segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Repercutindo a 68ª edição do Festival de Veneza

Há pelo menos quatro anos, Veneza agonizava com o que se convencionava chamar de “safra abaixo da média”. Desde o ano em que O segredo de Brokeback Mountain prevaleceu no lido, a safra de Veneza não recebe tantos elogios. Curiosamente, tanto naquele ano como em 2011, George Clooney competia com um drama de verniz político (Boa noite e boa sorte em 2005 e Tudo pelo poder em 2011).
A 68ª edição do festival de cinema mais antigo do mundo chegou ao fim no último sábado (10) com um saldo bastante positivo. Primeiro por ter apresentado uma seleção de filmes de alto nível, com pelo menos dez filmes que entusiasmaram crítica e indústria. Segundo, pela presente safra recuperar um prestígio que parecia cada vez mais distante de Veneza que se apequenava ante a badalação do festival de Toronto, com o qual divide alguns dias de setembro. Contudo, a maior glória para Veneza veio da comparação com o maior rival, Cannes. A pujança cinematográfica de Veneza causou impressões mais entusiasmantes do que a do festival francês em maio último. Inclusive pela escolha do vencedor. Se A árvore da vida provocou reações adversas, e sua consagração com a Palma de ouro causou mais estranheza do que congratulações, o mesmo não se pode dizer do vencedor do Leão de ouro. Faust, de Alexander Sokurov não era o favorito da crítica, que preferia o francês Carnage ou o inglês Shame, mas foi um filme bastante elogiado e desde sua exibição, apontado como um legítimo candidato ao prêmio.
Esse fato não esconde outra característica de Veneza e de tantos outros festivais de cinema mundo afora. A discordância entre júri e crítica sempre é um show a parte. É algo até mesmo esperado devido à heterogeneidade de cada júri e seus critérios tão esparsos quanto o de qualquer grupo de eleitores. Contudo, em 2011, chamou à atenção a predisposição de excluir algumas diretrizes apontadas pela crítica. Afora Michael Fassbender, que concorria consigo mesmo com as duas performances mais elogiadas de todo o evento, o júri presidido pelo cineasta americano Darren Aronofsky optou por deixar os filmes mais elogiados do evento de fora do pool dos premiados. Carnage, Tudo pelo poder e A dangerous method eram três dos filmes mais celebrados que acabaram sem um prêmio sequer. Em defesa do júri de Aronofsky, o alto nível da seleção trabalhou para que ótimos filmes saíssem sem conquistas em Veneza.


Alexander Sokurov com seu leão de ouro: havia uma certeza de que Faust receberia algum prêmio...



A política dos prêmios
Quem esperava que Tudo pelo poder de George Clooney prevalecesse por seu teor político não estava de todo errado. Faust é um filme essencialmente político. Sokurov, aliás, o apresenta como o eixo final de sua tetralogia sobre o poder. Desde 2001, o russo faz filmes sobre figuras que marcaram o poder. Moloch, sobre Hitler, Taurus, sobre Lênin e O sol, sobre Hiroshito. O texto de Goethe, sobre um personagem fictício que realiza um pacto com o Diabo em troca de sabedoria, parece um fecho apropriado para um projeto tão audacioso quanto megalomaníaco. Pesa aqui o nome de Aronofsky como presidente do júri. Faust é um filme de cenas fortes, de cores expressionistas e linguagem muito próxima da que apetece Aronofsky enquanto cineasta. A leitura que a crítica internacional faz de Faust possibilita a interpretação de que Aronofsky tenha se sentido atraído pelo filme.
No campo das atuações, também não houve contestações. Deanne Yip, vencedora pelo chinês Tao Jie (A simple Life), era uma das apostas. Assim como havia quem acreditasse que a inglesa Kate Winslet pudesse prevalecer como o único prêmio concedido a Carnage. Já a Copa Volpi de atuação masculina parecia reservada para Michael Fassbender. A certeza era tanta, que o ator adiou sua ida para Toronto, onde ontem foi exibido pela primeira vez A dangeous method, para buscar seu prêmio por Shame no palco do lido.
O leão de prata de direção foi concedido a Cai Shangjun por Ren Shan Ren Hai (People mountain people sea). Esse era o filme surpresa que Veneza tornou tradição há três anos. A fita de ação foi bastante elogiada. A escolha de Cai Shangjun revela um súbito apreço por trabalhos do tipo. Vale lembrar que em Cannes, o júri premiou o dinamarquês Nicolas Winding Refn pelo filme Drive, uma fita, até certo ponto, destoante do rol de filmes de festivais.

Michael Fassbender foi só sorrisos ao receber a Copa Volpi de melhor ator por Shame


E não há como um festival não premiar o cinema da casa. Em 2011, o italiano Terraferma, um drama sobre imigração, foi o escolhido para prestigiar a produção italiana. A fita de Emanuele Crialese não inspirou grandes elogios, mas a escolha para receber o prêmio especial do júri (uma espécie de segundo lugar) não foi contestada.
O grego Alpis, de Yorgos Lanthimos levou o prêmio de roteiro, enquanto que o troféu mais técnico do festival – o de fotografia – foi para o britânico O morro dos ventos uivantes, de Andrea Arnold. Apenas O espião que sabia demais, da tropa inglesa, ficou sem prêmio.
A imprensa internacional repercutiu bem as escolhas. Nos EUA, a preferência era por Shame, filme que –tudo indica- deve levar Michael Fassbender a postular uma vaga entre os oscarizáveis do ano. Na Europa, a predileção era por Carnage, de Roman Polanski e Killer Joe, de William Friedkin. Além do próprio Faust, que embora represente a Rússia é falado inteiramente em alemão; e agradou especialmente à crítica daquele país.
No Brasil, a crítica repercutiu de maneira mais positiva os resultados de Veneza do que os do último festival de Cannes. O que caracteriza mais um ganho para o festival italiano. Para o Estado de São Paulo, o triunfo de Faust foi o triunfo do melhor concorrente. Para a Folha de São Paulo, a vitória foi justa como seria se outros três ou quatro filmes prevalecessem. As outras escolhas do júri também foram recebidas com simpatia pelo O Globo e por portais como IG e UOL.
Nos EUA houve certo descontentamento por nenhuma das cinco produções do país ser lembrada. Mas as escolhas não foram questionadas.
É inegável que a 68ª edição devolveu à Veneza um brilho e ressonância que pareciam perdidos. Esse dado pode se mostrar muito produtivo nas próximas temporadas na hora dos cineastas escolherem a plataforma de lançamento de suas mais novas produções. Muitos filmes exibidos em Veneza deverão chegar ao Oscar e, antes disso, marcar presença no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

5 comentários:

  1. Sem dúvidas, Veneza ressurgiu esse ano com força total. A nós, só resta esperar que esses filmes cheguem por aqui. Mesmo sem prêmio, quero muito ver Carnage. E claro, já estou ansiosa para conferir Faust.

    bjs

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  2. Excelente e especializada cobertura de Veneza Reinaldo! Interessante e até óbvio o Alexander Sokurov levar o prêmio. Da sua obra só não sou fã de "A Arca Russa"

    Carnage esta na lista sem falta!

    Grande abraço.

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  3. E putz, Fassbender né...bom vc sabe que gosto dele. HA! Sem mais comentários OH!

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  4. Fiquei muito feliz com a vitória de Sokúrov por FAUSTO!

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  5. Amanda: Pois é, foi uma edição muito boa. Bjs

    Rodrigo: Vamos ouvir muito de Fassbender nos próximos meses Rodrigo. Deleitai-vos! rsrs
    Abs

    Luiz Santiago: Tb gostei, mas acho que teve uma pontinha de "não vamos fazer o que a crítica deseja".
    Abs

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