Cláudio Assis é dos diretores mais criativos, intransigentes
e pulsantes do cinema nacional. Sua ainda curta filmografia é caracterizada por
uma estética ousada e virulenta e interesses temáticos peculiares que colidem
na caretice dos tempos contemporâneos e não se ajustam aos padrões comerciais
vigentes no cinema. Reiteradas declarações do diretor pernambucano dão conta de
que ele se incomoda com essa percepção que o desenha tão marginal e
circunscrito, mas seu cinema se oxigena de uma forma que as palavras raivosas
de Assis não conseguem tangenciar. Febre do rato (Brasil 2011), nesse contexto,
até que é bem comportado. É o filme mais convencional do anticonvencional
Assis. Se há menos experimentações estéticas, os temas que atraem o diretor
estão todos lá incautos em uma representação acalorada e transgressiva da baixa
Recife.
O preto e branco da fotografia de Walter Carvalho é uma
edulcoração da forma, uma poesia narrativa a que Assis se permite à medida que
fala de arte, poesia em particular, como elemento de transgressão, de
elaboração de uma identidade livre, mutável e anárquica como Zizo (Irandhir
Santos), o protagonista do filme. Conhecido como poeta, Zizo perambula por
Recife recitando poemas anárquicos no conteúdo, mas cintilantes na forma.
Enérgico e cheio de paixão, Zizo faz sexo com mulheres velhas da região,
fuma maconha e escreve, escreve e escreve. A destilar seu inconformismo
para pazinho, um coveiro que vive as turras com a mulher que é o homem de sua
vida, Zizo se assombra com a falta da capacidade de aperrear das pessoas. Do
trepar sem gozar, como tão bem alude. Acontece que o próprio poeta vai ficando
refém de um amor que o toma de assalto e lhe esfrega a impotência na cara.
Eneida (Nanda Costa) é uma jovem libertária que provoca o poeta, mas hesita em
se entregar para ele, a quem rotula sacanamente de publicitário. Enquanto
investe na tentação que é Eneida, Zizo vai dando outro corpo a seu anarquismo.
A trama de Febre do rato, o nome do filme é também o nome do
tabloide que Zizo edita contra as forças dominantes da sociedade, é ela mesma a
mimetização da anarquia do cinema de Assis, estranhamente mais organizado
narrativamente. A nudez, o sexo e o despojamento com que se misturam a um
ambiente de aridez expressa e contínua mimetizam o caráter transgressivo em
Assis e toda a opulência de seu discurso contra as elites (política,
intelectual ou qualquer outra).
O poeta e sua inesperada e desejada musa: transgressão porosa
Febre do rato é, portanto, menos uma crônica pernambucana ou
de Pernambuco e mais uma intermitência intradiegética. Ou a proposição dessa
intermitência. O roteiro, assinado em colaboração com Hilton Lacerda e
Xico Sá, não à toa dá à poesia a incondicionalidade da razão. Todos ouvem Zizo
mesmo que não o entendam. Pazinho certo momento lhe informa disso para ser
retrucado: “Eu gosto de você gostar do que não entende”.
O radicalismo de Assis, nesse sentido, está menos nos
devaneios estéticos que alienaram muitos em Amarelo manga (2002) e Baixio das
bestas (2007) e mais na veiculação das ideias. No fim do filme, quando Zizo
recita um poema e incita que os ouvintes tirem a roupa como metaforização para
o desnudamento de seus corações, Assis atinge o epicentro desse
radicalismo formal e ao exibir Irandhir Santos e Nanda Costa totalmente nus,
funde o discurso de seu protagonista ao do filme de maneira irreversível.
Cláudio Assis, mais maduro, ainda quer aperrear.
Pela análise, Reinaldo. E acho interessante que esse filme tenha sido o escolhido pelo público no Grande Prêmio Brasileiro de Cinema, mostra que o filme consegue dialogar.
ResponderExcluirbjs
Obrigado Amanda! Pois é e a crítica escolher "Gonzaga - de pai para filho" foi passar recibo para o público...
ResponderExcluirBjs