempo. "Syriana" e "A hora mais escura" são filmes que se rpetendem exatamente jornalísticos. Anuviar a fronteira entre ficção e realidade. É uma sorte diferente, mas francamente complementar, da sublinhada por mim aqui neste Insight. É ver onde essa "suruba" (casamento é muito formal, vai) vai dar!
    Abs

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  3. Bela reflexão, Reinaldo. E realmente, é uma coisa que sempre deu jogo, mesmo que sem ser tão explícito, já que notícias sempre forma fonte de inspiração de roteiristas. E é mesmo uma boa saída para a falta de inspiração que assola o cinema nos últimos anos.

    bjs

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  4. Amanda: Obrigado Amanda. Vamos ver como essa relação entre jornalismo e cinema evolui daqui para frente nesse contexto.
    Bjs

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