O mais delirante pesadelo de Almodóvar!
Em ordem de se apreciar corretamente A pele que habito (La piel que habito, ESP 2011), é preciso ter equacionadas as reais dimensões do cinema de horror e do cinema de gênero. O terror proposto por Almodóvar nessa incursão voyeur que faz pelo gênero é de ordem psicológica. Não há sustos. Há angústia e aflição dosados com maestria pela trilha sonora de Alberto Iglesias, parceiro habitual do cineasta.
A pele que habito não promove a ruptura que muitos fazem crer dentro da cinematografia do diretor. Estão lá o transsexualismo, peça fundamental em sua mise-en-scène, a perda, a sombra da morte, a extravagância das cores, o sexo como desdobramento da loucura, etc. No entanto, o cinema de gênero surge delimitado como pouco se viu no fluxo recente de sua obra. O médico louco (e Frankenstein é uma referência óbvia), a vingança, grandes mansões, profusão de lâminas e tudo o mais que compete ao gênero de horror está lá. Almodóvar destila competência ao fazer um filme cheio de preciosismo técnico sem comprometer a fluidez e sutileza que caracterizam seu cinema.
Robert Ledgard (Antonio Banderas) é um cirurgião plástico brilhante que, após a morte da mulher, se engajou em experimentos para desenvolver um novo tipo de pele muito mais resistente do que a humana. Desde o momento que pousamos os olhos em Robert, Almodóvar vai desvelando camadas de seu filme e sobre o infortúnio que acomete aquele personagem. Sua loucura vai sendo exacerbada a cada nova cena. Vera (Elena Anaya) é a cobaia que Robert mantém em cativeiro e em quem realiza os testes com a pele que desenvolve. Robert tem por Vera um sentimento difícil de definir e que fica ainda mais difícil de mensurar a medida que vamos descobrindo suas origens.
Almodóvar utiliza-se sabiamente dos atores para construir tensão e, de súbito, demoli-la. Como quando Zeca (Roberto Álamo), o irmão bastardo de Robert, surge em uma cena que vai do absoluto imponderável ao mais escrachado humor folhetinesco. Nesse contexto, Antonio Banderas surge surpreendentemente contido. Em uma aparição bem diferente de suas histriônicas atuações recentes em produções de Hollywood. Mas a grande força interpretativa de A pele que habito é Elena Anaya. A última atriz confirmada no elenco é dona das expressões mais “almodovarianas” de todo o filme. É em seu semblante que Almodóvar constrói o clima da fita e coloca a audiência exatamente aonde quer.
Banderas observa Elena Anaya, dona da grande performance da fita: a loucura do protagonista é desvelada comedidamente por Almodóvar
Há quem se decepcione com a “surpresa” que Almodóvar revela pelas tantas do filme e que, na verdade, já estava disponível nas primeiras sinopses. É um sentimento mal dimensionado por julgar a destreza e as intenções do espanhol irmanadas com aquelas verificadas na atual conjuntura dos thrillers cinematográficos. O equívoco se avoluma se observado que mesmo com a revelação já feita, Almodóvar consegue manipular as sensações da platéia para um constante clima de incômodo e espanto em que objetos fálicos funcionam como elementos de puro e genuíno terror.
A pele que habito é um filme que possibilita profundas leituras. É um Almodóvar sombrio revisitando temas que já abordara de maneira mais amena, ao mesmo tempo em que é um filme interessantíssimo sobre os alcances da vingança e os rumos da obsessão. Ainda que não forneça grandes respostas a quem atentar para essas perguntas, A pele que habito é um filme semiótico no que propõe sobre os limites do corpo, da identidade e da loucura.
Bela crítica!!
ResponderExcluirEstou fascinada pelo mais novo portento de Almodóvar!
Tem divido opiniões mesmo, mas mesmo assim quero conferir muito! Ainda não tive tempo... Otimo texto mesmo, elucidou ainda mais a curiosidade. Abs!
ResponderExcluirÉ Reinaldo leu a minha crítica? Já te disse que não gostei desta aventura-pesadelo do Almodóvar. Achava que iria ser um filme diferente e fascinante, mas nada nele me surpreendeu. (Já fui ver uma segunda vez). Acho que a ruptura que ele faz se diz respeito à adaptação da obra, não fazendo aquilo que ele sabe fazer melhor como ninguém. Criar sub-tramas, personagens mais... "calientes", emocionantes e passionais. Que desviam a atenção e subitamente se revelam, brilhantemente. Não vi nada disso em "A Pele". Cenas práticas (as de sexo preenchem um vazio), drama escondido, filme escuro, soluções simplórias para um Almodóvar que é um mestre em tricotar suas histórias e que aqui, mastiga tudo! Praticamente passa um bisturi em seu filme e pronto. Não gostei das reviravoltas e digressões do roteiro. E o mais importante: Tb não gostei da relação com o Brasil. Desculpa mas chega a ser piegas e ridícula.
ResponderExcluirMas td bem, fiquei decepcionado com o resultado, mas valeu a intenção dele. As cores estão lá (pouquinho, mas tem. Predomina mais o vermelho do sangue e aquele círculo no chão onde Anaya ameaça Banderas na cena chave) os temas recorrentes também, mas tudo se resume a uma fala de Paredes. “Vivíamos nesta casa como vampiros, na escuridão e sem espelhos.”. Ou seja, pra mim, Almodóvar não se preocupou muito em colocar a emoção mais em evidência. Drácula e todos os vampiros tradicionais tinham dificuldades em expor seus sentimentos e muito menos à luz do dia.(favor não confundir com os do Crepúsculo!)
Um tema destes seria perfeito para um Kubrick, até mesmo Hitch, creio eu, veria este suspense como uma história romântica. Até de romance carece a fita. Só obsessões, fúrias e loucuras, assim mesmo no plural. A Paris Filmes deveria divulgar o filme assim.
A coisa tinha que ser mesmo um terror psicológico, mas tudo poderia ser mais verossímil. Acreditar que um rapaz não seria capaz de reagir e ser abusado constantemente e que uma deslumbrante Elena Anaya é um trans... é td isso me incomodou também!
"A Pele" não é o primeiro filme dark de Pedro. "Matador" (puxa o ladro melodrama), "Kika" (puxa o lado comédia) e "Carne Trêmula" (puxa o lado policial) são excelentes exemplos do thriller que ele já se aventurou lindamente e sendo o mais puro Almodóvar. “Carne” que também foi história adaptada se supera em minha opinião. Até acho "Má Educação" outro digno do gênero.
Não concordo em nada com você aqui, desacordo total, rs rs ... mas admiro o seu texto, muito bem contextualizado.
Abraço.
Pois é, Reinaldo, um filme delirante, mas nem por isso menos fascinante. Eu gostei bastante do resultado e de sua análise.
ResponderExcluirbjs
Nossa, preciso ver urgentemente.
ResponderExcluirhttp://cinelupinha.blogspot.com/
Que excelente texto. Que exuberante crítica. Pouco se vê, por aqui, um blogger tão bem feito e bem redigido. Depois de ler o seu texto tenho que começar a dá mais atenção a Pedro Almodóvar. Minha temática é parecida. Seguimos linhas similares. Parabéns. É um blogger a ser seguido...
ResponderExcluirEsse filme é completamente genial! Me pegou totalmente desprevenida! Aquela reviravolta do meio só tornou a obra ainda mais instigante e chocante. Uma obra diferente do Almodóvar, mas, curiosamente, com todos aqueles elementos recorrentes de sua filmografia.
ResponderExcluirEmmanuela: Obrigado Emmanuela.
ResponderExcluirBjs
Celo Silva: Valeu meu irmão.Espero que goste do filme.
Abs
Rodrigo: O bom é que inegavelmente vc é um fã de Almodóvar. Basta observar a paixão com que escreve sobre o filme, mesmo o desaprovando-o. Entendo todos os seus critérios Rodrigo. Mas discordo da forma como vc avalia o filme em muitos níveis.Vc diz, por exemplo, que esse não é o primeiro filme dark de Almodóvar. É verdade. Mas a proposta estética e narrativa aqui é diferente desses filmes por ti citados. É preciso ter isso em mente na avaliação. O que mais se aproxima, e mesmo assim é radicalmente diferente em cadÊncia e narrativa, é "Má educação".
De qualquer jeito,fica registrado seu descontentamento com o filme.
Abs
Amanda: Obrigado Amanda.
Bjs
Raphael W: Vc vai gostar.
Abs
Maxwell Soares: Obrigado Maxwell. Fico muito feliz com suas palavras e reconhecimento.Bem vindo a Claquete.
Grande abraço!
Kamila:Pois é...
Bjs