Páginas de Claquete

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Repercutindo A pele que habito

O novo Almodóvar é um estímulo ao debate sobre o cinema, a filmografia do espanhol e as convenções de um gênero clássico. Para participar desse debate conclamado por Claquete, é recomendável que já se tenha visto a obra



“É possível que muitos fãs do diretor se sintam desconfortáveis com esta obra estranha, este suspense sombrio e distante do universo tradicional do diretor, sem tanto senso de humor, sem lágrimas. Por outro lado, é impossível sair indiferente de uma sessão de A Pele que Habito”, pontuou Roberto Guerra, ao finalizar sua crítica para o site Cineclick.  Esse novo trabalho do cineasta espanhol tem se mostrado mais polarizante do que a média, revelando dividendos ambicionados pelo próprio diretor no momento em que se definiu pelo projeto.  Mas o estranhamento pode ser circunstancial.  “A Pele Que Habito é um filme diferente na cinematografia do diretor, mas indiscutivelmente um Almodóvar”, continua Guerra. “Estão lá suas obsessões com traição, solidão, identidade sexual e morte. Os planos almodavarianos, os close-ups e as cores - estas mais sombrias - estão lá. A estes elementos típicos de seu cinema, o cineasta acrescentou um misto de ficção científica e horror. Uma amálgama tão complexa, um híbrido tão instável, que somente alguém talentoso como ele poderia ter misturado tais elementos sem criar uma bomba”.
A percepção de Guerra se assemelha a leitura que o crítico Inácio Araújo faz do longa. “Nunca antes Almodóvar se permitiu ser tão sombrio sem abandonar as cores vivas que são sua marca registrada”. Araújo elabora que o diretor visita a questão do transformismo e da identidade sexual de uma maneira totalmente nova em sua filmografia: “o fundamento de A pele que habito é a identidade, por um lado, o corpo mutante, por outro. O que não exclui nada, começando pela revolucionária pele sintética criada por Ledgard”. O crítico do jornal Folha de São Paulo vai além em sua construção. “Se Ledgard aceita por princípio que o corpo é transformável, graças a sua pele sintética, para começar, é porque não reconhece nenhuma existência intrínseca a ele. O eu que habita essa pele é vazio: a pele define não apenas a aparência, mas tudo o que nós somos. A partir desse reconhecimento, algo se apresenta de maneira sólida: é um universo de terror o que se evoca”.
Muitos deram por falta do melodrama - elemento característico do cinema do diretor. Não foi o caso de Marcio Claesen que enxerga as “influências calculadas” de Hitchcock, Buñuel e Georges Franju em sua crítica que fez do filme para O Estado de São Paulo. O crítico observa que “o diretor ousa ao fazer de A Pele que Habito uma mistura realçada pelo terror, nos privando das situações cômicas e delirantes que lhe fizeram a fama, com uma trama construída de forma rigorosa e que custa a envolver”, mas destaca que “ele apresenta uma narrativa coesa e surpreendente”. Para Claesen, “Almodóvar entrega uma obra perturbadora, e tem um de seus melhores momentos”.

A cena que abre o filme já demonstra que se trata de um Almodóvar afinal...


Impressões
Roberto Guerra lembra que “A pele que habito do título tem diversos sentidos na narrativa, sendo tanto a pele literal quanto a noção metafórica de identidade pessoal”. Inácio Araújo lembra que Almodóvar realinhou temas caros a sua cinematografia sob uma perspectiva renovada. “No centro da enunciação desse novo corpo e da nova identidade que Ledgard cria existe, é claro, o sexo, o novo sexo. A exemplo do cinema de terror clássico, aqui também o sexo é o fantasma dos fantasmas. Mas desta vez é à identidade sexual que Almodóvar se refere. Nada de inédito em sua obra, em que o travesti é figura recorrente”, observa o crítico buscando algum contexto histórico.
O crítico da Folha teoriza sobre essa figura tão presente no cinema de Almodóvar e que, em A pele que habito, ganha novos contornos filosóficos e dramáticos. “Também no travesti existe algo de distorcido, uma identidade que não se deixa apreender, nem homem, nem mulher, nem homossexual propriamente dito. Uma identidade misteriosa, não nomeável: corpo masculino reconstruído segundo uma imagem (feminina), alheio a qualquer identidade original”. De fato, Araújo provê uma depreensão notável do trabalho de Almodóvar neste filme.

Para o Hollywood Reporter, que escreveu uma das críticas mais elogiosas que o filme recebeu em Cannes, só um diretor como Almodóvar poderia ser capaz de misturar elementos tão diversos sem dinamitar o filme. Já a Variety, embora reconheça o valor dos aspectos técnicos da fita, observa que Almodóvar falha em criar um filme genuinamente aterrorizante. O que seria, lembra o articulista Justin Chang em uma crítica recente, a proposta primária.

Ilações
É possível observar em A pele que habito a existência de um mcguffin, termo e técnica cunhados por Hitchcock para descrever um recurso dentro da narrativa que possibilite a condução da trama, sem que haja muita importância. A pele sintética que Robert Ledgard desenvolve, no final das contas, é menos importante para a narrativa do que a trama envolvendo Vicente, Vera e a obsessão desmedida de Robert a respeito.
Almodóvar abraça a matéria prima de seu filme e principal força gravitacional de todo o debate que marca este texto já próximo da metade da metragem. Com comedimento, o espanhol desvela a história permitindo que a platéia se depare com ruídos bastante expressivos do horror que retrata.

Loucura familiar: Comum aos filmes de Almodóvar, o principal núcleo familiar de A pele que habito se revela problemático. Não há um personagem sequer que não seja moralmente condenável...


Como personagem, Vera é interessantíssima. Justamente por isso, Almodóvar a desenha de maneira unidimensional a princípio. Todo o sentido vai sendo construído (ou desconstruído) à medida que as revelações e eventos se sucedem.
O desfecho se abre para a tragédia, mas não desconsidera as complexidades envolvidas. O terror proposto por Almodóvar não poupa nenhum dos personagens e os submete a destinos cruéis. Não por acaso, em A pele que habito, todos têm moral torta e fraqueza de espírito. Almodóvar, por sua lente, os redime com poesia e surrealismo.

4 comentários:

  1. Post perfeito, mas como disse na sua postagem anterior, eu acho que tem muito elemento recorrente do cinema de Almodóvar em "A Pele que Habito", com uma singular diferença: isso tudo nos é apresentado de uma forma nova. O diretor foi extremamente corajoso nessa sua última obra.

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  2. Bom apanhando. Quanto ao filme, gostei muito do resultado. Agora, não entendi Penélope Cruz no destaque. hehe, é para lembrar a musa do diretor?

    bjs

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  3. Kamila: Obrigado Ka. Concordamos que Almodóvar foi corajoso e muito feliz em "A pele que habito".
    Bjs

    Amanda: rsrs. Não há nenhuma relação óbvia com a escolha de Penélope para a foto da Home, mas a ideia era sugerir mesmo. Deu certo, né? rsrs
    bjs

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  4. sim sempre com temas sexuais a familia é sempre moralmente condenável e lógioco que de todos os filmes do Almodovar sexo drogas sobrevivência e morte estão nele não vejo um terror comercial vejo um horror sim todo Almodoviano como em volver como em má educação em fale com ela que nestes dramas os personagens principais foram violentados então o que eu vejo de diferente são só as cores sóbrias

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