No ultimo domingo, como parte da cobertura especial sobre o
filme O quinto poder no blog, a seção Insight abriu um debate sobre a produção
cinematográfica voltada para o público adulto. Na ocasião, estavam sob análise
o modelo de produção hollywoodiano, a exposição que esses filmes recebem e a
maneira como o sucesso deles é avaliado.
Paul Greengrass que apresenta agora o tenso Capitão
Phillips, lançou em 2010 o ótimo e inteligente Zona verde. A ideia do estúdio
Universal era muita clara. Pegar a dupla responsável pelo sucesso da franquia
Bourne e colocá-los a frente de um filme que discutia com coragem a falácia do
governo americano de que havia armas de destruição em massa em poder do regime
de Saddam Hussein no Iraque. O filme foi um fracasso de bilheteria retumbante,
ainda que tenha contado com boas críticas.
Essa introdução é necessária para contextualizar a
resistência do sistema de estúdios hollywoodiano a produções que fujam de sua
valoração monetária (remakes, adaptações de HQs, games e etc). Mas não são
apenas os estúdios os vilões dessa história. Tanto distribuidores como
exibidores se fiam na lógica comercial, afinal, estão no negócio do cinema para
faturar. Má disposição para estratégias de marketing, pouco tempo e horários
ingratos nas salas de exibição são outros fatores que contribuem para esse
sufocamento das opções mais adultas nos cinemas. Em outubro, no entanto, uma
concentração incomum de produções dessa estirpe se deu nas salas brasileiras.
Bons filmes como Os suspeitos, O conselheiro do crime, O capital, Conexão
perigosa, Gravidade, entre outros foram lançados e, por vias tortas, iluminaram
a falta que esse tipo de produção faz no circuito comercial brasileiro.
Matt Damon e Greg Kinnear em cena de Zona verde: filme inteligente que não atendeu às expectativas comerciais do estúdio
Hugh Jackman em cena de Os suspeitos: thriller com vontade de ir bem além do convencional e que foi muito elogiado por isso
Mas o cinema americano, aquele que compreensivelmente recebe
mais destaque em todo o planeta, é apenas o caso mais alarmante. O Brasil, por
exemplo, viceja no mesmo problema. Filmes voltados a um público que aprecia um
entretenimento mais inteligente escasseiam na produção nacional e não se remete
a produções autorais que exigem gosto refinado e verve cinéfila, mas filmes
como Disparos, Boca e Chamada a cobrar, que apresentam potencial comercial, mas
que não se esmeram unicamente neste princípio. São filmes que buscam um público
adulto, mas por razões diversas, não acham. Esse tipo de produção é vítima do
mesmo sistema perverso que acomete a produção hollywoodiana. Nesse sentido, o
cinema argentino se destaca por catalisar onde Brasil e EUA fraquejam. O cinema
comercial argentino aposta no público adulto e, não à toa, tem no astro Ricardo
Darín seu fiel da balança. Filmes como Um conto chinês, Dois mais dois e mesmo
El crítico, em cartaz na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, desafiam
ao rimar humor acessível com inteligência argumentativa. Isso para ficar na
seara das comédias. O cinema argentino investe em uma produção refinada em
variados gêneros, obtendo sucesso comercial com filmes altamente críticos como
Elefante branco. O filme abertamente comercial mais inteligente lançado este
ano no Brasil é argentino e se chama Tese sobre um homicídio.
Com essa dificuldade de se impor no mercado, o cinema adulto
não exatamente artístico vai se abrigar nos festivais e passa a competir por
espaço com os referidos filmes artísticos, mudando a cara da programação de
alguns festivais de médio e pequeno porte e transfigurando o circuito de arte
das grandes metrópoles como São Paulo.
Ricardo Darín em cena do excelente Tese sobre um homicídio: a principal razão de sucesso dos filmes argentinos no Brasil é porque eles apostam (sempre) no público adulto
Se é um cenário preocupante no curto prazo, no longo prazo é
alarmante; pois se passamos a ver uma produção que não se ajusta aos padrões
circunstanciais de “produto comercialmente viável” empurrada para a janela de
lançamentos artísticos, o que acontecerá com as produções mais experimentais,
livres e artísticas na concepção inteira do termo? O jogo de influências tende
a se desequilibrar. O primeiro sinal disso talvez seja a sombra que o festival
de Toronto faz sobre Veneza e como esse se americaniza mais a cada ano,
conforme já apontado por Claquete reiteradas vezes.
A revolução na distribuição de conteúdo audiovisual, com
novos players se erguendo na internet, pode relativizar esse quadro
perturbador. Até porque o público adulto, neste primeiro momento, parece ser o
principal alvo de empresas como Netflix e Amazon. Mas, nesse mesmo momento,
essa possibilidade é apenas uma aposta obscura. Afinal de contas, os novos
players também estão nessa para ganhar dinheiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário