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sábado, 23 de novembro de 2013

Crítica - Jovem e bela

Entre a ingenuidade e a perversão

O segundo filme de François Ozon, que para todos os efeitos é o cineasta mais sofisticado a desvelar narrativas no cinema atual, lançado em 2013 nos cinemas brasileiros, é um primor tanto em matéria de provocação como de reflexão. Jovem e bela (Jeune & Jolie, FRA 2013) ostenta em sua essência a referência suprema que é A bela da tarde, do mestre Luis Buñuel, sobre uma mulher que se prostitui às tardes em busca de prazer carnal não verificado em sua relação conjugal. Mas essa referência é parca. Em Jovem e bela, Ozon não está interessado, em primazia, em discorrer fetiches femininos ou masculinos que se intercambiam aos primeiros. Ele recusa aprofundar-se justamente naquilo que o público espera dele. Isabelle (Marine Vacth) fez 17 anos justamente no momento em que perde sua virgindade com um turista alemão durante um verão em que passa na praia com sua família. Dali em diante, acompanharemos Isabelle se prostituindo, sempre com homens mais velhos, pelas próximas estações.
Ozon sabe fazer as perguntas certas. Por que, afinal, aquela garota bonita e bem de vida se entregaria à prostituição? Há pistas sedutoras ao longo do caminho, mas não há uma resposta formal. Ozon enseja uma reflexão sobre a descoberta da sexualidade e toda a construção moral que se organiza em seu entorno. Mesmo no seio da liberal sociedade francesa. Em um dado momento, um personagem pergunta para Isabelle porque cobrar nesses encontros sexuais e ela responde “porque assim é mais fácil”. O que é mais fácil? Ora, experimentar. Experimentar-se sem ter que se explicar, explicar-se. É interessante observar como Isabelle, aparentemente uma figura desapaixonada, vai arregimentando sua sexualidade como arma, mesmo que opte por frear-se cá e lá.
Logo na abertura do filme, o cineasta esbraveja sua provocação. Com um binóculo, observamos uma garota fazendo topless. Depois vemos que quem observava a garota era um menino e logo adiante descobrimos que o menino é o irmão da garota, que é justamente Isabelle. A curiosidade pelo sexo, o receio em relação ao sexo, o temor em relação ao sexo e demais rodeios humanos em relação ao sexo pautam Jovem e bela, que incide um olhar agudo sobre a “beleza perdida” da juventude – principalmente na primorosa cena final – e a forma como o sexo se transforma em um canal a irrigá-la.
Imagens belas adornam uma das narrativas mais sofisticadas
do ano nos cinemas
Ozon sabiamente faz com que o espectador sinta-se amoral por a todo tempo adivinhar as razões que movem Isabelle para logo depois desorientá-lo com a ausência de uma resposta clara e abalizada. Ao posicionar seu público na esquina da dúvida, brincando com os conceitos de ingenuidade e perversão – que balbuciam e se bifurcam na tela – o cineasta oferece uma análise porosa, desabrida e cheia de vida e indagações, tal como a juventude.
É preciso louvar, ainda, o talento da atriz Marine Vacth. Ela pratica o que parece uma “não atuação”. Sempre desconfortável em cena, seja simulando prazer, seja sendo uma adolescente desengonçada ou uma mulher segura da potência de sua sexualidade, Vacth sobeja precisão e frescor. Sua performance afiada é sinal, também, do excelente momento criativo que vive Ozon. Ainda que Jovem e bela não seja no todo tão impressionante e complexo como Dentro da casa, é um filme de invejável fôlego narrativo e sofisticação singular. É cinema com muito mais do que algo a mais.

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