Quando vi Perfume de mulher (1992), estava concentrado em Al Pacino. Ator de
credenciais invejáveis e notórias e que, afinal, havia ganhado seu Oscar pelo
papel. Tinha alguma noção de quem era Chris O`Donnell e fui hipnotizado pela
cena do tango, reconhecidamente um dos grandes momentos sem diálogos da
história do cinema.
Mas a figura detestável do antagonista de O´Donnell me
chamou a atenção. Apenas alguns anos mais tarde, em uma das muitas vezes que
revi Perfume de mulher, liguei o nome de Phillip Seymour Hoffman àquela figura.
Quando o fiz, já admirava muito o ator que, como tantos
outros, somente descobri em
Boogie Nights – prazer sem limites, um dos filmes
justificadamente mais festejados de 1997. Naquele momento, Hoffman já era um
ator que tinha minha atenção, mas ainda não havia conquistado minha adoração.
É um tanto como percorrer o alfabeto de A a Z discorrer
sobre como Philip Seymour Hoffman fez isso, mas a homenagem deste artigo não se
legitimaria se me furtasse a esse pequeno exercício de nostalgia entristecida.
Suas performances intuitivas, oxigenadas e sempre significativas no entorno do
filme colocavam Hoffman no meu ultra criterioso grupo de atores interessantes. O
conjunto de filmes Magnólia (1999), Ninguém é perfeito (2000), um favorito
discreto, O talentoso Ripley (1999), Quase famosos (2000) e A última noite
(2002) me impactaram, mas ainda assim – no alvorecer do novo milênio – não
colocava Philip Seymour Hoffman no panteão dos meus ídolos imortais. A Heath
Ledger, para citar outra trágica perda recente do cinema, bastou o desempenho
em O segredo de Brokeback Mountain em 2005 para que fosse elevado a esse
distinto, gosto de pensar, panteão. Foi mais ou menos na mesma época que
Hoffman me seduziu de vez. Se fosse membro da Academia de Artes e Ciências
Cinematográficas de Hollywood em 2006, e ainda não sou, teria votado em Ledger
naquele ano (assim como teria votado em Ledger em 2009 quando novamente se
enfrentaram no Oscar), mas tinha consciência do trabalho fenomenal e maior do
que adjetivos podem tangenciar de Hoffman em Capote. Ali, “smoothly”
(adjetivo em inglês que une um pouco de "suavemente" e "sutilmente" do nosso
português) Hoffman começou a me transformar em tiete. Em 2008, não só o
considerava o maior ator americano de sua geração, como melhor ator em
atividade no cinema americano. E ouvia das pessoas que “um filme com Hoffman
vale a pena mesmo que ruim”. Robert De Niro perdeu esse paradigma há algum
tempo. Jack Nicholson talvez tenha abdicado dele, mas Hoffman – por mais febris
que fossem seus demônios – lutava por ele com a garra dos intérpretes
incansáveis, desalmados no sentido de impiedosos na dominação de seu ofício.
Eu teria o indicado ao Oscar mais vezes. Merecia por
Sinédoque Nova Iorque (2008), merecia por A família Savage (2007), merecia por
Antes que o Diabo saiba que você está morto (2007), merecia por Tudo pelo poder
(2011) e merecia, sim, por Quero ficar com Polly (2003) – seu talento para a
comédia talvez comece a ser revisto, e mais apreciado, no futuro próximo.
Hoffman merece um busto em toda e qualquer escola de cinema que se preze.
Até Barkhad Abdi (olho nele!) no ano passado em Capitão Phillips ,
quem havia roubado a cena de Tom Hanks com tanto gosto quanto Hoffman em Jogos
de poder (2007)? Hoffman ainda o fez sorrindo, sem perder de vista o tom grave
do personagem.
Gigante da atuação, tão camaleônico quanto sensível à
verdade de cada personagem, Hoffman sabia ser o que os americanos chamam de
“character actor”, assim como sabia ser a bússola de filmes que demandavam um ator
maior que a vida (o que ele foi e para sempre será).
Essa versatilidade rendeu a admiração de uma comunidade
cética, egocentrada e que geralmente ignora todos aqueles que não são astros.
Philip Seymour Hoffman se foi, mas como o clichê traz
conforto o abraço com toda a resignação de um fã brasileiro tão imemorial como
tantos outros espalhados pelo mundo ao dizer que, de alguma maneira, ele
permanecerá conosco.
Por Reinaldo Matheus Glioche
Belo depoimento. Um dia desses, no início do ano, estava fazendo companhia à minha irmã, enquanto ela dava mais uma das mamadas para a minha sobrinha, durante a madrugada, e estávamos assistindo a "Quando um Homem Ama uma Mulher". Nesse filme, o Philip Seymour Hoffman participa, de uma forma bem pequena. Foi bem interessante reconhecê-lo ali! :)
ResponderExcluirEsses momentos são tudo né Ka? É a descoberta da cinefilia renovada...
ResponderExcluirbjs