Sofro, logo existo!
Álbum de família (August: osage county, EUA 2013) abre com
uma frase de T.S. Elliot (“A vida é longa”) para logo desautorizar um dos
maiores cânones da literatura americana. É um início promissor. Não à toa, o
filme é baseado na peça vencedora do Pulitzer e adaptada pelo próprio autor,
Tracy Letts. Mas diferentemente de Killer Joe – matador de aluguel, também
adaptado por Letts de sua própria peça, a transição do teatro para o cinema se
faz sentir. O elenco, recheado de figurões de Hollywood, brilha intensamente
com material delirantemente dramático e bem pavimentado no humor negro, mas não
evita a sensação de que o filme como um todo só existe como veículo para seus
atores – em
especial Meryl Streep e Julia Roberts, ambas cotadas para o
Oscar.
Dirigido por John Wells (A grande virada) e produzido por
George Clooney, Álbum de família tem sua ação detonada pela morte do patriarca
da família Weston, vivido por Sam Shepard. Meryl Streep faz a viúva, que padece
de um câncer na boca e de um vício incontrolável por antidepressivos e
congêneres. A morte do marido reúne a família novamente. Julia Roberts faz
Barb, a filha mais velha e que guarda mais semelhanças com a mãe do que
gostaria de admitir, Julianne Nicholson faz Ivy, a filha que subtraiu-se de si
mesma e ficou na cidade cuidando dos pais enquanto as outras irmãs saíram de
Osage county. Juliette Lewis faz a despirocada Karen, que troca de homem
frequentemente e traz o noivo surpresa (Dermot Mulroney) para o funeral do pai.
Soma-se a essa galeria de personagens, a irmã de Violet (Streep), vivida com
força demolidora por Margo Martindale. Seu marido é interpretado por Chris
Cooper e o filho que ela rejeita é vivido por Benedict Cumberbatch. Os dois
atores fazem um contraponto ao tom superlativo das principais mulheres da
trama.
O elenco é completado, ainda, por Ewan McGregor como o
marido de Barb e Abigail Breslin, como a filha do casal.
Atrizes em êxtase: o elenco feminino é a principal força, e deverás ostensiva, de Álbum de família
Segredos sórdidos e ressentimentos desmesurados movem a
narrativa que se resolve nos contornos de um filme tradicional sobre famílias
desestruturadas. No entanto, um olhar mais refinado revelará um conflito
geracional como valioso subtexto. Há nos contornos da narrativa a preocupação
em situar as diferenças pulsantes entre as gerações da família e é aí, nesse
bom subtexto, que há menor incidência da mão pesada de Wells e justamente por
isso percebe-se o quanto é bom o texto de Letts e como a transição para o
cinema o engessou, reconfigurando-o como um filme de atores.
Toda a família tem suas rachaduras e o sofrimento dos
membros do clã Weston vai, invariavelmente, avocar a identificação da
audiência. Esse aspecto deturpa, em favor do filme, a avaliação que se faz dele
de imediato. O tempo, no entanto, jogará luz sobre as limitações de um filme
que receberia a pecha de “televisivo” – definição cada vez mais deslocada em
virtude da qualidade crescente que se verifica na referida mídia – não fosse o
elenco de ases da atuação.
Não se advoga que há demérito em uma produção por ela ser
talhada para atores brilharem, apenas se defende que, no caso de Álbum de
família, essa qualidade derroga sua potencialidade narrativa resultando em um
filme impactante no primeiro momento, mas longe de maiores notas.
Ainda em êxtase com a cena da refeição pós-enterro, nós vamos do trágico ao cômico em segundos.
ResponderExcluir