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domingo, 27 de março de 2011

Insight

Sobre autenticidade...


O novo filme de Abbas Kiarostami, Cópia fiel, traz em seu cerne um debate dos mais interessantes. O diretor argumenta que a arte é algo que depende mais do olhar, da percepção de quem a observa do que dos desígnios de seu autor. É uma tese que reúne muitos entusiastas e que encontra no cinema um respaldo valoroso. O próprio filme (veja a crítica aqui) é instrumentalizado por Kiarostami em sua sanha por viabilizar a teoria.
O olhar, defende o cineasta iraniano, é o que avaliza uma obra de arte como tal. Em um dado momento, um personagem do filme argumenta que se uma árvore estiver em exibição em um museu ela será tomada como arte, enquanto que se a mesma estiver na rua, ninguém se dará ao trabalho de atentar a ela. É um argumento poderoso e autêntico. E o próprio filme de Kiarostami reclama essa condição limítrofe entre arte e não arte. O iraniano relativiza a própria obra ao estabelecer a força das cópias. Copiando, Kiarostami pode ser original?
São questionamentos legítimos. A produção cinematográfica agoniza. Cineastas tidos como originais (Quentin Tarantino, Michael Haneke, Pedro Almodóvar, entre outros) não se reconhecem como tais dentro de filmografias que convergem turbilhões de referências e influências. Almodóvar, em seu último filme (Abraços partidos), visitou a si mesmo (o filme Mulheres a beira de um ataque de nervos), e tangenciou na tela uma crise criativa que experimentou na realidade. Tarantino, em Bastardos inglórios, conjuga referências que vão desde Os 12 condenados até os faroestes de Sergio Leone. Michael Haneke refez o mesmo filme (Violência gratuita) em versão americana e foi condenado por isso.
Por vezes, a cópia é tão descarada que classificá-la como influência soa como condescendência. O que Kiarostami suscita com seu filme é que essa apropriação afirma o original e insurge com valor próprio, quando bem feita. O que é o caso dos filmes citados.
Em Cópia fiel, o protagonista – que serve de porta voz de Kiarostami – articula que uma obra de arte original pode ser entendida como um nascimento. A evolução, através das cópias, seria um movimento natural nessa linha de raciocínio. Novamente, há legitimidade na argumentação.
É especialmente satisfatório testemunhar uma ponderação dessa envergadura no cinema. Um filme disposto a pensar sua razão de ser e a revogar certas idiossincrasias, ainda que por um viés libertário, que pautam o entendimento geral. Uma produção com o claro objetivo de desbravar novos conceitos e deixar os “prés” para trás.

3 comentários:

  1. Eu fiquei sem reação durante "Cópia Fiel". Recentemente, parei de ler artigos ou qualquer gênero de textos sobre filmes dos quais não assisti. Estou evitando até sinopse, daquela mais aprofundadas rs, justamente para ir "virgem" ao filme. E a catarse é muito maior. Esse último kiarostami (grande diretor) mexeu muito comigo, eu tenho até que rever porque vi no ano passado ainda, sei que a discussão é muito pertinente e a condução de tudo é não mais que BRILHANTE. Uma raridade esse filme, pretendo ainda escrever sobre ele. Muito, diga-se hehe.

    E bacana a referência aos ditos autores "originais". Já até conversamos sobre isso anteriormente. Tarantino é original em sua proposta, mas seu cinema vem se repetindo - o que não o rebaixa de forma alguma. Almodóvar, em contrapartida, só fez um exercício de estilo em "Abraços Partidos", pra mim, seu pior filme etc.

    A propósito, ao ponto que chegamos de tantas experimentações e vertentes... tem ainda como algum diretor surgir com algo novo? Nada se cria, tudo se copia?


    abs, Reinaldo! o/

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  2. Este filme ainda não estreou por aqui, mas eu quero muito conferir, especialmente porque quero ver a elogiada atuação da Juliette Binoche.

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  3. Grande Elton! Sempre com ponderações entusiasmantes. Se me permite o bedelho, não sei até que ponto é vantajosa e interessante essa tua estratégia de ir "virgem" ver um filme. Mas respeito, claro.
    Quanto a Cópia fiel, como defendo em minha crítica (que não sei se vc leu) acho que o filme é bom, mas é muito mais interessante como ensaio do que como cinema. Acho que Kiarostami, que é mesmo um grande diretor, realiza um filme que se pretende pólo de um debate. Nesse sentido foi muitíssimo bem sucedido.
    Quanto a "Abraços partidos", considero um dos melhores e mais maduros Almodóvar.
    Abs

    Kamila: A Juliete Binoche, acredite, é o de menos no filme. Ainda que esteja bem...
    bjs

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